O direito do trabalho ou seja, o conjunto de normas especiais que regulam as relações de trabalho, tem pouco mais de 100 anos (a primeira lei do trabalho em Portugal é de 1891), mas é, sem qualquer sombra de dúvida, o ramo do direito que mais alterações têm sofrido durante a sua curta existência. É caso para perguntar, as leis do trabalho estão sempre dasactualizadas?!
Não. Não é verdade que estejam sempre desactualizadas. O que se passa é que o direito do trabalho é um ramo do direito que se move ao ritmo da correlação de forças gerada pela luta de classes e que reflecte as alterações da correlação de forças. O que se passa é que como direito de protecção do trabalhador reduz o poder patronal, que se desenvolve nas situações em que a relação de forças é favorável e que se retrai quando a situação piora. Situemos-nos, na história para percebermos melhor o que acabo de dizer: a revolução industrial criou a classe operária e proporcionou a sua afirmação como classe; as suas lutas e as conquistas impuseram a contratação colectiva, que por sua vez, gerou o direito do trabalho. Nesse contexto de afirmação da nova classe e de todas as lutas – muitas delas sangrentas – que realizou foi possível construir um ramo do direito preocupado com os interesses dos trabalhadores retirando poder ao lado patronal com a liberdade sindical, o direito à greve, ou a redução dos horários de trabalho.
Esses direitos, conquistados a pulso, nunca foram aceites pela direita e pelo patronato que nunca perderam a expectativa de recuperar as posições perdidas. A instabilidade do direito do trabalho e as sucessivas alterações têm a ver com este facto. Sempre que a correlação de forças se altera as leis laborais têm tendência para mudar: para melhor ou para pior, consoante a parte que fortalece.
No nosso país as coisas não se passam de forma diferente. Com o 25 de Abril e as conquistas democráticas os trabalhadores ganharem terreno na luta por melhores condições de vida e de trabalho. Mas estas conquistas foram, desde o primeiro dia, combatidas pela direita que nunca as aceitou e nunca perdeu a expectativa de as destruir e de voltar ao passado.
Vejamos: logo em 1976, com o Dec. Lei 781/86, a conhecida lei dos contratos a prazo, de Mário Soares, trazia o cunho da precariedade em nome da chamada flexibilização e da criação de empregos; a lei dos despedimentos e dos contratos a prazo de Cavaco Silva, publicada em 1989, seguia no mesmo sentido, precarizando vínculos e facilitando os despedimentos. E as alterações e ou tentativas de alteração das leis laborais continuaram quer nos governos do PSD, quer nos Governos do PS ao longo dos anos 90 do século passado. O argumento foi sempre o mesmo: a rigidez das leis laborais e a promessa de que com mais precariedade haveria mais emprego.
Foi na mesma linha de argumentação que surgiu o código do trabalho de 2003. Mais uma vez, agora pelo governo de Durão Barroso, a campanha de propaganda fazia passar a ideia de que a legislação de trabalho era muito rígida e que essa rigidez era a responsável pelo atraso económico do nosso país. Os trabalhadores foram apresentados como sendo os culpados da baixa produtividade e da pouca competitividade das empresas portuguesas.
O Código do Trabalho foi então apresentado como o remédio para todos os males e o ataque à contratação colectiva que foi apresentada como velha e desactualizada, mediante a sua caducidade. O objectivo era eliminar os direitos que elas continham, e ainda contêm.
A luta dos trabalhadores, em que se incluiu uma Greve Geral realizada pela CGTP-IN em 2002, impediu que o governo de então concretizasse todos os seus objectivos iniciais. As convenções colectivas, embora objecto de um grande ataque, acabaram por ser defendidas o suficiente para que, no essencial, se mantivessem em vigor com os direitos dos trabalhadores salvaguardados.
Substituído o Governo do PSD por um governo do PS – o governo Sócrates – a ofensiva continuou. Quase a seguir á tomada de posse, este governo – que fez por esquecer o discurso do PS antes das eleições - avançou com um conjunto de propostas que apelidou de urgentes visando, afinar o regime da arbitragem obrigatória. Em 2006 alterou o regime da contratação colectiva para tornar mais célere a caducidade das convenções a eliminação de direitos; e em 2009 desferiu um novo ataque com a apresentação de um Código do Trabalho que substituiu o anterior. Não para melhorar os direitos dos trabalhadores, mas para dar continuidade e para realizar os mesmos objectivos que o anterior governo do PSD havia perseguido: destruir a contratação mediante a sua caducidade, alargar e regular os horários de trabalho, criar os bancos de horas, facilitar os despedimentos. Tudo reivindicações patronais que o governo do PS satisfez cobrindo-as com um discurso com uma aparência de esquerda, enquanto concretizava a sua politica de direita.
As alterações feitas pelo actual Governo resumem-se em poucas palavras, porquanto se inserem na mesma lógica e sustentam-se no mesmo discurso dos governos anteriores do PSD ou do PS. O discurso foi sempre o mesmo, o resultado foi o reivindicado pelos patrões. A cobertura também foi sempre obtida em sede de Concertação Social, dada pelo seu instrumento que, apresentando-se como sindical, é, na verdade, todos o sabemos claramente patronal.
Quanto aos resultados na economia e no emprego estão à vista. A tão apregoada flexibilidade piorou tudo e foi geradora de mais injustiças e de mais desemprego. A competitividade – que tudo resolveria – é a que se vê.
Infelizmente, só o PCP e os sindicatos, nomeadamente a CGTP-IN, denunciaram e demonstraram que a baixa produtividade e competitividade das empresas residia, afinal, nas políticas de direita, desenvolvidas pelos sucessivos governos do PS e do PSD/CDS.
A vida (infelizmente para os trabalhadores e para os portugueses em geral) deu-lhes razão: aumentou o bloqueio da contratação colectiva, a precariedade e o desemprego surgem associadas sendo hoje claro que os desempregados são, na sua maioria, trabalhadores precários, os salários perderam poder compra e os portugueses vivem cada vez pior e têm de emigrar para arranjar emprego.
Só os ricos ficaram mais ricos. O prometido aumento da produtividade não aconteceu e a competitividade das empresas não melhorou. O tempo encarregou-se de mostrar que o processo do Código do Trabalho, afinal, tinha objectivos bem definidos, mas não eram aqueles que estavam a ser apresentados aos portugueses.
O unilateralismo patronal é hoje maior, com sobreposição dos contratos individuais aos contratos colectivos de forma ilegal e a consequente fragilização do direito do trabalho. O país ficou mais pobre. O tempo encarregou-se de confirmar que os direitos dos trabalhadores se fundem e identificam com o interesse nacional e que a desregulamentação neo-liberal, não respeitando os direitos das pessoas, é nociva ao desenvolvimento.
Finalmente. Procurei com a minha intervenção mostrar que a situação de retrocesso que estamos a viver não resulta de um qualquer fatalismo, que não é um fatalismo e que pode ser mudada e que essa mudança de rumo depende de nós e da nossa luta. Mas procurei mostrar também que o país tem futuro, que esse futuro está na luta dos trabalhadores e que é preciso, necessário e urgente romper com este ciclo o que passa por rompermos com esta política de direita.