Exposição de Motivos
A integral dependência monetária e, em boa medida, financeira, que representa a submissão de Portugal aos grandes centros de decisão europeia e às normas de funcionamento da União Europeia colocam o país numa situação de profunda fragilidade num cenário de aumento das taxas de juro, como as que o Banco Central Europeu (BCE) tem vindo a decretar.
A banca privada, executora da política monetária, verá a sua rendibilidade melhorada com o aumento substantivo das taxas de juro, enquanto a esmagadora da população, especialmente os jovens, os trabalhadores e os reformados, verá reduzido o seu rendimento disponível. Tudo isto ocorre num cenário de inflação crescente e generalizada, de desindustrialização e de rutura de cadeias produtivas que prejudicam quem vive do seu trabalho, baixando o valor do trabalho e aumentando o desemprego.
A política monetária da União Europeia que, especialmente durante a pandemia e atualmente no contexto da guerra e das sanções, se caraterizou pela emissão de moeda sem uma única aposta na dinamização da produção e no reforço da soberania económica dos estados-membros, veio alinhar a economia europeia com as piores práticas dos Estados Unidos da América. Ou seja, a moeda e a economia ao serviço do lucro e da especulação no setor financeiro, em prejuízo dos setores produtivos e dos rendimentos do trabalho.
O aumento das taxas de juro como única resposta à inflação descontrolada é o resultado de uma política sujeita apenas aos interesses dos grandes grupos económicos (que veem os seus lucros aumentar a cada ano, independentemente da situação económica das famílias) e que abdica de qualquer outro instrumento de controlo da inflação, nomeadamente o controlo de preços, o controlo público, a nacionalização, a planificação de fileiras fundamentais da economia e o aumento dos salários, reformas e pensões.
Perante o significativo aumento das taxas de juro e das prestações do crédito à habitação e a perspetiva da continuação destes aumentos, são necessárias medidas que respondam no imediato à situação sentida pelas famílias. Medidas que introduzam maior segurança e previsibilidade para as famílias, e que contribuam para evitar situações de incumprimento generalizado que, para lá das profundas consequências sociais, possam pôr em causa a estabilidade do sistema financeiro.
A taxa de esforço com o crédito à habitação (percentagem do rendimento dirigido à habitação) recomendada é de 35%. Ora, perante um aumento das taxas de juro, sem correspondente aumento dos rendimentos, há uma forte possibilidade de muitas famílias terem taxas de esforço muito superiores a este limiar, pondo em causa as suas condições de vida e mesmo a capacidade de continuar a pagar a prestação da casa.
O PCP propõe que, quando o limiar de 35% seja ultrapassado, o cliente tenha direito a encetar um processo negocial mediado, que tenha como objetivo reduzir as prestações. A mediação, por parte de equipas do Banco de Portugal, tem como objetivo reequilibrar a favor do cliente uma relação que é profundamente desigual, desigualdade aprofundada pela conjuntura inflacionária e pela perda de poder de compra acentuada que coloca em situação de fragilidade uma grande parte dos trabalhadores e suas famílias.
Propõe-se que, nessas situações, seja recuperada a possibilidade de recorrer a um período de carência de capital de 6 meses a 1 ano com possibilidade de extensão da maturidade do empréstimo, à semelhança do que aconteceu no período inicial da epidemia de COVID-19. A possibilidade de recurso a esta medida é, por um lado, uma salvaguarda face a situações de manifesta impossibilidade de pagamento, e por outro, um elemento que favorece o poder negocial do cliente bancário nos processos de renegociação de crédito.
A política de aumento das taxas de juro decretada pelo BCE tem consequências muito diferentes consoante a realidade dos vários países da zona Euro. Desde logo, tendo a enorme disparidade do nível de rendimentos, em prejuízo de países como Portugal, mas também tendo em conta o tipo de contratos mais usual em cada um dos países.
Enquanto alguns países do Norte e Centro da Europa têm elevadas percentagens de crédito hipotecário em regime de taxa fixa, em países como Portugal o recurso a estas taxas é residual, sobretudo devido aos baixos rendimentos.
Perante a perspetiva de aumento da Euribor, são muitos os portugueses que procuram transferir os seus créditos à habitação para o regime de taxa fixa, a fim de evitar aumentos inesperados no futuro. Contudo, perante estas perspetivas, os bancos sugerem taxas muito elevadas, ainda mais especulativas.
O PCP propõe por isso que o Banco de Portugal, a partir da análise das perspetivas sobre política de juros, estabeleça uma taxa fixa de referência, à qual possam aderir os clientes bancários que recorram ao processo especial de renegociação mediada. Procura-se assim, além de aumentar o poder negocial dos clientes, dar maior previsibilidade e segurança às famílias, e promover a aproximação da realidade do país à de outras economias da zona Euro, evitando assim que as decisões do BCE tenham um impacto muito maior em Portugal que noutros países.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que, no sentido de responder à situação de agravamento das taxas de juro no crédito à habitação, promova, em articulação com o Banco de Portugal, as seguintes medidas e orientações para o sistema financeiro:
- Assegurar que, quando, em resultado do aumento das taxas de juro, houver situações em que os clientes bancários aumentem a sua taxa de esforço com o crédito à habitação para valores acima de 35%, possa ser requerido pelo cliente, sem direito de oposição, um processo especial de renegociação mediada.
- Instituir o processo especial de renegociação mediada, tendo por objetivo uma redução das prestações, de modo a salvaguardar a capacidade de pagamento por parte do cliente, e mediado por equipas do Banco de Portugal constituídas para o efeito.
- Determinar que, no âmbito do processo de renegociação mediada, o cliente bancário possa recorrer, de forma unilateral, a um período de carência de capital, de juros e de amortização, por um período de seis a doze meses, com possibilidade de renovação por igual período e de aumento da maturidade do crédito, em moldes a definir pelo Governo e pelo Banco de Portugal.
- Assegurar o estabelecimento de taxas fixas de referência para o crédito à habitação, de caráter não especulativo, a que possam podem aderir os clientes bancários que recorram ao processo de renegociação mediada.