Exposição de motivos
A introdução, acidental ou não, no território nacional, de espécies exóticas invasoras e oportunistas põe muitas vezes em causa a sobrevivência e a manutenção dos ecossistemas naturais autóctones, nomeadamente habitats com elevado interesse para a conservação, identificados nas áreas protegidas definidas em território nacional.
A proliferação de espécies exóticas suscetíveis de, por si próprias, ocuparem o território de uma forma excessiva, em área, em número de indivíduos ou recursos utilizados, provocando uma modificação significativa nos ecossistemas, constitui assim uma das principais ameaças à biodiversidade e aos desígnios de conservação da natureza. A defesa dos ecossistemas e habitats prioritários para a conservação requer que se adotem medidas para o controlo das populações de espécies exóticas invasoras, para a mitigação dos seus danos e para a limitação da sua expansão territorial.
Não sendo uma questão exclusivamente nacional, é certo que a posição biogeográfica de Portugal, num cenário de incremento da movimentação cada vez mais global de pessoas e bens, torna o país particularmente vulnerável no que concerne à probabilidade de aclimatação de espécies exóticas disseminadas na natureza, que nestas novas condições, competem de modo perverso com as espécies autóctones, induzindo desequilíbrios que podem por em causa a sobrevivência de importantes ecossistemas ou de espécies nativas, comprometendo a biodiversidade e o equilíbrio do ecossistema.
A proliferação de espécies exóticas invasoras no ambiente, reduz a biodiversidade, afeta o equilíbrio ecológico e as atividades económicas, podendo ainda originar problemas em termos de saúde pública, como no caso da designada vespa asiática (Vespa velutina nigrithorax).
O processo para impedir ou retardar a expansão de uma espécie invasora é muitas vezes dispendioso e até impossível, pelo que é da maior importância a prevenção e a atuação no sentido do impedimento da sua ocorrência. Contudo, a realidade vem demonstrar que este combate é difícil e muitos são os casos em que é necessário atuar à posteriori no sentido da recuperação dos ecossistemas naturais.
O potencial comportamento invasor de um cada vez maior número de espécies e a necessidade de evitar a sua disseminação justificou já a revisão do regime relativo à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras, em 2019, com a indicação de uma extensa relação de espécies com comportamento invasor que é necessário estudar e controlar.
São diversos os exemplos, em que o património natural em áreas protegidas se encontra ameaçado pela proliferação de espécies exóticas com comportamento invasor, designadamente por acácias ou mimosas (Acacia spp.) no caso da floresta ou pelo jacinto-de-água (Eichornia crassipes) e o lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii), no meio hídrico.
Numa dimensão mais alargada, destaca-se também a proliferação da designada vespa asiática, que tendo sido inicialmente detetada no norte do país, foi já identificada em concelhos do Alentejo, nomeadamente no concelho de Avis. Os indivíduos desta espécie têm demonstrado uma grande capacidade de adaptação ao meio envolvente, diversificando as suas fontes de alimentação, predando e aniquilando enxames da abelha melífera (Apis mellifera), comum em Portugal.
O problema da proliferação da vespa asiática, é, simultaneamente, um problema grave para a apicultura, mas também para a saúde pública e para a saúde dos ecossistemas naturais, podendo vir a ser fatal para as culturas e espécies vegetais que dependem da polinização em natureza, processo em que as abelhas produtoras de mel, (que estão a ser dizimadas e colocadas num elevado nível de stress, com consequências na sua atividade) desempenham um papel insubstituível.
Proceder às ações necessárias para o controlo e/ou a erradicação das espécies com comportamento invasor, bem como a mitigação dos seus danos e a limitação da sua expansão é fundamental para assegurar a manutenção das riquezas biológicas únicas que estiveram na base da definição das áreas a integrar na Rede Nacional de Áreas Protegidas, e que desempenham um valor inestimável, de reconhecimento crescente, para a economia e o bem-estar humano.
Com o presente Projeto de Lei, o PCP procura dar o contributo para a elaboração e concretização de um Programa de Identificação, Controlo e Erradicação de Espécies Exóticas Invasoras, de Espécies Oportunistas e outras pragas nas áreas da Rede Nacional de Áreas Protegidas, elemento que é essencial para a manutenção da biodiversidade.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei visa a criação de um programa nacional de identificação, controlo e erradicação de espécies exóticas invasoras, de espécies oportunistas e outras pragas nas áreas da Rede Nacional de Áreas Protegidas, adiante designado por Programa.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
- O Programa referido no Artigo 1.º, é um instrumento de planeamento das orientações, das medidas e das ações necessárias para a proteção e recuperação dos ecossistemas e habitats face à proliferação de espécies exóticas que põem em causa a manutenção da biodiversidade.
- O Programa objeto da presente Lei apresenta a estratégia e correspondentes medidas e ações nos âmbitos da identificação, da limpeza e recuperação de ecossistemas em que se regista o crescimento descontrolado de espécies exóticas, bem como o controlo, prevenção e monitorização do estado dos ecossistemas e habitats naturais.
- A presente lei é aplicável às áreas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas e ainda às áreas percorridas por grandes incêndios rurais.
Artigo 3.º
Elementos que integram o Programa
- O Programa objeto da presente Lei inclui, para cada região NUT III, a definição e concretização de medidas destinadas à identificação de ocorrência de espécies exóticas invasoras, de espécies oportunistas e pragas, à determinação das áreas invadidas, identificação das causas da invasão ou de descontrolo de populações, avaliação dos impactes sobre os ecossistemas naturais e habitats com estatuto de proteção, a definição das prioridades de intervenção, a seleção das metodologias de controlo e erradicação mais adequadas em cada caso e a respetiva aplicação.
- O Programa integra a definição e adoção de medidas específicas destinadas ao controlo/erradicação de algumas das espécies exóticas invasoras consideradas como mais problemáticas a nível nacional, nomeadamente acácias ou mimosas (Acacia spp.), o chorão-das-praias (Carpobrotus edulis), as háquias (Hakea spp.), o jacinto-de-água (Eichornia crassipes), a erva-das-pampas (Cortaderia selloana), a spartina (Spartina densiflora), a pinheirinha-de-água (Myriophillum brasiliensis), o lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii), a processionária-do-pinheiro (Thaumetopoea pityocampa), e a vespa asiática (Vespa velutina nigrithorax).
Artigo 4.º
Elaboração, Monitorização e Acompanhamento do Programa
- O Programa objeto da presente Lei é desenvolvido e implementado pelo ICNF, I.P., sendo promovida a sua articulação com o sistema de vigilância para a recolha e o registo de informações sobre a ocorrência de espécies invasoras, a desenvolver no cumprimento do Artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho.
- A operacionalização do Programa em cada região é articulada com as autarquias, a proteção civil, a comunidade científica, os agricultores e os apicultores.
- Até 31 de janeiro de cada ano, o ICNF elabora, publica e divulga um relatório de atualização, dando conta dos trabalhos e resultados obtidos no desenvolvimento do Programa no ano transato, dos meios envolvidos para a realização dos mesmos e apresentando o programa de trabalhos de monitorização e seguimento do Programa a realizar no futuro.
- O relatório mencionado no n.º 3 do presente artigo deve ainda incluir em termos previsionais a relação e descrição das medidas e ações a promover, a relação de espécies alvo de intervenção prioritária, o cronograma previsional de execução e a relação de meios humanos e materiais necessários para a sua execução.
Artigo 5.º
Disposições Orçamentais
- A lei que aprova o Orçamento do Estado prevê a inscrição da dotação financeira afeta ao ICNF, IP, necessária à concretização das medidas e ações a realizar no âmbito do Programa.
- Para dar concretização ao Programa, admite-se o financiamento através do recurso a fundos comunitários.
Artigo 6.º
Outras Disposições
Para o desenvolvimento e concretização dos trabalhos no âmbito do Programa o ICNF, I.P. promove processos de contratação de recursos humanos visando a admissão de 100 novos trabalhadores a distribuir pela área de influência de cada uma das Áreas Protegidas Nacionais, tendo em conta as necessidades específicas de cada caso.
Artigo 7º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
- 1 - A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
- 2 – Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos ainda em 2023, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico.