Quero desde já saudar a vossa importante presença nesta Audição promovida pelo Grupo Parlamentar do PCP e agradecer as vossas contribuições, vindas do conhecimento profundo que tem quem insiste em cultivar a terra e dar de comer ao gado, faça chuva ou faça sol. Contribuições que serão muito úteis para o nosso trabalho e intervenção.
Compreendam que comece esta intervenção por um tema que nos sensibiliza a todos, enviando daqui uma forte palavra de solidariedade àqueles que foram atingidos pelos dramáticos incêndios que nos últimos dias lavraram, de Norte a Sul do País. Solidariedade e apreço a todos os que combateram o fogo mas particularmente às vítimas, aos feridos, aos que ficaram sem casas, sem culturas, sem meios de obter o seu ganha pão, sem perspectivas, muitos deles.
A todos queremos manifestar o empenhamento do PCP em encontrar soluções para apoiar a recuperação dos seus bens perdidos e para assegurar os seus rendimentos. Foi nesse sentido que questionámos a Comissão Europeia sobre apoios que possam ser mobilizados e que hoje mesmo propusemos a aplicação de critérios de apoio às vítimas, semelhantes aos usados com as vítimas dos incêndios de 2017.
Este não é o tempo nem o lugar para balanços, mas sempre teremos que dizer que sabemos bem quais foram as condições meteorológicas destes dias, mas também sabemos que o tempo tem as costas muito largas.
Cinco anos depois dos incêndios de Junho e de Outubro de 2017, depois de termos passado por situações semelhantes em 2003 e 2005, sabemos que, para lá dos relatórios, dos anúncios, das leis e dos despachos, da perseguição e culpabilização dos pequenos e médios proprietários, o que falta fazer de estrutural para defender a floresta nacional é ainda muito. Em matéria da valorização do preço da madeira, do ordenamento da floresta, dos apoios públicos à pequena e média agricultura, do cadastro florestal, mas também do apoio aos bombeiros. O que falta fazer é mesmo demais tendo em conta o tempo que entretanto passou.
Parece que o Governo aprendeu pouco com 2017. Não quis e não quer perceber que não se defende a floresta e o mundo rural, sem defender as comunidades rurais e as suas principais actividades – questão central e primeira para garantir um território humanizado, equilibrado e seguro.
Uma boa parte do que falta fazer é exactamente matéria que hoje aqui tratámos e ficou expresso nas vossas intervenções.
De facto, podíamos perguntar: o que leva a que os agricultores e um tão grande número das suas associações tenha vindo nos últimos meses denunciar e protestar contra a situação que se vive na agricultura portuguesa? Associações muito diversas, de vários pontos do País e representando sectores distintos que, tal como aqui, têm afirmado quatro aspectos fundamentais:
Em primeiro lugar denunciam o escandaloso aumento dos preços dos factores de produção, que se faz sentir desde, pelo menos, o último trimestre de 2021.
Combustíveis, energia, adubos, fertilizantes, fitofármacos, sementes, rações, maquinaria, não há nada que não tenha conhecido aumentos, na sua esmagadora maioria especulativos, que podem ultrapassar os 200%.
Não faltam exemplos de quem comprava uma saca de adubo a 9 euros e passou a pagar 18. Ou quem gastava 2 mil euros em rações e este ano teve de desembolsar 3 mil. Ou quem teve que cortar nas curas porque os fitofármacos custam mais do dobro.
Um percurso dos custos dos factores de produção que é particularmente grave para os produtores pecuários, especialmente os de leite ou para os produtores de flores, que se sentirá no momento de precisarem de aquecer as estufas.
Em segundo lugar, queixam-se dos brutais impactos de uma seca muito prolongada que reduz as produtividades, por incapacidade de regar, seja por falta de água disponível, seja pelos custos que tal implica, que impediu o crescimento de pastos e de forragens, que implicou a alimentação do gado com forragens que deveriam ser usadas apenas no final do Verão.
Uma seca cujos efeitos são imediatos mas serão ainda sentidos nos meses que se seguem, tantos mais quanto mais prolongada ela for.
Seca que levará o PCP a propor ao Governo que, para além de outras medidas, assegure desde já meios para garantir a alimentação animal até ao final deste ano.
Em terceiro lugar, protestam os agricultores pela imposição de preços à produção, por parte das cadeias de distribuição alimentar que dominam o mercado, que ou se mantêm nos níveis anteriores, já de si muito baixos, como se os custos não tivessem crescido, ou tiveram acréscimos que não chegam sequer para compensar esses aumentos.
Situações que, conjugadas, levarão milhares de produtores à ruína, à desistência das suas explorações e produções, agravando problemas de despovoamento e desertificação que estão na origem da dimensão dos incêndios a que assistimos por estes dias.
Clamam ainda os produtores porque, perante esta situação, o Governo, desdobrando-se em anúncios de milhões e milhões, não faz chegar aos agricultores um cêntimo sequer de dinheiro novo, sem lhes somar novos encargos ou sem que tal signifique que o dinheiro fará falta mais adiante.
O caso do adiantamento das ajudas da PAC é disso absolutamente sintomático.
O Governo prometeu fazer esse adiantamento em Maio, o que representaria a injecção de dinheiro nas explorações antes de Outubro, período em que, há já vários anos, ocorre, por dificuldades diversas que os agricultores têm enfrentado, esse adiantamento.
Não o fez em Maio, mas anunciou, como se fosse coisa nova, que faria em Junho. Decidiu mais um processo altamente burocratizado para os agricultores se candidatarem ao adiantamento, uma vez que já tinham direito a essa ajuda.
Esta semana veio anunciar, novamente como novidade, o pagamento na passada terça-feira, mesmo que uma parte só viesse a ser feita no final desta semana. Pelo meio ainda procurou responsabilizar as Confederações Agrícolas porque reclamaram mais tempo para as candidaturas.
Repare-se que não estamos a falar de qualquer apoio novo, mas de receber agora uma ajuda que todos iriam receber em Outubro.
De facto, as únicas medidas concretizadas são derrogações e linhas de crédito para os agricultores se endividarem ainda mais. Mesmo a redução de ISP nos combustíveis, não só não acompanha os apoios globais à economia, como está longe das propostas que o PCP apresentou. Os agricultores continuarão a pagar pelo gasóleo verde 50% a mais que em Janeiro de 2021. Por isso vamos agora entregar um projecto-lei que permite que os agricultores paguem, na bomba, o valor médio do gasóleo no último quinquénio.
Candidaturas e mais candidaturas, burocracia e mais burocracia, prazos apertados para tentar evitar a candidatura de muitos agricultores, como se passou com a electricidade verde.
Outro escândalo! Por iniciativa do PCP foi aprovada a instituição da electricidade verde, que devia ter sido implementada para entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2022.
Apenas em Maio o Governo deu o processo de regulamentação concluído, dando depois 15 dias para os agricultores se candidatarem, impedindo, objectivamente, muitos de o fazer. Até hoje, ainda ninguém recebeu um tostão.
Em todos estes processos o Governo parece ter um critério fundamental. Olhar para o défice das contas públicas e ver como é que isso tem menor impacto imediato.
Finge não ver que a destruição de explorações agrícolas terá um impacto no défice e na dívida muito superior ao que agora se contabiliza.
Finge não perceber que a diferença de apoios anunciados para as cabeças de gado (porque o concurso apenas deve abrir lá para o final do mês) aos agricultores portugueses, por exemplo em relação aos nossos vizinhos espanhóis, prejudica em muito a nossa competitividade e facilitará a entrada de ainda mais importações.
A todas estas dificuldades somam-se as que impõem a pretexto da guerra e das sanções que só servem os grandes interesses económicos transnacionais, com implicações que não estão totalmente dimensionadas, mas que atingirão, isso é certo, em particular os produtores e as famílias.
Pode dizer-se que não tínhamos grande exposição aos cereais russos e ucranianos ou a exportações para aqueles países, o que nem é inteiramente verdade.
Mas veja-se a situação dos cereais, em que os mercados onde hoje compramos, ou passámos a comprar são agora disputados por outros, veja-se o caso dos vinhos que não apenas perderam um forte canal de exportação, como tem agora de concorrer com outros vinhos que também deixaram de exportar para a Rússia. Veja-se o caso da fruta, que agora terá milhares de toneladas que não são recebidas por aqueles países que estão disponíveis no mercado.
Compreendemos bem a dimensão das vossas preocupações e a vossa indignação com a política de um Governo a quem falta em acção o que sobra em propaganda.
Sabemos que os problemas não começaram hoje e não estão desligados de um percurso de décadas da política de direita executada ora por PS, ora por PSD e CDS, nem tão pouco de uma adesão à então Comunidade Económica Europeia e da entrada em Portugal da PAC projectada a pensar noutras agriculturas, que não a pequena e média agricultura nacional.
Uma PAC, aliás, cuja reforma que está para ser implementada nos diversos Estado-membro, continua a sacrificar os mesmos de sempre. Vai manter a injusta distribuição das ajudas, em que 8% dos grandes beneficiários recebem 80% das ajudas. E vai fazer com que aqueles que têm maiores cortes são os que menos recebem. Veja-se que os muito pequenos agricultores que até aqui recebiam mil euros por ano, agora receberão apenas 500. Efeitos, pelos vistos da maioria absoluta!
Dizemos isto mesmo sem conhecer os conteúdos do Plano Estratégico da PAC que o Governo anuncia estar já concluído com Bruxelas, mas que não veio apresentar à Assembleia da República.
Uma situação que contribuirá negativamente para o já crónico défice da balança agro-alimentar e da dependência alimentar do nosso País.
Os últimos anos mostraram o quão vulnerável está o nosso País face a possíveis paralizações do tráfego aéreo, marítimo ou terrestre, face a uma pandemia, face a fenómenos climatéricos extremos, face a bloqueios ou a sanções.
O exemplo dos cereais é o mais conhecido. Mas temos a situação da carne de bovino ou a da batata. Alimentos que fazem parte da dieta básica do povo português e de que dependemos em larga medida de importações.
Sabemos que não teremos capacidade para produzir tudo o que cá se consome. Mas entre o 8 e o 80 há ainda muito caminho para andar.
Registamos, aliás, as palavras dos que há anos nos vinham dizendo que a produção de cereal em Portugal não era possível pois não era produtivo e que não havia terras por cultivar, e que agora nos dizem que afinal temos de usar essas terras para cultivar o cereal.
Quase cinco anos passados desde que o Governo do PS anunciou o Plano para aumentar a área de cereais e particularmente de trigo, aqui estamos, pior do que nessa data, e com as propostas do PCP com esse objectivo a serem sucessivamente rejeitadas, como aconteceu ainda no debate do último Orçamento do Estado.
Já é tempo de passar dos estudos, dos projectos e dos anúncios à prática!
A defesa da produção nacional e da soberania alimentar implica assegurar aos agricultores e particularmente à pequena e média agricultura as condições para manter a sua produção, designadamente como propõe o PCP com a aquisição pública de factores de produção para venda a preços controlados, com o escoamento dos seus produtos a preços justos, entre outras formas. Mas também com a obrigatoriedade da sua compra pelas cantinas e refeitórios públicos ou de empresas públicas, tal como a alteração da lógica das ajudas públicas, ligando-as à produção e valorizando a pequena e média agricultura. A defesa da soberania alimentar, dizia, continuará a ser matéria central da política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo português.
Uma política que corresponde aos fundos anseios das populações, dos agricultores, dos trabalhadores.
Uma política que articule o apoio a quem produz e queira produzir e que elimine a possibilidade de atribuição de apoios sem a obrigação de produzir, com a defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, em particular no mundo rural.
Uma política que prepare o País para as situações de cada vez maior insegurança e instabilidade internacional, e que sirva o propósito de garantir a alimentação do nosso povo.
Uma política que exige o empenhamento de todos quantos almejam um Portugal desenvolvido, soberano e com futuro.