Sobre as relações de Portugal com África já muito foi dito neste Seminário, incluindo sobre aspectos de ordem histórica. Mesmo assim gostaria ainda de sublinhar algumas teses do PCP que considero muito relevantes para o nosso debate.
- o lado positivo dos laços linguísticos e culturais forjados pela história, não pode levar ao esquecimento, e muito menos à exaltação de séculos de exploração, opressão e guerra que tantas injustiças e sofrimentos causaram.
O colonialismo em geral, e o colonialismo português em particular, tem as mais graves responsabilidades no atraso do continente. Há uma dívida histórica contraída pelas classes dominantes que deve ser assumida. Só nessa base será possível erradicar de vez a velha doença do "eurocentrismo" imperialista assim como paternalismos e revivalismos "civilizadores" que estão a manifestar-se com inquietante insistência no plano da União Europeia. Para não falar já no visível recrudescimento do racismo e xenofobia em vários países da Europa.
- a longevidade do império colonial português - o último dos grandes impérios a ser liquidado - é inseparável dos interesses e da política globais do imperialismo em África. Isso é particularmente evidente após a 2ª guerra mundial.
O apoio das grandes potências capitalistas à ditadura fascista - recorde-se que Salazar foi fundador da NATO em 1949 - funcionou como seguro de vida contra a grande vaga de libertação nacional que varreu o continente e que a criação da OUA em 1963 traduz. O fascismo português funcionou como aliado fundamental do imperialismo em toda a área da África Austral e do Atlântico Sul. Os racistas da África do Sul e das velhas "Rodésias" - é bem visível que a Grã Bretanha ainda não conseguiu digerir a derrota - deveram também eles a sua longevidade à vergonhosa aliança do imperialismo internacional com o fascismo português.
Foi por esta via que Portugal se tornou também ele um país "colonizado" dominado pelo imperialismo.
- Portugal era sob o fascismo - e infelizmente volta a sê-lo hoje, depois de mais de trinta anos de políticas de direita e de mais de vinte de sujeição aos ditames da União Europeia - um dos países mais atrasados da Europa.
A causa fundamental de um tal atraso, como está profundamente demonstrado em estudos do PCP - nomeadamente em o "Rumo à Vitória", obra do camarada Álvaro Cunhal e relatório do Comité Central que fundamenta o Programa do PCP para a Revolução Democrática e Nacional - radica na posição original de Portugal como país simultâneamente colonizador e colonizado.
Ao romper com essa situação, a revolução de 25 de Abril de 1974 e a conquista da independência pelos povos coloniais irmãos abriram a Portugal a perspectiva de um desenvolvimento independente de acordo com a vontade do seu povo.
Não foi porém o que aconteceu.
A ruptura com o domínio imperialista sobre Portugal - nos planos político, econômico e militar - não foi levada até ao fim. O país continuou amarrado à NATO e aos acordos militares com os EUA, e a adesão em 1985 à CEE confirmou-se como um desastre para o desenvolvimento e a soberania do país. As relações económicas assimétricas, desiguais, dependentes, afunilaram ainda mais para um punhado de países capitalistas desenvolvidos. As Forças Armadas estão transformadas cada vez mais num apêndice da NATO e de uma U.E. cada vez mais militarizada e intervencionista.
Tudo isto nos leva a considerar útil para o debate deste Seminário sublinhar três idéias:
A primeira. Que para uma política de desenvolvimento ao serviço do povo e do país, Portugal precisa vitalmente - como demonstrou a Conferência Económica e Social realizada pelo PCP no passado fim de semana - de diversificar as suas relações externas com base nos princípios da igualdade, do respeito pela soberania e da reciprocidade de vantagens, e que nessa diversificação as relações com os países africanos e em particular com os PALOPs ocupam um lugar de primeiro plano.
De nenhum modo estas relações devem ser comprometidas por paternalismos e revivalismos de tipo colonial que estão a levantar cabeça não apenas numa direita saudosista e trauliteira mas em círculos governamentais.
A segunda. Que Portugal tem de opor-se firme e corajosamente à ofensiva imperialista de recolonização planetária ("uma colonização mais subtil mas igualmente dramática", como aqui foi referido pelo camarada Manuel Correia), tem de opor-se à repartilha do mundo em esferas de influência e de domínio. Esta partilha envolve simultâneamente coordenação de políticas - via BM, FMI, OMC, etc. - e profundas rivalidades entre as grandes potências capitalistas, nomeadamente entre os EUA, o Japão e a União Europeia com a Alemanha na ponte de comando. São enormes os perigos que tudo isto representa para a soberania dos povos e para a paz e a segurança na Europa, em África e no mundo.
É com este quadro de apreciação que consideramos necessário desmascarar os propósitos de rapina da U.E. e a sua tentativa de instituir mecanismos ditos de "parceria estratégica" ou de "cooperação" profundamente desiguais e injustos em que, sob os mais diversos pretextos, a componente militar e securitária figura com peso inquietante.
A terceira. Os trabalhadores e os povos da Europa e de África têm aspirações e interesses idênticos e enfrentam os mesmos adversários: as grandes corporações transnacionais, o capital financeiro e especulativo, o imperialismo.
A história da luta do povo português e dos povos das antigas colônias portuguesas encerra a este respeito ensinamentos riquíssimos. O fascismo e o colonialismo eram os seus inimigos comuns, e a sua aliança de combate - que teve nas relações do PCP com o MPLA, a Frelimo e o PAIGC a sua mais elevada expressão - conduziu à sua libertação simultânea com a revolução de Abril e a conquista da independência após longos anos de heróicas lutas armadas de libertação.
É esta aliança que consideramos necessário prosseguir nos dias de hoje, nas novas condições da globalização imperialista. Uma aliança que, no reconhecimento e respeito pelos diferentes percursos históricos, situações, níveis de desenvolvimento, opções ideológicas e políticas, valoriza o que nos une na luta por uma nova ordem económica e política mundial livre das relações de exploração e opressão imperialistas, mais pacífica, mais equitativa e mais justa.