Exposição de motivos
O Sistema Agrícola em Portugal tem sofrido um conjunto acentuado de alterações, das quais se destacam, pela sua relevância, a alteração do regime de produção, a alteração cultural aumentando as áreas de produção contínua intensiva e superintensiva de culturas permanentes, de que são exemplo o olival, o amendoal e outros frutos secos, ou, mais recentemente, o abacate, , o aumento de áreas de estufas, e a concentração da propriedade com o aumento da área média das explorações agrícolas.
O modo de produção agrícola superintensivo assenta numa sobreexploração da terra, com plantações em compassos reduzidos, impondo uma elevada densidade de ocupação do solo, a que se associam consumos de água superiores aos tradicionais, a utilização massiva de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas - e uma durabilidade das plantações que raramente ultrapassa os 20 anos.
Este modo de produção tem vindo a ser implantado de forma acentuada no território português, com particular destaque para a região do Alentejo onde se concentram, segundo os dados para 2021, 201474 hectares de olival, muitos em regime superintensivo.
Esta realidade é particularmente sentida na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) com o crescimento das áreas reservadas às monoculturas de olival, vinha e amendoal, verificando-se nos resultados publicados pela EDIA da campanha de 2021 a grande importância das culturas permanentes, que ocupam cerca de 84% da área regada num total de 95 680 hectares, dos quais 70 233 hectares correspondem a olival e 19.466 hectares a amendoal.
A análise dos dados de recenseamento agrícola mostra que, para o aumento de 8 % da superfície agrícola utilizada entre 2009 e 2019, se registou um aumento de 17 % da área irrigável e de 74 % da área utilizada para culturas permanentes.
A intensificação das monoculturas permanentes e das espécies exóticas em extensas áreas contínuas constitui, por si só, um risco elevado das plantações à exposição a agentes bióticos nocivos, requerendo uma atenção redobrada e a intensificação da utilização de pesticidas para controlo das pragas, com os efeitos perniciosos que se podem antever.
Os grandes investimentos hidroagrícolas do país têm promovido o aumento da produção de bens e de riqueza, mas paralelamente tem estimulado a concentração da propriedade, quantas vezes em mãos estrangeiras, e não promoveram o povoamento, não reduziram o desemprego, favorecendo antes a proliferação da precariedade laboral, os baixos salários e a degradação das condições de vida e de habitabilidade dos trabalhadores que se concentram em redor destas grandes explorações.
Para que o sistema agrícola nacional possa responder às necessidades que se colocam em matéria de soberania alimentar é necessário proteger os solos, os recursos hídricos e as populações. E é necessário produzir os alimentos que nos fazem falta e combater o grave desequilíbrio da balança alimentar.
Para garantir a produção no futuro é preciso assegurar que os métodos utilizados e que os modos de produção não exaurem os solos, não esgotam os recursos hídricos, designadamente os recursos subterrâneos, e que contribuem para a qualidade de vida das populações rurais.
A multiplicidade de notícias sobre a temática da agricultura superintensiva e as suas repercussões são prova da necessidade de se dar outra atenção a este assunto, de se avaliar a dimensão concreta deste problema, de controlar a sua instalação e de avaliar as suas repercussões sobre as culturas tradicionais.
Conhecer a realidade atual em matéria de ocupação agrícola intensiva do solo, as suas implicações para as comunidades e ambiente, controlar e monitorizar os seus efeitos e estabelecer medidas que acautelem recursos e populações, é fundamental para que a produção agrícola responda aos desafios que se colocam, assegurando ainda a discriminação positiva aos pequenos e médios agricultores, nomeadamente aos que beneficiam do Estatuto da Agricultura Familiar.
Neste contexto o PCP propõe a elaboração de um Programa Nacional de Avaliação e Controlo da Utilização Superintensiva do solo agrícola cujos elementos se sistematizem no Atlas de Utilização Intensiva do Solo que traduza a realidade geográfica e as medidas de controlo a considerar sobre esta matéria.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei estabelece os procedimentos para a elaboração, publicação e monitorização do Programa Nacional de Avaliação e Controlo da Utilização Agrícola Superintensiva do Solo e do Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
- Exploração agrícola em regime intensivo - a que respeite à ocupação agrícola por culturas permanentes ou à utilização de estruturas cobertas, fazendo uso intensivo de fatores de produção, incorporando designadamente elevados níveis de utilização de fitofármacos, bem como recurso à rega/fertirrigação e/ou em que são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural entre 300 árvores/hectare e 600 árvores/hectare;
- Exploração agrícola em regime superintensivo - a que respeite à ocupação agrícola por culturas permanentes ou à utilização de estruturas cobertas, fazendo uso intensivo de fatores de produção, incorporando designadamente elevados níveis de utilização de fitofármacos, bem como recurso à rega/fertirrigação com elevados consumos de água, e/ou em que são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural superior a 600 árvores/hectare;
- Exploração agrícola em regime tradicional - aquela em são aplicadas formas de cultura tradicionais, recorrendo à utilização moderada de fitofármacos, e em que para as culturas permanentes são utilizados compassos entre exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural até um máximo de 300 árvores/hectare;
- Solos integrados em Reserva Agrícola Nacional (RAN) - os que apresentam elevada ou moderada aptidão para a atividade agrícola de acordo com a classificação da aptidão da terra recomendada pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ou de acordo com a metodologia definida pelo ex-Centro Nacional de Reconhecimento e Ordenamento Agrário (CNROA).
Artigo 3.º
Âmbito e objetivos
- O Programa referido no artigo 1.º abrange o território nacional, discretizado por região agrária, e integra a consideração de, pelo menos, os seguintes aspetos:
- Avaliação dos efeitos sobre o recurso solo, nomeadamente no que concerne à sua degradação estrutural, contaminação por agroquímicos, erosão, salinização e desertificação, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas;
- Avaliação dos efeitos sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, quer em termos quantitativos, quer em termos qualitativos, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas e sua influência sobre os diversos usos dos recursos hídricos.
- Avaliação dos efeitos sobre a qualidade de vida das populações nomeadamente no que respeita a riscos para a saúde pública, potencial alergénico e condicionamento às diferentes atividades do dia-a-dia das populações, da utilização agrícola superintensiva, para culturas permanentes e para culturas exóticas;
- Avaliação dos efeitos do regime agrícola superintensivo sobre as culturas tradicionais, para as espécies autóctones
- Definição de percentagens máximas de superfície agrícola utilizável em modelo superintensivo em função das espécies cultivadas;
- Definição de faixas de proteção e salvaguarda de perímetros urbanos, massas de água superficiais, áreas estratégicas de infiltração e de proteção e recarga de aquíferos e de descontinuidade na utilização agrícola superintensiva do solo.
- Cadastro das explorações em regime intensivo e superintensivo.
- Com base na avaliação dos efeitos sobre o recurso solo, os recursos hídricos e sobre a qualidade de vida das populações é elaborado o Atlas de Utilização Intensiva do Solo e respetiva notícia explicativa.
Artigo 4.º
Grupo de Trabalho para Avaliação e Controlo da Utilização Agrícola Superintensiva do Solo
Para a execução dos trabalhos e tarefas a desenvolver no âmbito do Programa referido no artigo 1.º é constituído um Grupo de Trabalho, sob a responsabilidade dos ministérios que tutelam as áreas da agricultura e do ambiente.
Artigo 5.º
Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo
Os elementos analisados e os resultados do Programa são coligidos e sistematizados no Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo, que inclui a informação geográfica relativa aos seguintes aspetos:
- Cartografia da ocupação agrícola superintensiva do solo.
- Cartografia de áreas susceptíveis à erosão, salinização e desertificação do solo.
- Cartografia das áreas de restrição à exploração agrícola superintensiva do solo e espécies agrícolas a que se referem as restrições.
- Cartografia das faixas de proteção e salvaguarda e das faixas de descontinuidade na ocupação agrícola superintensiva do solo.
- Identificação de áreas condicionadas à plantação e replantação agrícola em regime superintensivo.
Artigo 6.º
Monitorização e acompanhamento
- O Grupo de Trabalho referido no artigo 4.º elabora e assegura a concretização do Programa de Monitorização e Acompanhamento dos efeitos da utilização agrícola superintensiva do solo.
- O Programa de Monitorização e Acompanhamento referido no número anterior inclui, pelo menos, os seguintes elementos:
- Evolução da área agrícola ocupada por culturas em regime superintensivo.
- Evolução da qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos presentes na envolvente às áreas agrícolas sujeitas a regime superintensivo.
- Evolução do estado quantitativo das massas de água subterrâneas presentes na envolvente às áreas agrícolas sujeitas a regime superintensivo.
- Influência do regime superintensivo na qualidade das culturas tradicionais
- É assegurada a atualização bienal do Atlas de Utilização Agrícola Intensiva do Solo.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo, no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, procede à regulamentação necessária à sua implementação.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.