Reforça a protecção dos animais utilizados em circos
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Exposição de Motivos
O quadro legal aplicável à protecção dos animais em Portugal tem vindo a manifestar-se insuficiente para garantir o bem-estar animal e uma adequada protecção dos animais selvagens e domésticos.
A Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, Lei de Protecção dos Animais, é um dos poucos instrumentos legais que regula a relação das pessoas com os animais, e tem-se mostrado claramente insuficiente para assegurar o bem-estar animal, num vasto conjunto de situações.
O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro - que estabelece as normas legais tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia -, pese embora contenha algumas normas que avançam na protecção de animais selvagens e de companhia, entronca no desinvestimento sucessivo dos vários Governos nos institutos públicos responsáveis pela aplicação desta legislação.
Por força do desinvestimento em meios técnicos e humanos nos serviços públicos, o facto é que não há responsabilização efectiva dos organismos competentes do Estado (Direcções de Serviços Veterinários Regionais, Direcção-Geral de Veterinária, Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade, PSP, Polícias Municipais e GNR) nem uma fiscalização eficiente do cumprimento deste diploma, situação agravada pelo PRACE, que acabou por determinar competências diferenciadas apostadas na privatização dos serviços públicos, "caindo" a protecção animal numa zona cinzenta.
Um Estudo do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE, encomendado pela Associação Animal e publicado em 2007, sobre «Valores e atitudes face à protecção dos animais em Portugal», com uma amostra de 1064 indivíduos com 18 ou mais anos, inquiridos telefonicamente, revela que 65,8% dos inquiridos responde que acha que a lei protege pouco os animais.
Quanto à necessidade de uma nova lei, 59,6% defende que é urgente e 28,9% muito urgente. Quanto à utilização de animais em circos, 36,6% concordam e 34,4% discordam.
A respeito da atribuição de mais autoridade às instituições públicas com competências para a protecção dos animais para combater os maus-tratos, a esmagadora maioria dos inquiridos declarou concordar e concordar totalmente com essa medida (90,2%, se juntarmos estas duas categorias).
Assim, relativamente à protecção animal, há um consenso generalizado na sociedade de que é necessária maior protecção e maior efectividade através da responsabilização do Estado, através dos institutos competentes.
A discussão em torno da utilização de animais em espectáculos circenses pode enquadrar-se na discussão mais genérica sobre protecção do bem-estar animal, na medida em que a observação da realidade rapidamente nos demonstrará que a lei em vigor não salvaguarda com eficácia devida o bem-estar dos animais nesse ambiente. A incapacidade de fazer cumprir uma legislação que controle efectivamente o uso de animais em circos aponta para a necessidade de caminhar no sentido de terminar com o uso de animais em actividades circenses, ainda que de forma gradual e sem imposições perante as comunidades que dependem ainda da utilização de animais em espectáculos de circo para a sua subsistência.
O que o PCP agora propõe é a criação de legislação que funcione como um estímulo positivo para a alteração dos espectáculos de circo tradicionais no sentido da diminuição significativa do uso de animais e do seu fim gradual, sem mecanismos de imposição ou obrigatoriedade, exceptuando as situações em que seja manifestamente impossível assegurar as condições de bem-estar animal específicas em causa, como é o caso dos grandes símios. Nesses casos, o PCP propõe a criação, não de um regime voluntário de entrega, mas de um regime compulsivo mediante compensação do proprietário.
O PCP propõe também a criação de um segundo grupo de espécies animais, sujeitas apenas a entrega voluntária mas também a um impedimento legal de proliferação, reprodução, compra ou venda, com vista a não permitir que haja renovação das populações de animais selvagens detidas ou utilizadas por circos.
Propõe ainda a efectiva responsabilização do Estado em matéria de protecção dos animais utilizados em circos, através da criação do Cadastro Nacional de Animais de Circo e da dotação dos meios técnicos e humanos das entidades competentes nesta matéria para garantir ainda a recolha e tratamento dos animais, assim como garantir o respeito pelas suas características e necessidades biológicas e etológicas.
A principal intenção do presente Projecto de Lei é criar as condições para que as companhias circenses optem voluntariamente por uma transição gradual, assim passando a investir os seus meios com o apoio do Estado na busca de novas artes do espectáculo circense e de reconversão profissional dos seus artistas, quando possível e quando seja essa a sua opção, abandonando o uso de animais nos seus espectáculos.
O PCP não entende que seja possível intervir de outra forma para diminuir a utilização de animais em circos, sem prejudicar os direitos daqueles que até hoje têm levado a cabo actividades circenses com uso de animais. Esta orientação a que de alguma forma podemos chamar "pedagógica" contribui, pois, para uma diminuição obrigatória do recurso a animais em espectáculos e para o fim da utilização de algumas espécies particularmente vulneráveis a este tipo de cativeiro, sem que as companhias de circo sejam colocadas num cenário de ausência de escolha e de resposta. Simultaneamente, com esta proposta, o PCP sugere um novo caminho para o circo português que certamente levará a um aumento da procura do circo sem animais, sem que ela aconteça de forma forçada, mas sim natural e gradual e com o mais absoluto respeito quer pela actividade circense quer pelo bem-estar animal.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Objecto e âmbito
A presente lei reforça a protecção dos animais selvagens e animais de companhia, nomeadamente quanto à sua detenção e utilização em e por circos.
Artigo 2º
Cadastro Nacional de Animais de Circo
1 - Os responsáveis pela utilização de animais selvagens e domésticos em circos são obrigados a identificar electronicamente os animais e a manter um registo, devidamente documentado, dos animais detidos e utilizados, contendo:
a) A identificação do detentor do animal, designadamente nome e morada;
b) A identificação dos animais, nomeadamente o número de identificação, se aplicável, nome, espécie, raça, idade e quaisquer sinais particulares, sempre que aplicável;
c) O número de animais por espécie;
d) O movimento mensal, nomeadamente registos relativos à origem e às datas das entradas, nascimentos, mortes e, ainda, datas de saída e destino dos animais.
2 - Cabe à Direcção-Geral de Veterinária criar o Cadastro Nacional de Animais de Circo, que coligirá os dados referidos no número anterior, com actualização trimestral, que será publicado por portaria do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, no prazo de 6 meses após a publicação da presente lei, assim como proceder à identificação electrónica dos animais selvagens e domésticos detidos e utilizados em circos.
3 - Quanto aos animais de espécies cuja detenção esteja sob a tutela e supervisão do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, cabe a este organismo colaborar com a Direcção Geral de Veterinária no sentido de identificar e cadastrar os animais destas espécies detidos e usados em circos.
4 - É proibida a reprodução ou criação de quaisquer animais selvagens, registados no Cadastro Nacional de Animais de Circo.
5 - É igualmente proibida a entrada no território nacional, por compra, cedência ou troca directa de quaisquer animais selvagens para utilização em circos, incluindo os resultantes dos cruzamentos daqueles animais entre si ou com outros.
6 - Excepcionam-se do disposto no n.º 4 os animais selvagens que se destinem ao acolhimento em parques zoológicos ou noutras estruturas, como centros de resgate e acolhimento de animais, relativamente aos quais haja interesse de conservação e potencial de reprodução que seja importante para fins de conservação de espécies, podendo a reprodução destes apenas dar-se neste caso e só quando os animais estiverem já alojados nos parques zoológicos ou em centros de resgate e acolhimento de animais.
7 - Sem prejuízo dos números anteriores, o Governo poderá determinar a proibição de criação, reprodução e aquisição de outras espécies animais, ainda que domésticas, em função das características biológicas e dos requisitos ecológicos e etológicos das espécies.
8 - Para cumprimento do disposto no n.º 4, os detentores dos animais dispõem de um prazo máximo de quatro meses a contar da publicação do Cadastro Nacional de Animais de Circo para proceder à esterilização cirúrgica imediata dos animais abrangidos pelo presente diploma.
9 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os animais que, por serem ainda demasiadamente jovens ou por terem uma qualquer condição de saúde que desaconselhe a esterilização dos animais, não possam ser esterilizados no prazo referido, caso em que deverão ser esterilizados logo que tenham maturidade fisiológica suficiente para tal ou quando se voltem a encontrar em bom estado de saúde, excepto no caso dos animais que não possam ser esterilizados, por razões de saúde, a título permanente, caso em que se mantém a proibição da reprodução destes.
Artigo 3º
Programa de entrega voluntária de animais
1 - A Direcção-Geral de Veterinária, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, criará um Programa Nacional de Entrega Voluntária de Animais utilizados em circos.
2 - O Estado indemnizará, em termos a regulamentar, os circos ou artistas proprietários de animais que procedam à sua entrega voluntária, responsabilizando-se o Estado pela recolocação destes animais em centros de acolhimento adequados, dentro ou fora do país, que garantam o seu bem-estar de acordo com as características e necessidades biológicas e etológicas dos animais em causa.
3 - Os proprietários ou detentores de animais que optem pela entrega voluntária dos mesmos, ficam impedidos de adquirir novos animais da raça ou espécie entregue, para utilização em circos.
Artigo 4º
Entrega obrigatória de animais
1 - Os circos detentores de grandes símios, nomeadamente de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos, procederão obrigatoriamente à sua entrega, no prazo máximo de 6 meses desde a publicação da presente lei, à Direcção-Geral de Veterinária, que os receberá em articulação com o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade.
2 - O Estado indemnizará, em termos a regulamentar, os proprietários dos animais referidos no número anterior, responsabilizando-se pela recolocação destes animais em centros de acolhimento adequados, dentro ou fora do país, que garantam o seu bem-estar de acordo com as características e necessidades biológicas e etológicas dos animais em causa.
Artigo 5º
Apoio à reconversão profissional
1 - O Estado criará uma linha de incentivos financeiros à reconversão das companhias de circo que voluntariamente entreguem animais que detenham e utilizem, em termos a regulamentar, no prazo de 120 dias após a publicação da presente lei.
2 - O Estado criará, conjuntamente com o Instituto de Emprego e Formação Profissional, incentivos e apoios financeiros à reconversão e qualificação profissional, bem como acções de formação profissional adequadas destinas aos trabalhadores dos circos que voluntariamente entreguem os animais nos termos do número anterior.
Artigo 6º
Campanhas de sensibilização
O Estado promoverá campanhas de sensibilização junto dos circos para o cumprimento das normas de protecção dos animais estabelecidas na presente lei e na demais legislação aplicável.
Artigo 7º
Autoridades competentes e meios técnicos e humanos
1 - Compete, em especial, à Direcção Geral de Veterinária (DGV) e ao Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), assim como às câmaras municipais, designadamente aos médicos veterinários municipais e à polícia municipal, à GNR e à PSP assegurar a fiscalização do cumprimento das normas constantes na presente lei, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades e sem prejuízo das competências especiais que o presente diploma atribui à DGV e ao ICNB.
2 - O Estado dotará as autoridades competentes acima referidas, e em especial a DGV e o ICNB, com os meios necessários para a aplicação e fiscalização do cumprimento da presente lei, assim como da legislação de protecção dos animais em vigor, nomeadamente a estabelecida no Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, com redacção actualizada pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro.
Artigo 8º
Regime contra-ordenacional
O Governo estabelecerá o regime contra-ordenacional relativo ao incumprimento das disposições da presente lei no prazo de 30 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, em 30 de Abril de 2009