Em novembro de 2012 o grupo parlamentar do PCP, dirigiu perguntas aos ministérios com responsabilidade nas áreas do emprego, da segurança social e da administração interna, alertando para indícios de exploração laboral de trabalhadores imigrantes no trabalho de apanha de azeitona no distrito de Beja. Situação a que se juntavam as más condições de habitabilidade a que estavam sujeitos alguns grupos de imigrantes, com pessoas amontoadas em instalações sem condições mínimas de segurança, privacidade e conforto. Afirmava na altura o PCP que “estamos perante uma realidade inadmissível uma vez que é inaceitável que numa das mais importantes áreas agrícolas do país, precisamente aquela que tem maiores condições para se modernizar e para se desenvolver, se possa recorrer a formas de exploração do trabalho de há vários séculos atrás.”
As respostas dos diferentes ministérios limitaram-se a descrever genericamente as atividades desenvolvidas por cada estrutura nesta matéria, com exceção da administração interna cuja resposta foi mais pormenorizada, confirmando casos de falta de condições de habitabilidade, nomeadamente por sobrelotação das habitações.
No início de agosto deste ano o PCP apresentava as conclusões da iniciativa Situação social: Conhecer mais, Intervir melhor, realizada no distrito de Beja, em que se denunciava que havia“já relatos de atrasos no pagamento de salários em algumas explorações de grande dimensão.
Como [havia um]recurso generalizado a imigrantes, quantas vezes, contratados através de empresas de trabalho temporário. Nestas empresas, [afirmou o SEF] as situações de irregularidade são mais difíceis de aferir e a tendência para incumprimentos é maior do que na
contratação direta.”
É conhecido o peso que tem na região o trabalho dos imigrantes, assim como são do conhecimento geral, as condições em que muitas vezes vivem e a sua disponibilidade para trabalhar por valores abaixo do legalmente estipulado. Em maio deste ano o distrito de Beja tinha cerca de 17 000 desempregados. Como o PCP já outras vezes afirmou, o maior investimento público de sempre na região e outros importantes investimentos públicos, não têm, como poderiam, deveriam e se espera que o façam, alavancado a economia regional, nemcontribuído para a resolução do grave problema do desemprego. Isto porque associado ao desenvolvimento da produção não foram desenvolvidos os mecanismos para uma justa e correta distribuição da riqueza produzida. A começar pelo salário que é o melhor mecanismo de distribuição da riqueza, ao remunerar devidamente a componente trabalho na cadeia de produção. Mas as políticas seguidas há anos em Portugal e intensificadas pela troica, neste processo assumido de empobrecimento da generalidade dos portugueses, tem feito o caminho inverso: baixar salário; precarizar o emprego; e abrir a porta ao aumento da exploração nomeadamente através de empresas de contratação, em que o trabalhador é esmagado por um empregador que não se preocupa com o cumprimento da legislação laboral (já de si cada vez
menos protetora do trabalhador) e uma empresa de trabalho temporário de difícil fiscalização.
Este é o modelo que não serve a região nem as suas populações. Podem as grandes casas exportadoras (de azeite e de vinho) terem os maiores sucessos nos seus negócios, se eles são baseados na exploração da mão-de-obra, de pouco servem o interesse nacional.
Em 24 de maio de 2013 realizou-se em Lisboa Seminário Internacional “Investir no Potencial Agrícola do Alqueva: oportunidade única a nível europeu”, com o objetivo de atrair investidores estrangeiros para a agricultura de Alqueva. Neste seminário a Ministra da Agricultura
“Questionada sobre as dificuldades em atrair mão-de-obra portuguesa para os campos do Alqueva, Assunção Cristas reconheceu que "o trabalho na agricultura é difícil", mas acrescentou que é preciso "sinalizar estas oportunidades e entusiasmar e reconhecer socialmente o valor deste trabalho"”. Mas foi o banqueiro Ricardo Salgado, presidente do BES, que mais claramente acabou por abordar a questão da mão-de-obra agrícola: "Se os portugueses não querem trabalhar e preferem estar no subsídio de desemprego, há imigrantes que trabalham,
alegremente, na agricultura e esse é um factor positivo". O seminário organizado pela EDIA e pelo BES foi esclarecedor quanto ao modelo defendido pela banca e apoiado pelo governo.
É precisamente este modelo assente na exploração dos trabalhadores que é denunciado pela ação da ACT, noticiada sexta-feira no seu sítio eletrónico e já divulgada pelo jornal Público.
Numa ação conjunta da ACT e do SEF, realizada a 17 e 19 de setembro último, no Baixo Alentejo, “visando a prevenção do trabalho não declarado e dissimulado e o tráfico de seres humanos” foi “ verificado um crescendo de práticas irregulares naquele domínio”. Foi encontrada, em duas explorações visitadas, uma realidade de trabalhadores de nacionalidade romena, todos clandestinos, tendo sido detetados inclusivamente um trabalhador menor de 16 anos. Refere a ACT queos valores pagos pelas empresas agrícolas às entidades empregadoras
é de 35,00€ + IVA por trabalhador e por dia de trabalho, sublinhando “que sendo o ordenado mínimo em vigor para a agricultura de 500,00€ mensais, os 35,00€ que as empresas proprietárias pagam aos prestadores de serviço por dia de trabalho por trabalhador, não é suficiente para cumprir com os encargos que o empregador tem com cada um dos trabalhadores - ordenado, férias, subsídio de férias, subsídio de natal e compensações proporcionais à duração do contrato, encargos com a segurança social, seguro de acidentes de trabalho, exames médicos, deslocações de e para o local de trabalho.” É fácil ver que fica a perder neste enredo.
A própria ACT é muito clara, quanto aos efeitos da desregulação das relações laborais, ao afirmar que os “fenómenos de incumprimento e de ilegalidade têm vindo a evoluir no sentido de uma cada vez maior desregulação”.
Estas situações podem atingir dimensões alarmantes uma vez que, segundo se depreende do comunicado da ACT, nos dois dias que se efetuaram visitas foram encontradas irregularidades.
Posto isto, e com base nos termos regimentais aplicáveis, vimos por este meio, perguntar ao Governo, através do Ministério da Agricultura e do Mar, o seguinte:
1.Quando a senhora ministra propagandeia os sucessos da agricultura, nomeadamente, o sucesso de Alqueva, enquadra a realidade descrita na definição de sucesso?
2.Não entende o ministério que para se considerar o Alqueva como um sucesso, para além da componente de produção e de criação de riqueza deveremos ter em conta as variáveis desenvolvimento regional e coesão social e territorial?
3.Entende o ministério que no projeto de Alqueva a componente de desenvolvimento deve avançar a par da componente da produção?
4.Não entende o ministério que o processo de desvalorização do trabalho, expresso na diminuição do seu valor e na desregulação das relações laborais, vai em sentido contrário ao das palavras da senhora ministra, quando diz que é preciso “reconhecer socialmente o valor
deste trabalho"?
5.Qual a estratégia do ministério para que mais produção de riqueza no âmbito do projeto de Alqueva, tenha associado uma melhor distribuição dessa riqueza o que obrigatoriamente se repercutira no estimulo da economia regional?
6.Entende o ministério que é justo que um banqueiro se refira deste modo aos trabalhadores portugueses, quando estes estão a passar por imensos sacrifícios precisamente porque o governo está empenha em salvar a banca acima de tudo?
7.Tem o ministério conhecimento se se preveem ações inspetivas por parte da ACT e do SEF de natureza semelhante no decorrer da campanha da azeitona que está prestes a iniciar-se? Se não estão previstas irá o ministério solicitá-las?
Pergunta ao Governo N.º 112/XII/3
Produção agricola em Alqueva dependente de trabalho clandestino e exploração
