Projecto de Resolução N.º 209/XV/1.ª

Propõe medidas de emergência para combater o aumento do custo de vida e o agravamento das injustiças e desigualdades

Exposição de motivos

A atual situação do País está marcada pela acelerada degradação das condições de vida com o aumento dos preços e a perda de poder de compra a pesarem cada vez mais e os salários e as pensões a darem para cada vez menos, ao mesmo tempo que os grupos económicos acumulam milhares de milhões de euros de lucros.

Avolumam-se os problemas decorrentes de décadas de política de direita, com destaque para a exploração, a precariedade, as desigualdades e injustiças sociais, a dependência externa. Agravam-se as dificuldades no acesso aos serviços públicos, degrada-se o seu funcionamento e é posta em causa a sua capacidade e qualidade de resposta, com destaque para a difícil situação do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública.

São os trabalhadores e o povo que estão a pagar a política das sanções com a deterioração das suas condições de vida e os grupos económicos aproveitam-se agora das sanções e da guerra como antes se aproveitaram da epidemia para acumularem milhares de milhões de euros de lucros, agravando a exploração e promovendo a especulação e o aumento dos preços.

A inflação atinge níveis elevadíssimos. De acordo com o INE, a inflação homóloga (variação em relação ao mesmo mês do ano anterior) atingiu no mês de agosto os 9,0% e a inflação acumulada desde o início do ano é já de 6,9%.

Os preços de bens alimentares não param de aumentar. Nos últimos seis meses, de acordo com os dados da Deco, o peixe aumentou 19,10%, a carne aumentou 17,14%, os produtos de mercearia aumentaram 12,43%, as frutas e os legumes aumentaram 10,16%, os lacticínios aumentaram 8,90% e os congelados aumentaram 3,44%. Os dez alimentos que mais aumentaram o preço nos últimos seis meses são reveladores do impacto destes aumentos no dia-a-dia das famílias: a pescada fresca aumentou 81%, os brócolos aumentaram 30%, o frango inteiro aumentou 29%, a couve-coração aumentou 28%, a farinha para bolos aumentou 27%, o bife de peru aumentou 26%, as costeletas de porco aumentaram 23%, a bolacha Maria aumentou 23% e o robalo aumentou 22%.

A realidade é idêntica no que diz respeito à energia e aos combustíveis. Os combustíveis têm vindo a aumentar desde o ano passado, atingindo valores altamente especulativos. No que toca à eletricidade e ao gás, as grandes empresas energéticas anunciaram recentemente novos aumentos, quando em Portugal os custos com a energia são já dos mais elevados na Europa.

Porém, os salários e as pensões não aumentaram na mesma proporção. Há muito que os salários e as reformas já foram absorvidos pelo aumento do custo de vida. Quem recebe o Salário Mínimo já teve um corte de 50 euros no seu salário e hoje tem um poder de compra inferior ao que tinha em janeiro. Todos os dias os trabalhadores perdem poder de compra, o que na prática significa um corte nos salários e nas reformas

Os trabalhadores e reformados com salários e reformas mais baixos, que são quase integralmente gastos no consumo de bens e serviços essenciais, são quem mais sofre com o aumento dos preços, mas também os micro, pequenos e médios empresários, agricultores e pescadores são duramente atingidos com os custos crescentes que têm de suportar para manter a sua atividade.

Ao mesmo tempo que os trabalhadores e o povo enfrentam os aumentos dos preços, a perda de poder de compra e a degradação das suas condições de vida, os 13 maiores grupos económicos apropriaram-se, só no primeiro semestre do ano, de 2 mil e 300 milhões de euros de lucros.

Este é o retrato das injustiças e desigualdades que se vivem na situação atual - uma minoria de detentores do poder económico a acumular muitos milhões de lucros, enquanto a imensa maioria dos trabalhadores e do povo está a pagar esses lucros com a exploração, o aumento do custo de vida e o empobrecimento.

Perante esta realidade o Governo insiste em travar o aumento dos salários e das pensões, tomando o lado dos grupos económicos, sendo cúmplice dos seus objetivos. Insiste em não enfrenta os interesses dos grupos económicos e em não impedir os aumentos nos custos da energia que pretendem concretizar, dando os aumentos como adquiridos.

O Governo e o PS são coniventes e cúmplices, conjuntamente com o PSD, IL, Chega e CDS, com os objetivos e a atuação dos grupos económicos, seja na garantia das condições que permitem o aumento dos preços, seja na oposição ao aumento de salários e pensões e na recusa da taxação dos lucros.

Os grupos económicos só aumentam os preços a seu bel-prazer porque o Governo PS o permite, designadamente quando se junta aos partidos da direita para rejeitar as medidas de controlo e fixação de preços propostas pelo PCP mas também quando alimenta a falsa solução do combate aos aumentos dos preços por via da redução dos impostos.

É verdade que, também em matéria de impostos, é preciso mais justiça, aliviando a tributação sobre os salários, as pensões, as MPME e tributando de forma efetiva o capital, os lucros e dividendos, as grandes fortunas.

Mas a tentativa de explicação do aumento dos preços com o volume de impostos tem como objetivo ocultar a origem dos lucros e manter os grupos económicos de mãos livres para continuarem a aumentar os preços como entenderem, como é exemplo o preço dos combustíveis. Durante mais de um ano os impostos não sofreram qualquer alteração, mas o preço dos combustíveis não parou de aumentar. A margem de refinação da Galp subiu de 6 dólares e 90 para 22 dólares e 30 por barril no segundo trimestre do ano.

A acelerada degradação da situação económica e social e o avolumar das dramáticas consequências destas opções tornam a situação insustentável e confirmam a necessidade de adoção de medidas urgentes, como propõe o PCP.

As medidas temporárias e transitórias avançadas pelo Governo revelam-se insuficientes e limitadas, como se o agravamento das condições de vida que se faz sentir se resolvesse em meia dúzia de meses. São medidas limitadas porque não vão às causas dos problemas, mais não sendo do que meros paliativos e no caso das pensões representam mesmo um prejuízo para os pensionistas.

É por isso cada vez mais evidente a necessidade de avançar com medidas imediatas que, articuladas entre si, permitam quatro objetivos essenciais: assegurar a valorização do poder de compra dos trabalhadores e reformados, combater o aumento dos preços, garantir o cumprimento dos direitos sociais e garantir uma mais justa distribuição da riqueza.

É esse o sentido em que o PCP propõe um conjunto de medidas de emergência para concretizar ainda em 2022, com efeitos já em setembro.

Com o objetivo de valorização do poder de compra dos trabalhadores e reformados propomos:

  • O aumento geral dos salários que permita a recuperação e valorização do poder de compra, contrariando o efeito da inflação na degradação das condições de vida;
  • O aumento das pensões de acordo com os mesmos critérios e objetivos;
  • O aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional para 800 euros;
  • E o reforço das prestações sociais.

Com o objetivo de travar o aumento dos preços propomos:

  • O tabelamento ou fixação de preços máximos de bens essenciais, designadamente energia, combustíveis e bens alimentares, incluindo a possibilidade de fixação de preços abaixo daqueles que são hoje praticados, fazendo reverter os aumentos verificados;
  • O controlo de preços sobre os produtos do cabaz alimentar essencial, articulando com os necessários apoios à produção e a garantia do pagamento do valor justo aos produtores.

Com o objetivo de garantir o cumprimento dos direitos sociais, em particular nas áreas da habitação, da saúde e da educação propomos:

  • A fixação de um teto máximo para a atualização das rendas em 2023 que não seja superior ao definido para este ano, bem como o congelamento das rendas do regime da renda apoiada;
  • A fixação de um spread máximo a praticar pela Caixa Geral de Depósitos para conter o aumento dos encargos suportados pelas famílias com o crédito à habitação;
  • A aprovação de um regime de suspensão da execução de hipotecas e dos despejos;
  • A contratação de profissionais de saúde e valorização das suas carreiras e condições profissionais;
  • A contratação e a valorização das carreiras dos trabalhadores da área da educação.

Para uma mais justa distribuição da riqueza, propomos:

  • A tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos, de forma que uma parte substancial dos milhares de milhões de euros de lucros acumulados desde o início do ano possam reverter para o investimento nos serviços públicos;
  • O apoio à produção nacional.

As medidas de emergência que o PCP propõe são fundamentais para travar as opções da política de direita que estão a afundar o País e as condições de vida dos portugueses, para enfrentar com coragem os grandes interesses, para atacar as injustiças e desigualdades sociais e para defender um caminho soberano de desenvolvimento nacional.

A concretização destas medidas de emergência deve ser considerada tendo presente a necessidade de uma resposta de fundo aos problemas nacionais a partir de uma política alternativa patriótica e de esquerda.

É na liberalização dos mercados que está o problema de fundo das regras que permitem os aumentos dos preços com que os grupos económicos multiplicam os seus lucros.

É na privatização de empresas e sectores estratégicos da nossa economia que está a origem de uma grande parte das dificuldades em intervir de forma eficaz para contrariar essas formas de apropriação da riqueza nacional pelo grande capital.

É na exploração dos trabalhadores e do povo, na recusa de aumentos de salários e pensões que está a origem de uma parte significativa do aumento do custo de vida, do empobrecimento, da injusta repartição da riqueza, das desigualdades e injustiças sociais.

É na destruição do nosso aparelho produtivo que está a origem do endividamento e da dependência externa do País e das suas vulnerabilidades face a evoluções de sentido negativo da situação internacional. É na degradação, destruição e privatização dos serviços públicos que está a origem da destruição dos direitos sociais e da negação do seu carácter universal.

Portugal precisa de uma política alternativa que dê resposta a todos esses problemas e que, além disso, garanta o acesso à habitação, salve o SNS da degradação a que está a ser sujeito, garanta à Escola Pública as condições para cumprir a sua missão de emancipação e igualdade social, assegure os direitos das crianças e dos pais, defenda o País e as populações do flagelo dos incêndios que ciclicamente se repetem, assegure a soberania alimentar e a defesa da produção nacional, entre tantos outros objetivos que correspondem a cada um dos problemas que atingem os trabalhadores, o povo e o País.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo a concretização de medidas de emergência para combater o aumento do custo de vida e o agravamento das injustiças e desigualdades, visando quatro objetivos essenciais, articulados entre si, nos seguintes termos:

Valorizar o poder de compra dos trabalhadores e reformados, concretizando:

  1. O aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional para 800 euros, com vista ao aumento para 850 euros em janeiro de 2023;
  2. O aumento geral de salários e pensões num valor correspondente ao da taxa de inflação acumulada até Agosto (6,9%), com efeitos a partir de setembro, contrariando a degradação das condições de vida;
  3. O reforço das prestações sociais, com um aumento intercalar correspondente ao da taxa de inflação acumulada até Agosto (6,9%);
  4. A alteração dos escalões do IRS, das tabelas de retenção na fonte e de outros mecanismos fiscais de forma a impedir que o aumento dos salários, pensões e apoios sociais seja anulado pelas regras da tributação dos rendimentos;

Combater o aumento dos preços, concretizando:

  1. O tabelamento ou fixação de preços máximos de bens essenciais, incluindo a possibilidade de fixação de preços abaixo daqueles que são hoje praticados, revertendo os aumentos verificados, designadamente:
    1. Na energia, com a adoção de medidas legislativas e regulamentares destinadas a:
      1. Fixar preços máximos a praticar na venda de eletricidade e gás a clientes finais do mercado residencial e Micro, Pequenas e Médias Empresas;
      2. Tornar definitivas as tarifas reguladas na eletricidade e criar condições idênticas para o gás;
      3. Estabelecer e facilitar o acesso ao regime contratual da tarifa regulada por via da transição de contratos do mercado liberalizado ou da celebração de novos contratos;
      4. Eliminar os fatores de agravamento artificial da tarifa regulada;
      5. Aplicar universalmente a taxa de 6% de IVA à eletricidade e gás;
    2. Nos combustíveis, com a adoção de medidas legislativas e regulamentares destinadas a:
      1. Fixar preços máximos dos combustíveis simples, do gás natural e do GPL de botija e canalizado bem como de valores máximos para as margens brutas de refinação e restantes componentes comerciais;
      2. Criar um regime especial de apoio ao preço do gasóleo colorido e marcado e da gasolina, utilizados na agricultura e na pesca, abrangendo agricultores e produtores pecuários, cooperativas agrícolas e organizações de produtores, representativos da pequena e média agricultura e agricultura familiar, aquicultores e profissionais da pesca artesanal e costeira, atribuindo um apoio aos custos com combustíveis determinado pela diferença entre o custo relativo ao consumo realizado e o custo estimado com base no preço médio do gasóleo colorido e marcado nos últimos cinco anos, até ao limite de 10 000 litros;
      3. Eliminar a dupla tributação sobre os combustíveis resultante da aplicação das regras de tributação relativas ao IVA e ao ISP, bem como a reduzir a tributação dos combustíveis em sede de ISP;
    3. Nos bens alimentares, com a adoção de medidas legislativas e regulamentares destinadas a:
      1. Reduzir os preços dos bens alimentares na grande distribuição, abrangendo produtos do cabaz alimentar essencial, definido a partir dos bens alimentares identificados na Lista I anexa ao Código do IVA, por via do controlo das margens dos grandes operadores do sector da distribuição alimentar e logística, excluindo entidades que desenvolvem essas atividades mas cuja área de venda seja inferior a 500 m2, cuja faturação seja inferior a 1 milhão de euros ou que sejam classificadas como cooperativas de consumidores, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 4.º do Código Cooperativo;
      2. Subsidiar os custos dos fatores de produção e garantir o pagamento de preços justos aos produtores, assegurando a articulação daquelas medidas de redução dos preços com os necessários apoios à produção nacional;

Garantir o cumprimento dos direitos sociais, concretizando:

Na área da habitação, medidas destinadas a assegurar:

  1. A fixação de um teto máximo para a atualização das rendas correspondente ao valor verificado em 2022 - 0,43%;
  2. O congelamento das rendas no regime da renda apoiada;
  3. A fixação de um spread máximo a praticar pela Caixa Geral de Depósitos como instrumento de contenção do aumento dos encargos suportados pelas famílias com o crédito à habitação;
  4. A determinação da suspensão da execução de hipotecas e dos despejos.

Na área da saúde, medidas de contratação e valorização dos profissionais de saúde, incluindo:

  1. O início imediato de um processo negocial que defina um regime de carreiras justas e valorizadas salarialmente;
  2. A implementação de um regime de dedicação exclusiva;
  3. A abertura das vagas necessárias para a integração na formação da especialidade dos mais de 1500 internos que concluíram o ano comum e se encontram na situação de médicos indiferenciados;
  4. O alargamento da atribuição de incentivos para a fixação de profissionais de saúde em áreas com carência em cuidados de saúde;
  5. O investimento nas instalações e equipamentos necessários à modernização tecnológica do SNS e à qualidade da prestação dos cuidados de saúde;

Na área da educação, medidas de contratação e valorização das carreiras, incluindo:

  1. A vinculação extraordinária de professores, em condições que assegurem, prioritariamente e com efeitos a 1 de setembro, a vinculação de quem tenha 10 ou mais anos de serviço, independentemente do grupo de recrutamento;
  2. A criação de apoios à deslocação e à habitação de professores deslocados;
  3. A criação de mecanismos que permitam o regresso à docência de professores que tenham exercido essas funções na condição de contratados e tenham entretanto optado por outras atividades profissionais;

Garantir uma mais justa distribuição da riqueza, concretizando:

  1. A tributação extraordinária dos lucros dos grupos económicos, de forma a que uma parte substancial dos milhares de milhões de euros de lucros acumulados desde o início do ano possam reverter para o investimento nos serviços públicos, o apoio à produção nacional e o reforço das políticas sociais, definindo critérios de tributação e mecanismos de retenção na fonte que permitam a obtenção de receita fiscal ainda em 2022.
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