Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"Os portugueses já estão a pagar 445 milhões de euros pelo buraco do BES"

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra das Finanças,
Vou colocar três questões.

A Sr.ª Ministra sabe que este debate tem no seu centro iniciativas relacionadas com a Comissão de Inquérito ao BES e com o apuramento que foi feito pela Assembleia da República relativamente à matéria relacionada com o BES e a primeira pergunta tem a ver com o Novo Banco e com o perdão fiscal concedido ao Novo Banco.

A Sr.ª Ministra, o Governo e os partidos que suportam o Governo têm vindo a dizer que os portugueses não terão custos com o Novo Banco, mas a verdade é que os portugueses já estão a pagar 445 milhões de euros, pelo menos, pelo buraco do BES, com o perdão fiscal que o Governo atribuiu a quem vier a ficar com o Novo Banco, na privatização que o Governo quer concretizar.

Ora, a Sr.ª Ministra das Finanças deve informação aos portugueses e deve explicar: em primeiro lugar, qual é o montante exato do perdão fiscal concedido ao Novo Banco; em segundo lugar, quais são os impostos abrangidos pelo perdão, se abrangem ou não o IMT e o imposto de selo; em terceiro lugar, se já foi concedida a totalidade do perdão ou se ainda há procedimentos em curso para garantir esse perdão fiscal; e, por último, como é que o Governo justifica um perdão fiscal de centenas de milhões de euros a um banco, ao mesmo tempo que esmaga com impostos os trabalhadores e o povo português.

Uma segunda questão, Sr.ª Ministra, tem a ver com o Governador do Banco de Portugal e a nomeação do Governador do Banco de Portugal, que é uma matéria que está também em cima da mesa, hoje, porque estamos a discutir as questões da supervisão.

A Sr.ª Ministra sabe que o PCP não acompanha a ideia de que todos os problemas do sistema financeiro são culpa do Banco de Portugal ou que o problema da supervisão é um problema da pessoa que desempenha aquele cargo. De resto, temos dito que o problema é mais da natureza das funções do que propriamente de quem as desempenha.

Mas o Governo deve dar uma explicação ao País sobre a recondução de um Governador do Banco de Portugal, que, como ficou demonstrado, no caso do BES, não exerceu em toda a sua extensão os poderes de que dispunha para travar aquilo que estava a acontecer no Banco, e com implicações no Grupo. E o Governo tem de dar essa explicação, sobretudo depois do apuramento que a própria Comissão de Inquérito fez. É que não se compreende esta opção do Governo, Sr.ª Ministra, e o Governo devia, pelo menos, explicá-la.

Por último, Sr.ª Ministra, queria colocar-lhe uma questão concreta, relacionada com a proposta de lei.

Temos, hoje, em discussão várias iniciativas relacionadas com avanços em matéria de supervisão e de regulação, acrescento de competências, de meios, reforço das questões relacionadas com a supervisão e com as auditorias.

Ora, a proposta de lei que a Sr.ª Ministra vem aqui defender faz exatamente o contrário. A proposta de lei que a Sr.ª Ministra aqui traz, com uma previsão que não consta da Diretiva, aquilo que faz é alargar a isenção 30 DE MAIO DE 2015 11

de auditorias de contas por revisores oficiais de contas. Aquilo que a Sr.ª Ministra das Finanças faz com a alteração ao artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais é permitir que sociedades anónimas, sociedades por quotas e outras sociedades comerciais passem a estar isentas de revisão de contas por revisores oficiais de contas, a partir de limites que, Sr.ª Ministra, no caso do balanço, passam de 1,5 milhões de euros para 4 milhões de euros e, no caso do volume de negócios líquido, passam de 3 milhões para 8 milhões.

Sr.ª Ministra, para se perceber do que estamos a falar, ficaremos com um patamar de isenção superior ao de países como o Reino Unido, a Espanha, a França e outros.

Gostava, pois, que Sr.ª Ministra pudesse dar aqui uma explicação sobre qual a justificação para esta isenção de auditorias de contas, no momento em que a Assembleia da República discute precisamente o contrário, ou seja, o reforço da auditoria das contas e da atividade financeira.
(…)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.ª Ministra das Finanças:

Fazemos este debate, hoje, na sequência da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banco Espírito Santo e ao Grupo Espírito Santo, Comissão proposta pelo PCP e que permitiu conhecer de forma mais aprofundada a constituição do grupo monopolista, as suas práticas e expedientes e o quadro em que se deu o seu colapso.

Ao longo do tempo, o PCP foi apresentando várias propostas para responder a problemas que foram sendo identificados. Hoje, neste debate, procurámos responder a duas questões centrais: uma, quem responde pelos prejuízos do BES e do Grupo Espírito Santo e, outra, que medidas são necessárias para evitar que se repitam novos colapsos bancários como o do BPN ou como o do BES e como se coloca o sistema financeiro ao serviço do País.

A resposta à pergunta quem paga os prejuízos é clara para o PCP: não podem ser os portugueses a pagar o buraco do BES/GES, têm de ser os bens e os ativos do BES, do Grupo Espírito Santo e dos membros do Conselho Superior do GES, ou seja, da família Espírito Santo.

Por isso propusemos a imobilização desses bens e ativos e a reversão das vendas que, entretanto, foram efetuadas da Tranquilidade, da Espírito Santo Saúde, do BES Investimento e de outros ativos do Banco e do Grupo Espírito Santo.

À pergunta como se evitam estes colapsos bancários e como se coloca o sistema financeiro ao serviço do País, o PCP responde também com uma proposta: o controlo público da banca. Acrescentar medidas que recusem o controlo público da banca e se limitem a melhorar a regulação é alimentar a ilusão de que apenas a regulação chega para resolver os problemas do sistema financeiro.

A recondução de um Governador do Banco de Portugal, que não travou os problemas que se estavam a desenvolver no BES, é a prova das opções da coligação PSD/CDS e revela que, no caso BES/GES, o Governador do Banco de Portugal serviu como face e instrumento da ação do Governo e que a coligação PSD/CDS continua a preferir para a banca o modelo de propriedade e gestão privada «Ricardo Salgado/Oliveira e Costa».

E o problema do domínio do sistema financeiro pelos grupos monopolistas, contra os interesses nacionais, é um problema que só no quadro do controlo público da banca pode ser devidamente considerado. Não é um problema de regulação ou de disciplina dos grupos monopolistas. Não é um problema de impedir apenas participações qualificadas cruzadas, permitindo que fundos de investimento ou outras entidades bancárias continuem a participar no capital umas das outras, mantendo a roleta a girar.

Muito menos é, como diz o PS, uma mais-valia para o País permitir que os grupos monopolistas continuem a desenvolver a sua atividade, crescendo e estendendo o seu domínio económico e até político.

O problema com os grupos monopolistas ou conglomerados mistos, como preferirem, é um problema de direção política e controlo democrático da economia, assegurando que as opções económicas estão ao serviço do povo e do desenvolvimento do País e não da acumulação do lucro e capital pelos acionistas dos grupos económicos e financeiros.

A solução para os problemas dos grupos monopolistas é a sua dissolução no quadro de um processo de controlo público da banca. Só isso garante uma política de crédito ao serviço do País e é essa a proposta do PCP e é essa que, uma vez mais, trazemos à discussão e à votação da Assembleia da República.
Das intervenções que aqui ouvimos hoje, percebemos que PS e coligação PSD e CDS continuam a defender a propriedade e gestão privada da banca, que tem dado os resultados que estão à vista.

PS e coligação PSD/CDS insistem em manter a ilusão de uma regulação comprometida com os Governos e as suas opções políticas.

PS e coligação PSD/CDS insistem em render-se aos offshore, em vez de enfrentarem esse problema, assumindo uma decisão soberana, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, que aplicando-se, no território nacional, às razões estabelecidas com entidades sedeadas em offshore permita combater esse biombo atrás do qual se esconde a especulação e a criminalidade económica e financeira.

Trata-se de uma decisão que está ao alcance do Estado português e que é possível de assumir com a proposta que o PCP traz à discussão também.
O PCP faz as suas opções em defesa dos interesses do País e do povo pela extinção e combate aos offshore e por uma banca sob controlo público e ao serviço do País.

É pena que quer o PS, quer a coligação PSD/CDS não acompanhem essa perspetiva de defesa do interesse nacional.

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