Declaração de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, Conferência de Imprensa

Os problemas na abertura do ano lectivo

Os problemas na abertura do ano lectivo

Mais uma vez, à semelhança do que aconteceu nos últimos anos, o início do ano lectivo fica marcado: pela falta de milhares de professores nas escolas, situação que se agravou este ano com inúmeros erros, irregularidades e ilegalidades num processo de colocação de professores que deveria estar concluído antes de Setembro, mas tal não aconteceu prevendo-se que se prolongue ainda por muito tempo; pelo encerramento de mais 311 escolas do 1º ciclo do ensino básico, em muitos casos com a oposição da comunidade escolar e das próprias autarquias; pela falta de condições em muitas escolas de acolhimento para receberem os alunos oriundos das escolas agora encerradas; por dificuldades das autarquias em obter os meios necessários para garantir os transportes escolares e assumir outras responsabilidades; pela falta de milhares de funcionários que impede o normal funcionamento dos serviços das escolas; pela manutenção de 318 mega agrupamentos, espaços profundamente desumanizados.

Foi este o cenário que cerca de 1,5 milhões de crianças e jovens encontraram na abertura do ano lectivo e que o Governo, particularmente a equipa do Ministério da Educação, consideram normal.

O ano lectivo não começa bem e são disso exemplo o agravamento das condições de trabalho e ensino-aprendizagem, que resulta, em boa parte, de normas sobre a organização do ano escolar que foram impostas pelas finanças e não por imperativos pedagógicos, bem como a instabilidade profissional e social a que milhares de professores são sujeitos anualmente, fruto da precariedade de um vínculo que gera um clima de insegurança nas suas vidas. Neste contexto acabam por surgir, nas famílias, dúvidas relativamente à própria qualidade do ensino na Escola Pública, incertezas que servem em pleno o objectivo do Governo de promover a chamada “liberdade de escolha”, ou seja, de promover o privado. Acresce ainda todo o processo de humilhação e desvalorização profissional dos docentes que culminou com o afastamento injusto e ilegal de mais de 8 000, confirmando-se que a desvalorização da Escola Pública e do seu elo mais importante que são os docentes, é para o governo um elemento fundamental no processo de privatização da Escola Pública.

Mais de 90% dos professores sem vínculo, que se candidataram a um contrato, ficaram no desemprego de sempre. O MEC apenas contratou 3.256, quando no ano transacto, havia contratado 4.545, o que era, até aí, o número mais baixo alguma vez verificado. Destacar ainda que desde 2007 cerca de 30.000 professores se aposentaram.

A precariedade e o desrespeito pelos direitos laborais atinge também fortemente os demais trabalhadores da Escola Pública, nomeadamente os assistentes operacionais que, sempre em número manifestamente insuficiente (faltam pelo menos 5.000) para as necessidades das tarefas que lhes estão distribuídas, têm o seu importante papel desvalorizado por várias medidas dos governos nas áreas da Educação e da Administração Pública.

Para os detractores da Escola Pública que insistem na tese de que Portugal gasta muito com a Educação, que os dados agora divulgados pela OCDE desmentem, confirmando o que há muito é conhecido e denunciado pelo PCP: o desinvestimento na Educação. Entre o ano 2000 e 2010, Portugal foi dos países da OCDE que menos investiu em Educação, situação que se agravou com a chegada da troika a Portugal e a subordinação dos últimos governos aos seus ditames. Nos últimos três anos os cortes no Orçamento para o genericamente chamado ensino não superior atingiram mais de 1700 milhões de euros (-26%) e 401 milhões para o ensino superior (-16%). Ao mesmo tempo as famílias foram chamadas a suportar maiores custos, pagos directamente do seu bolso. Neste mesmo período uma família com um filho dependente dispende, em média, 938 euros e com dois o custo cresce para os 1339 euros.

Mas desenganem-se todos aqueles que vêem apenas razões economicistas no processo de privatização, anunciado pelo Governo. A mercantilização da educação, caminho que tem vindo a ser percorrido há já alguns anos em Portugal, não visa apenas transformar um direito constitucional num grande negócio para os grupos privados.

São muitas as opções de política educativa que confirmam uma alteração de paradigma que passa por dificultar o acesso dos filhos dos trabalhadores aos níveis superiores do conhecimento.

Nesse sentido, o Governo tem vindo a introduzir, ao longo dos últimos anos, um conjunto de alterações no sistema educativo, quer no plano financeiro aumentando substancialmente os custos para as famílias mais desfavorecidas, quer introduzindo alterações curriculares com o objectivo de empurrar amplas camadas de estudantes, mais de 50% dos alunos do secundário, segundo o ministro, para as vias profissionalizantes, ou, como no caso do ensino superior, com a introdução das chamadas “meias-licenciaturas” e a imposição de custos exorbitantes para os 2º e 3º ciclos.

A transferência do papel do Estado para o empresariado na direcção de projectos educacionais é apresentada com a justificação da inevitabilidade de mudança de base técnica do trabalho gerando, segundo o discurso hegemónico, a necessidade de um novo trabalhador, formado de acordo com a característica da empresa. A base meritocrática e o papel da escola estão presentes neste modelo, ou, como também seria correcto afirmar, nas duas faces do modelo.

Mas a verdadeira razão do novo paradigma é o abandono progressivo, mas acelerado, da orientação para a formação da cultura integral do indivíduo e acentuação do papel da escola como a «antecâmara da exploração e da submissão».

Passo significativo da privatização da Escola Pública é o aprofundamento do processo de municipalização deste sector que o governo decidiu avançar já este ano lectivo, ainda que em fase experimental. A intenção governamental de delegar ainda mais competências nas autarquias locais, na área da educação, poderá conduzir, objectivamente, à privatização do ensino básico e impedir a concretização do carácter universal do sistema de ensino a nível nacional.

Os partidos da actual maioria já tinham tentado, através da aprovação de uma nova Lei de Bases que não chegou a ser promulgada, introduzir a chamada liberdade de escolha ou mesmo o cheque ensino, outra das formulações então avançada, que no essencial conduziriam ao mesmo objectivo – desvalorizar a Escola Pública, elitizar o acesso e o sucesso escolares.

Sob a tutela da UE, particularmente a partir da cimeira de Lisboa em 2000 em que foi claramente definida uma orientação que procura colocar os sistemas educativos ao serviço dos interesses e das prioridades do grande capital financeiro e industrial, o Governo PSD/CDS-PP, tal com os anteriores do PS introduziu um conjunto de alterações avulsas no sistema educativo para desvalorizar a Escola Pública.

No Ensino Superior, as medidas que têm vindo a ser tomadas, nomeadamente o novo corte, agora de 1,5% (na ordem dos 40 milhões de euros) anunciado para 2015, contribuem para a sua degradação material e, consequentemente, para as insuficiências pedagógicas e humanas que reproduzem a acentuam as desigualdades sociais, ao invés de garantir a igualdade de acesso, a frequência e o sucesso, visam a restrição das áreas de formação e investigação científica e de desenvolvimento às áreas de aplicação directa, ao serviço dos interesses do capital, com o abandono de áreas sem valor imediato no mercado, como a cultura multidisciplinar, as humanidades, as artes e as ciências sociais, todas igualmente indispensáveis para o desenvolvimento do País.

Também na educação há um rumo alternativo. O imperativo da luta por uma Escola Pública, gratuita, de qualidade e para todos, ao serviço dos portugueses e do País, está nas mãos do povo, dos trabalhadores do sector educativo, dos estudantes, contribuindo com a sua participação nesta luta decisiva para o desenvolvimento integrado de Portugal. Uma luta que deverá envolver toda a sociedade.

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