Projecto de Lei N.º 524/XV/1.ª

Programa nacional de avaliação e controlo da utilização superintensiva do solo agrícola e atlas de utilização intensiva do solo

Exposição de motivos

O Sistema Agrícola em Portugal tem sofrido um conjunto acentuado de alterações, das quais se destacam, pela sua relevância, a alteração do regime de produção, a alteração cultural aumentando as áreas de produção contínua intensiva e superintensiva de culturas permanentes, de que são exemplo o olival, o amendoal e outros frutos secos, ou, mais recentemente, o abacate, , o aumento de áreas de estufas, e a concentração da propriedade com o aumento da área média das explorações agrícolas.

O modo de produção agrícola superintensivo assenta numa sobreexploração da terra, com plantações em compassos reduzidos, impondo uma elevada densidade de ocupação do solo, a que se associam consumos de água superiores aos tradicionais, a utilização massiva de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas - e uma durabilidade das plantações que raramente ultrapassa os 20 anos.

Este modo de produção tem vindo a ser implantado de forma acentuada no território português, com particular destaque para a região do Alentejo onde se concentram, segundo os dados para 2021, 201474 hectares de olival, muitos em regime superintensivo.

Esta realidade é particularmente sentida na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) com o crescimento das áreas reservadas às monoculturas de olival, vinha e amendoal, verificando-se nos resultados publicados pela EDIA da campanha de 2021 a grande importância das culturas permanentes, que ocupam cerca de 84% da área regada num total de 95 680 hectares, dos quais 70 233 hectares correspondem a olival e 19.466 hectares a amendoal.

A análise dos dados de recenseamento agrícola mostra que, para o aumento de 8 % da superfície agrícola utilizada entre 2009 e 2019, se registou um aumento de 17 % da área irrigável e de 74 % da área utilizada para culturas permanentes.

A intensificação das monoculturas permanentes e das espécies exóticas em extensas áreas contínuas constitui, por si só, um risco elevado das plantações à exposição a agentes bióticos nocivos, requerendo uma atenção redobrada e a intensificação da utilização de pesticidas para controlo das pragas, com os efeitos perniciosos que se podem antever.

Os grandes investimentos hidroagrícolas do país têm promovido o aumento da produção de bens e de riqueza, mas paralelamente tem estimulado a concentração da propriedade, quantas vezes em mãos estrangeiras, e não promoveram o povoamento, não reduziram o desemprego, favorecendo antes a proliferação da precariedade laboral, os baixos salários e a degradação das condições de vida e de habitabilidade dos trabalhadores que se concentram em redor destas grandes explorações.

Para que o sistema agrícola nacional possa responder às necessidades que se colocam em matéria de soberania alimentar é necessário proteger os solos, os recursos hídricos e as populações. E é necessário produzir os alimentos que nos fazem falta e combater o grave desequilíbrio da balança alimentar.

Para garantir a produção no futuro é preciso assegurar que os métodos utilizados e que os modos de produção não exaurem os solos, não esgotam os recursos hídricos, designadamente os recursos subterrâneos, e que contribuem para a qualidade de vida das populações rurais.

A multiplicidade de notícias sobre a temática da agricultura superintensiva e as suas repercussões são prova da necessidade de se dar outra atenção a este assunto, de se avaliar a dimensão concreta deste problema, de controlar a sua instalação e de avaliar as suas repercussões sobre as culturas tradicionais.

Conhecer a realidade atual em matéria de ocupação agrícola intensiva do solo, as suas implicações para as comunidades e ambiente, controlar e monitorizar os seus efeitos e estabelecer medidas que acautelem recursos e populações, é fundamental para que a produção agrícola responda aos desafios que se colocam, assegurando ainda a discriminação positiva aos pequenos e médios agricultores, nomeadamente aos que beneficiam do Estatuto da Agricultura Familiar.

Neste contexto o PCP propõe a elaboração de um Programa Nacional de Avaliação e Controlo da Utilização Superintensiva do solo agrícola cujos elementos se sistematizem no Atlas de Utilização Intensiva do Solo que traduza a realidade geográfica e as medidas de controlo a considerar sobre esta matéria.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei estabelece os procedimentos para a elaboração, publicação e monitorização do Programa Nacional de Avaliação e Controlo da Utilização Agrícola Superintensiva do Solo e do Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente Lei, entende-se por:

  1. Exploração agrícola em regime intensivo - a que respeite à ocupação agrícola por culturas permanentes ou à utilização de estruturas cobertas, fazendo uso intensivo de fatores de produção, incorporando designadamente elevados níveis de utilização de fitofármacos, bem como recurso à rega/fertirrigação e/ou em que são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural entre 300 árvores/hectare e 600 árvores/hectare;
  2. Exploração agrícola em regime superintensivo - a que respeite à ocupação agrícola por culturas permanentes ou à utilização de estruturas cobertas, fazendo uso intensivo de fatores de produção, incorporando designadamente elevados níveis de utilização de fitofármacos, bem como recurso à rega/fertirrigação com elevados consumos de água, e/ou em que são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural superior a 600 árvores/hectare;
  3. Exploração agrícola em regime tradicional - aquela em são aplicadas formas de cultura tradicionais, recorrendo à utilização moderada de fitofármacos, e em que para as culturas permanentes são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural até um máximo de 300 árvores/hectare;
  4. Solos integrados em Reserva Agrícola Nacional (RAN) - os que apresentam elevada ou moderada aptidão para a atividade agrícola de acordo com a classificação da aptidão da terra recomendada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ou de acordo com a metodologia definida pelo ex-Centro Nacional de Reconhecimento e Ordenamento Agrário (CNROA).

Artigo 3.º

Âmbito e objetivos

  1. O Programa referido no artigo 1.º abrange o território nacional, discretizado por região agrária, e integra a consideração de, pelo menos, os seguintes aspetos:
    1. Avaliação dos efeitos sobre o recurso solo, nomeadamente no que concerne à sua degradação estrutural, contaminação por agroquímicos, erosão, salinização e desertificação, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas;
    2. Avaliação dos efeitos sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas e sua influência sobre os diversos usos dos recursos hídricos.
    3. Avaliação dos efeitos sobre a qualidade de vida das populações nomeadamente no que respeita a riscos para a saúde pública, potencial alergénico e condicionamento às diferentes atividades do dia-a-dia das populações, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas;
    4. Avaliação dos efeitos do regime agrícola superintensivo sobre as culturas tradicionais, para as espécies autóctones
    5. Definição de percentagens máximas de superfície agrícola utilizável em modelo superintensivo em função das espécies cultivadas;
    6. Definição de faixas de proteção e salvaguarda de perímetros urbanos, massas de água superficiais, áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de aquíferos e de descontinuidade na utilização agrícola superintensiva do solo.
    7. Cadastro das explorações em regime intensivo e superintensivo.
  2. Com base na avaliação dos efeitos sobre o recurso solo, os recursos hídricos e sobre a qualidade de vida das populações é elaborado o Atlas de Utilização Intensiva do Solo e respetiva notícia explicativa.

Artigo 4.º

Grupo de Trabalho para Avaliação e Controlo da Utilização Agrícola Superintensiva do Solo

Para a execução dos trabalhos e tarefas a desenvolver no âmbito do Programa referido no artigo 1.º é constituído um Grupo de Trabalho, sob a responsabilidade dos ministérios que tutelam as áreas da agricultura e do ambiente.

Artigo 5.º

Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo

Os elementos analisados e os resultados do Programa são coligidos e sistematizados no Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo, que inclui a informação geográfica relativa aos seguintes aspetos:

  1. Cartografia da ocupação agrícola superintensiva do solo.
  2. Cartografia de áreas susceptíveis à erosão, salinização e desertificação do solo.
  3. Cartografia das áreas de restrição à exploração agrícola superintensiva do solo e espécies agrícolas a que se referem as restrições.
  4. Cartografia das faixas de proteção e salvaguarda e das faixas de descontinuidade na ocupação agrícola superintensiva do solo.
  5. Identificação de áreas condicionadas à plantação e replantação agrícola em regime superintensivo.

Artigo 6.º

Monitorização e acompanhamento

  1. O Grupo de Trabalho referido no artigo 4.º elabora e assegura a concretização do Programa de Monitorização e Acompanhamento dos efeitos da utilização agrícola superintensiva do solo.
  2. O Programa de Monitorização e Acompanhamento referido no número anterior inclui, pelo menos, os seguintes elementos:
    1. Evolução da área agrícola ocupada por culturas em regime superintensivo.
    2. Evolução da qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos presentes na envolvente às áreas agrícolas sujeitas a regime superintensivo.
    3. Evolução do estado quantitativo das massas de água subterrâneas presentes na envolvente às áreas agrícolas sujeitas a regime superintensivo.
    4. Influência do regime superintensivo na qualidade das culturas tradicionais
  3. É assegurada a atualização bienal do Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo.

Artigo 7.º

Regulamentação

O Governo, no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, procede à regulamentação necessária à sua implementação.

Artigo 8.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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