Exposição de Motivos
A ciência reconhece que, em situações de stress, muitos animais não humanos exibem comportamentos identificáveis aos observados nos humanos em situações semelhantes: colapso da atividade circadiana, estereotipias comportamentais, perda de comportamentos de jogo e conforto, apatia, disfunção neurofisiológica e endócrina, desregulação dos sistemas transmissores, desestabilização dos circuitos nervosos centrais, alterações crónicas na regulação dos níveis das hormonas de stress, medo, pânico e depressão.
Por outro lado, cada vez mais se constata que os modelos não humanos diferem tanto dos humanos que as conclusões que são retiradas de tipo de investigação que recorre à experimentação, quando aplicadas às patologias humanas adiam mesmo o progresso e rapidez de cura. Por exemplo, a Oregon Health Sciences University, um dos conhecidos polos de investigação na área das doenças cancerígenas, já afirmou que nada de relevante para tratar as patologias humanas foi descoberto em décadas de investigação com ratos na área da engenharia genética: os tratamentos funcionam com ratos transgénicos mas falham quando os aplicamos à espécie humana (Barnard, ND; Presidente do Comité de Médicos por uma Medicina Responsável, Janeiro de 2001).
Um dos antigos diretores científicos do conhecido Huntington Research Center em Cambridge (Reino-Unido) já afirmou publicamente que, na melhor das hipóteses espera-se uma correlação de reações adversas nos humanos e outros animais nos dados de toxicologia, entre 5 e 25% (Fundação Ciba, 1989). Portanto as extrapolações que implicam a experimentação nas outras espécies, devido à variabilidade intra e interespecífica do ponto de vista fisiológico e bioquímico (entre outros) são abusivas. A constatação da Food and Drug Administration (entidade governamental de um país - EUA - onde a experimentação animal encontra o seu expoente máximo) parece evidenciar tal abuso ao referir no seu relatório de 2004 que apenas 8% dos medicamentos que obtêm resultados positivos em não humanos são posteriormente considerados como seguros e passíveis de aplicação nos ensaios com humanos.
Muitas espécies são usadas em laboratórios: gatos, cães, ratos, coelhos, cobaias, hamsters, primatas não humanos, porcos, cavalos, ovelhas, cabras, aves, peixes, anfíbios e répteis. O uso é feito pela pesquisa biomédica, cosmética, companhias farmacêuticas e comerciais, hospitais, laboratórios de saúde pública, laboratórios privados, universidades.
Apesar deste uso, já existem métodos científicos de teste de substâncias sem o uso de animais. Algumas das técnicas alternativas abrangem o uso de células humanas, culturas de tecidos e órgãos, simulação e modelação computacional (e.g. tecnologia in silico), análise epidemiológica, estudos e ensaios clínicos, entre outras.
A política dos 3 R’s (in The Principle of Humane Experimental Technique, Russel & Burch, 1959) tem vindo a ser desenvolvida e aplicada na comunidade científica. Assim, o Replacement – Substituição, será o método científico empregando material não senciente substituindo métodos que usam animais vivos e conscientes. A substituição implica a experimentação em culturas de células em vez do uso de não humanos, a utilização de modelação computacional, a investigação utilizando voluntários humanos e o uso de estudos epidemiológicos. O Reduction representa a redução: serão os métodos para reduzir o número de não humanos utilizados para obter informação representativa e precisa através do melhoramento das técnicas experimentais, e das técnicas de análise de dados e da partilha de informação entre investigadores e, por fim o Refinement ou Refinamento, será o desenvolvimento que leve a uma diminuição na severidade de processos desumanos aplicados aos não humanos utilizados. O refinamento é atingido através do uso de técnicas menos invasivas, melhores cuidados médicos e melhores condições de acolhimento.
Em 1978, Smith reformulou a definição dos 3R's como sendo «todos os procedimentos que podem substituir completamente a necessidade de efetuar experiências com animais, reduzir o número de animais necessários, ou diminuir o sofrimento sentido pelos animais utilizados para o benefício de humanos e outros animais» e desde então muito trabalho foi produzido.
Em 2009, a União Europeia disponibilizou um fundo de 50 milhões de euros para que as equipas de investigação europeias desenvolvessem métodos alternativos à experimentação animal relacionada com cosméticos e indústrias da área. Em 2016, neste campo de investigação, lançado um novo programa de cerca 30 milhões, conforme plasmado no relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre o desenvolvimento, a validação e a aceitação legal de métodos alternativos aos ensaios em animais no domínio dos produtos cosméticos (2015-2017).
Assim, a evolução das técnicas tem sido, ainda que a ritmos díspares, acompanhada por legislação no sentido de encontrar alternativas à experimentação animal para fins científicos e comerciais. Exemplos disso são precisamente as sucessivas Diretivas Europeias que proíbem a experimentação animal de produtos de cosmética e a comercialização de produtos testados em animais na Europa, bem como a Diretiva 86/609/EEC, transposta pelo Decreto-Lei n.º 192/92 de 6 de Julho, com posteriores alterações, que estabelece que nenhum animal deve ser utilizado em experiências científicas sempre que exista uma alternativa disponível e validada e que refere que deve ser evitada a duplicação de testes já realizados. A revisão da Directiva 86/609/EEC refere ainda que as experiências devem ser feitas com recurso a anestesia e/ou analgésicos.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, transpôs a Diretiva n.º 2010/63/UE, de 22 de setembro de 2010, relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos. Finalmente, a Portaria n.º 260/2016, de 6 de outubro, concretizando o Decreto-Lei n.º 113/2013, fixou a composição e o funcionamento da Comissão Nacional para a proteção dos Animais Utilizados para Fins Científicos (CPAFC).
Em Portugal o número de animais utilizados para fins científicos diminuiu entre 2012 e 2015: dos 81 124 animais utilizados em 2012, passou-se para 20 623 em 2015, segundo os dados fornecidos pela DGAV. No entanto em 2016 e 2017 os números de efetivos utilizados para fins científicos voltou a aumentar, cifrando-se estes em 31 712 para 2016 e 52 983 para o ano de 2017. Centrando a análise dos dados em 2017, conclui-se que a grande parte dos animais são utilizados para investigação básica (36 663), dos quais 2017 efetivos em procedimentos em que não é possível a sua recuperação e 10 416 casos associados a procedimentos classificados como severos, números que se podem considerar elevados.
Ciente desta problemática, e ainda antes da publicação do diploma relativo à proteção dos animais utilizados para fins científicos, o Partido Comunista Português apresentou em 2010, o Projeto de Resolução n.º 159/XI/1ª, no qual se recomendou que não se afetasse recursos financeiros de origem pública, nacional ou comunitária, a entidades privadas para construção de biotérios propondo que, pelo contrário, se permitisse a disponibilização dessas verbas para o incentivo à criação de centros de investigação 3R; que se estudasse a viabilidade e a necessidade, em articulação com as diversas componentes do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, da implantação de um centro de investigação 3R de caráter nacional; apontava o reforço dos meios técnicos e humanos da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, no sentido de promover a sua eficácia inspetiva, nomeadamente no que diz respeito às atividades de investigação e experimentação em animais; finalmente, aconselhou-se a produção, através dos serviços considerados competentes, de um relatório anual sobre o tratamento, investigação e experimentação animal, identificando as boas práticas e diagnosticando a situação anual em função do tratamento dado aos animais em Portugal, nos diversos usos que deles são feitos, nomeadamente a sua utilização em espetáculos, em experimentação científica, em cativeiro e em explorações pecuárias, aviários, ou outros centros de produção animal.
Esta iniciativa do PCP foi acolhida na Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010, em várias das suas recomendações.
No âmbito da intervenção nesta temática, o PCP, em 2017, apresentou recomendações neste âmbito indo ao encontro da crescente preocupação e consciencialização dos cidadãos que reconhecem a necessidade de se utilizar cada vez mais métodos alternativos ao uso de animais na experimentação.
Nesta altura foi recomendado ao Governo a tomada de um conjunto de medidas no âmbito da utilização de animais em investigação científica, nomeadamente, as seguintes:
- Promoção do investimento para o desenvolvimento de alternativas ao uso de animais para fins experimentais e outros fins científicos, dando cumprimento desta forma a uma efetiva implementação da política dos 3Rs;
- Promoção da divulgação de informação e a devida articulação entre as diversas entidades ligadas à experimentação animal, nomeadamente entre a Comissão Nacional e os órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais (ORBEA), pugnando para que nas instituições onde ainda não estejam criados estes órgãos, os mesmos sejam o mais rapidamente possível instituídos, no sentido de garantir que os protocolos autorizados e financiados, se encontram a ser devidamente implementados, maximizando assim o bem-estar animal;
- Avaliação e informação à Assembleia da República sobre a concretização das recomendações constantes na Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010 e procedendo ainda à planificação da implementação das medidas que ainda estejam por concretizar.
Sendo certo que continuam por cumprir algumas destas recomendações e tendo em conta o percurso que será necessário trilhar com vista à diminuição da utilização de animais em investigação científica, nomeadamente no que concerne ao desenvolvimento de alternativas, recomenda-se que o Governo tome, de forma célere, medidas concretas no sentido de cumprir com as Resoluções da Assembleia da República n.º 96/2010 e n.º 33/2017, adotando a seguinte:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que adote as seguintes medidas:
- Promova o levantamento das necessidades de recursos materiais e humanos da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, no sentido de assegurar a prossecução das suas atuais atribuições no âmbito da Proteção Animal no que respeita a Animais para Fins Experimentais;
- Inscreva no Orçamento do Estado para 2020 a verba necessária para a criação de um programa de investigação com vista ao desenvolvimento de alternativas ao uso de animais para fins experimentais e outros fins científicos, dando cumprimento desta forma a uma efetiva implementação da política dos 3Rs, conforme plasmado no Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto;
- Divulgue até ao final do primeiro semestre de 2020, e a partir daí com periodicidade semestral, informação sobre os órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais (ORBEA) no sentido de se fazer o diagnóstico da sua implementação e planificação da criação dos mesmos onde não existam, acompanhado de um relatório da Comissão Nacional para a Proteção de Animais Utilizados para Fins Científicos (CPAFC) e da DGAV sobre os protocolos autorizados e financiados e sua implementação efetiva;
- Apresente à Assembleia da República durante o primeiro trimestre de 2020 um relatório sobre a implementação das recomendações e legislação sucessivamente aprovadas neste âmbito (Resolução n.º 96/2010, n.º 33/2017, Decreto-Lei n.º 113/2013) e o plano de intervenção estabelecido pelo Governo com vista a assumir os objetivos no âmbito da política dos 3Rs.