Proposta de alteração

Programa Plurianual para a Soberania Alimentar Nacional

Proposta de Aditamento

TÍTULO IX

Disposições complementares, finais e transitórias

CAPÍTULO I

Políticas setoriais Artigo 113.º-A (NOVO)

Programa Plurianual para a Soberania Alimentar Nacional 1 - É criado o Programa Plurianual Para a Soberania Alimentar Nacional, integrando as medidas e projetos necessários para dotar o país de capacidade de aprovisionamento e de acesso a bens alimentares e combater desequilíbrios acentuados na balança alimentar nacional.

2 - O Programa Plurianual Para a Soberania Alimentar Nacional integra a caracterização da capacidade produtiva nacional e a identificação das necessidades de aprovisionamento, incluindo a elaboração de uma carta de aptidão agrícola para a produção de diferentes culturas, em especial as culturas cerealíferas, do inventário de agricultores, produtores agropecuários, e unidades industriais do sector alimentar existentes em cada sub-região e da investigação e medidas com vista à recuperação e utilização de variedades de sementes tradicionais autóctones.

3 - No âmbito do Programa Plurianual Para a Soberania Alimentar Nacional, e envolvendo as estruturas existentes no âmbito do Ministério da Agricultura e Pescas, é 2 criada uma rede nacional de produção de sementes com a participação do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), em associação com as organizações de produtores, e assegurando o cumprimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 17.º a 23.º do Decreto-Lei n.º 42/2017, de 6 de abril, que regula o regime geral do Catálogo Nacional de Variedades de Espécies Agrícolas e de Espécies Hortícolas e a produção, o controlo, a certificação e a comercialização de sementes de espécies agrícolas e de espécies hortícolas, com exceção das utilizadas para fins ornamentais.

4 -É criada uma reserva pública nacional de sementes, sob responsabilidade da Direção- Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), capaz de, em situações de contingência do mercado de sementes, permitir aos agricultores o acesso a este material para garantia das sementeiras.

5 - Para a realização dos estudos de caracterização da capacidade produtiva nacional, da identificação das necessidades de aprovisionamento e criação da rede pública nacional de sementes, são transferidas verbas do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) para a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), no montante de € 800 000,00.

6 -No âmbito do Programa Plurianual Para a Soberania Alimentar Nacional,é criado um Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional de Bens Alimentares, visando dotar o país de capacidade de aprovisionamento e de acesso a bens alimentares e combater desequilíbrios acentuados na balança alimentar nacional.

7 - É abrangida pelo Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional a produção de bens alimentares essenciais considerados prioritários em termos de combate ao desequilíbrio da balança alimentar nacional, designadamente cereais, com particular destaque para o trigo, leguminosas, batata, produtos transformados de leite, em especial iogurtes e queijo, carne de bovino e óleos vegetais, em especial de girassol.

8 - O Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional inclui medidas dedicadasaos pequenos e médios agricultores e produtores pecuários, designadamente: 3 a) Simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas do PEPAC;

b) Ajudas à produção e acesso de agricultores, cooperativas agrícolas e pequenos comerciantes de bens agroalimentares a linhas de crédito bonificadas e a longo prazo (15 anos) destinadas ao investimento na produção nacional;

c) Apoio para a manutenção, reparação e renovação de equipamentos e máquinas agrícolas, de prestação de serviços veterinários, de formação profissional específica e de ajuda técnica à atividade agrícola;

d) Apoio ao investimento para a construção e/ou recuperação de regadios tradicionais e regadios de pequena e média dimensão, visando incrementar a produção agrícola diversificada;

e) Apoio específico dedicado à produção de espécies e raças autóctones em regime extensivo e ao seu escoamento a preços justos à produção;

f) Apoio à concretização de projetos que prevejam a possibilidade tratamento de efluentes agrícolas e pecuários que permitam a reutilização dos efluentes tratados, nomeadamente para rega e para lavagem de infraestruturas;

g) Apoio à criação de pequenas barragens e charcas e reforço de redes de depósitos de distribuição de água para abeberamento animal;

h) Incentivo dedicado ao estabelecimento de unidades de transformação de leite, designadamente para a produção em território nacional de produtos lácteos acidificados e queijo.

9 - O Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional é financiado por uma dotação orçamental nacional de € 20 000 000,00, a que acrescem fundos comunitários, procedendo o Ministério da Agricultura e Pescas à devida orçamentação e calendarização.

10 - O Governo regulamenta, durante o primeiro trimestre de 2026, o acesso, o mecanismo de atribuição, os prazos e a utilização da dotação orçamental relativos aos apoios e medidas constantes do Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional. 4 11 - O Governo cria, sob a tutela conjunta do Ministério da Agricultura e Mar e do Ministério da Economia e da Coesão Territorial, no prazo de 9 meses, a partir da estrutura da Silotagus,S.A – , uma empresa pública de receção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de matérias-primas alimentares e produtos conexo aprovisionamento de cereais e outros alimentos.

12 - A empresa a criar, referida no número anterior, tem como missões:

a) Assegurar operações de importação e exportação de cereais a partir dos terminais da Trafaria, Beato e Vale de Figueira, cuja concessão será prorrogada por mais trinta anos sem prejuízo de outros a criar;

b) Garantir a manutenção de um stockde cereais que garanta um aprovisionamento nacional, à disposição do Estado português, de pelo menos trinta dias;

c) Assegurar a retirada de produções agrícolas a preços justos e a sua colocação no mercado.

13 - O Governo, através do Ministério da Agricultura e Mar, disponibiliza à empresa referida no nº 11, os meios materiais para a prossecução das suas missões, designadamente os silos de armazenamento de cereais que ainda se encontrem na posse do Estado.

Assembleia da República, 5 de novembro de 2025


Nota justificativa:

A falta de estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e agropecuárias e para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais assume, no atual quadro de crise, cada vez maior relevância, deixando os cidadãos mais vulneráveis. 5 O défice na produção nacional de bens alimentares, fruto das maiores dificuldades que são sentidas pelos produtores nacionais resultantes do brutal aumento dos custos dos fatores de produção, torna-se também visível na redução da superfície cultivada de cereais, de batata e de hortícolas.

A falta de capacidade interna em supriras necessidades de bens alimentares deixa o país sem mecanismos eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos, diminuindo de forma acentuada os rendimentos das famílias.

A estatística mostra ainda reduções significativas de áreas cultivadas em produções fundamentais para a soberania e a segurança alimentar, entre 2019 e 2023, como, por exemplo:

xCereais para grão – em mais de 4 000 hectares;

xBatata – em 3 500 hectares;

xPrincipais frutos frescos (ameixa, maçã e pera) – em 1 000 hectares;

xCastanha – em 1 000 hectares.

O que implicou uma redução da produção de:

x183 mil toneladas das principais frutas frescas;

x60 mil toneladas de citrinos;

x125 mil toneladas de trigo, centeio, aveia e cevada;

x20 mil toneladas de castanha.

Em sentido contrário, assiste-se ao aumento das áreas cultivadas com culturas como:

xHortícolas: 5 000 hectares, com predomínio do tomate para conserva (+2 450 hectares) e abóbora (+ 900 hectares), em contraste com a maior redução na área de grelos (- 917 hectares);

xAbacate: 3 502 hectares; 6 xOlival: 3 600 hectares;

xAmendoal: 22 300 hectares.

Assim, produziram-se + 32 mil toneladas de abacate, +20 mil toneladas de amêndoa e +259 mil toneladas de azeitona para azeite.

Um país que não assume como prioridade a produção primária para assegurar, em níveis razoáveis, a satisfação da necessidade imediata de alimentar as populações, é um país em que está posta em causa a sua soberania.

A situação atual da produção agroalimentar nacional requer a adoção de medidas urgentes que invertam a dependência externa, impondo-se o investimento em conhecimento e promoção de espécies autóctones, adaptadas às condições do País, aos desafios das alterações climáticas e da produção sustentável e às suas necessidades alimentares.

Importa preservar o uso dos solos mais produtivos para a prática agrícola e assim melhorar os níveis de autoaprovisionamento de alimentos.

No caso particular dos cereais, não se pode deixar de referir que, com o desmantelamento da EPAC e com as dificuldades criadas à produção e armazenamento dos cereais, perderam-se sementes e conhecimento, instalando-se a descrença nesta produção, ocupando-se as terras com outras culturas, em especial monoculturas, com os perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agroquímicos e vulnerabilidade a pragas que os modos agrícolas superintensivos acarretam.

Na verdade, não há hoje em Portugal nenhum stockde cereais que assegure o fornecimento do mercado português em caso de qualquer crise de abastecimento mundial, como aquelas a que temos vindo a assistir. Na verdade, dizer que há 15 dias de stockem Portugal não é rigoroso, uma vez que o essencial dos cereais é propriedade privada, uma boa parte dos quais fundos anónimos que, em qualquer situação, poderão querer resgatá-los, pois o cereal está apenas à guarda designadamente da Silotagus, S.A. 7 Com este enquadramento, e com vista a responder aos desafios colocados ao país em termos de salvaguarda da soberania alimentar, o PCP apresenta a proposta de elaboração de um Programa Plurianual para a Soberania Alimentar Nacional e a realização dos estudos e inventários necessários para caracterização do potencial produtivo nacional, o reforço dos orçamentos da DGADR e do INIAV para a sua realização, a criação de um Regime Específico de Apoio e Incentivo à Produção Nacional, e a criação de uma empresa pública para garantir o aprovisionamento de cereais e outros alimentos.

  • Assembleia da República