Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Reunião Plenária

O problema do défice de proporcionalidade na lei eleitoral, é das políticas de desinvestimento no interior

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Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

No espaço de poucos meses, é a segunda vez que a Assembleia da República debate iniciativas legislativas propondo a criação de um círculo nacional de compensação nas eleições para a Assembleia da República.

Em 15 de dezembro passado, por iniciativa da IL. Hoje por iniciativa do Livre.

Para início de conversa, importa referir que o PCP não é contra a criação de um círculo nacional de compensação nas eleições para a Assembleia da República.

A Constituição prevê essa possibilidade e o PCP também o propôs quando na VII Legislatura, em 1998, apresentou o seu próprio projeto de lei eleitoral para a Assembleia da República.

Havia, contudo, uma diferença fundamental em relação aos projetos que hoje são apresentados: é que o projeto de lei do PCP fazia corresponder os demais círculos eleitorais no território do continente ao mapa das regiões administrativas que se encontrava em debate por essa altura, o que faria com que os atuais 18 círculos eleitorais do território nacional passassem a ser apenas 10, o que colmataria o défice de proporcionalidade que o círculo nacional introduziria nesses círculos.

Também aquando da introdução de um círculo regional de compensação nas eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, embora de muito menos dimensão relativa, o PCP votou favoravelmente essa criação.

Importa reconhecer que, embora a Constituição, e bem, determine que o sistema eleitoral para a Assembleia da República é de representação proporcional e proíbe a existência de uma cláusula barreira, ou seja, a exigência de uma percentagem nacional mínima para a eleição de Deputados à Assembleia da República, o facto é que o grau de proporcionalidade do sistema tende a ser muito reduzido, beneficiando claramente os maiores partidos.

Isto decorre de vários fatores que importa considerar:

Decorre desde logo do facto de, segundo a Lei Eleitoral, a distribuição do número de Deputados pelos círculos eleitorais do território nacional ser feita através da aplicação do método de Hondt quando isso não decorre obrigatoriamente da Constituição. O que decorre da Constituição é que o método de Hondt é obrigatoriamente aplicado para a conversão de votos em mandatos.

Sendo o método de Hondt, reconhecidamente, um dos menos proporcionais dos métodos proporcionais, nada impediria a aplicação de um método mais proporcional para a distribuição dos Deputados a eleger pelos vários círculos do território nacional.

Este ponto pode ser alterado sem necessidade de revisão constitucional e constava também do projeto de lei do PCP apresentado em 1998.

O maior problema para a proporcionalidade do sistema eleitoral é, no entanto, o que decorre das assimetrias regionais. A ausência de políticas de desenvolvimento regional equilibrado do país tem levado a que as regiões do interior percam população para o litoral.

Os efeitos deste desequilíbrio na representação eleitoral é a concentração dos Deputados a eleger em grandes círculos (Lisboa e Porto e, embora em menor grau, Braga, Aveiro e Setúbal) havendo cada vez mais círculos no interior do país a eleger um número exíguo de Deputados.

Círculos eleitorais a eleger dois ou três Deputados, e são cada vez mais, representam verdadeiras cláusulas barreira de âmbito regional, onde é necessária uma percentagem de votos elevadíssima para eleger Deputados, levando assim a que centenas de milhares de votos sejam desperdiçados na medida em que não contribuem para a eleição de quaisquer Deputados.

Contudo, este problema não decorre do sistema eleitoral, mas da ausência de desenvolvimento do interior do país e essa ausência de desenvolvimento não se resolve com a alteração do sistema eleitoral.

Em todo o caso, a introdução de um círculo nacional de compensação poderia ter um efeito positivo na medida em que teria um efeito corretivo do défice de proporcionalidade que hoje afeta o nosso sistema eleitoral.

Importa, porém, ver em concreto as propostas que são hoje apresentadas e que são muito diferentes.

O PAN propõe um círculo de compensação de quatro deputados e redução dos demais círculos do continente a seis, com agrupamentos de distritos.

O BE propõe um círculo de compensação com dez deputados.
A IL propõe um círculo de compensação com 30 deputados.
O Livre propõe um círculo de compensação com 37 deputados.
Os problemas suscitados são diversos.

No caso do PAN, a maior proporcionalidade do sistema eleitoral seria obtida seria obtida, mais do que por via do círculo de compensação apenas com quatro deputados, mas sobretudo por via dos agrupamentos de distritos de forma a aumentar a dimensão dos círculos eleitorais. O problema é que a divisão do país em círculos eleitorais só pode assentar, ou em divisões territoriais já existentes como no caso dos distritos ou de regiões administrativas, ou em critérios ad-hoc definidos na lei eleitoral. Este último é o caminho proposto pelo PAN e não é o melhor caminho porque abre a porta ao desenho dos círculos eleitorais não em função de um critério objetivo, mas em função de eventuais cálculos eleitorais.

No caso das propostas que apontam para um círculo nacional de maior dimensão, o maior problema consiste na inevitável redução da proporcionalidade dos círculos distritais, afetando ainda mais os círculos onde a desertificação eleitoral já se faz sentir. Os partidos de pequena ou média dimensão nacional conseguiriam obter alguma representação por via do círculo nacional, mas ficariam quase irremediavelmente afastados da possibilidade de eleger Deputados pelos círculos distritais remetidos a uma lógica quase inevitável de bipolarização. À desertificação populacional do interior do país somar-se-ia uma desertificação ainda maior da representação nacional.

Importa lembrar que a introdução de um círculo de compensação na Lei Eleitoral para a Região Autónoma dos Açores, que o PCP saudou e votou favoravelmente, foi acompanhada do aumento do número de Deputados da Assembleia Legislativa da Região de modo a não prejudicar a representação de cada ilha. Sucede que a nível nacional a Constituição não permite aumentar o número de Deputados para além dos 230 que o PS e o PSD acordaram como máximo na revisão constitucional de 1997.

Contudo, o PCP não rejeita a discussão sobre a introdução de um círculo nacional de compensação.

Já quanto a outras questões hoje suscitadas, importa referir o PCP não acompanha a proposta de IL de acabar com o impropriamente chamado “dia de reflexão”. É que não se trata de nenhum dia de reflexão. Dias de reflexão são todos os dias. Do que se trata é de estabelecer uma pausa de um dia entre a campanha eleitoral e a organização do processo eleitoral. Não podemos ignorar que entre os milhares de cidadãos sobre cujos ombros recai a organização do processo eleitoral estão muitos dos que participam na campanha eleitoral e que merecem algumas horas de descanso antes de estar às sete da manhã a garantir a abertura das assembleias de voto. A organização do processo eleitoral não cai do céu. É uma realização da cidadania que é assegurada pelos partidos e os seus militantes, os mesmos que até às 24 horas do penúltimo dia antes das eleições se empenham no esclarecimento e na mobilização para a participação no ato eleitoral.

Finalmente, o PCP acompanha a proposta do PS de criar um grupo de trabalho com vista à consolidação e codificação da legislação eleitoral.

É possível e desejável trabalhar nesse sentido, eliminando pequenas disparidades existentes entre as diversas leis eleitorais e que não têm justificação, através de uma parte geral que trate como igual o que deve ser igual e com partes especiais que tratem separadamente cada ato eleitoral ou referendário.

Disse.

 

 

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