Até porque repetida depois em intervenções televisivas com o ar mais descontraído deste mundo, não nos passou ao lado o facto de Mário Bettencourt Resendes, no «DN» de 30/3, ter feito sua a afirmação alheia de que « uma vez a guerra iniciada, só se pode desejar uma vitória rápida e decisiva das forças anglo-americanas».
Trata-se não apenas da insistência no mesmo sofisma que antes foi usado para justificar a guerra mas também da mais descarada proposta de rendição política perante os factos consumados que se podia imaginar e que teria para a Administração Bush a imensa vantagem de lhe garantir que, faça o que fizer, viole o direito internacional quanto lhe apetecer e desencadeie as sangueiras que lhe aprouver, e sempre terá a seu lado as devidas solidariedades não vá o outro lado ganhar.
De qualquer modo, dentro desta lógica dos factos consumados e no âmbito da teoria de que o direito não deve ignorar as mudanças e a realidade, lembrámo-nos de ter a franqueza - que nem os EUA nem os seus mais activos prosélitos tiveram até agora – de propor uma urgente alteração da Carta das Nações Unidas.
De facto, depois de desencadeada a agressão ao Iraque, não faz muito sentido que o primeiro objectivo da ONU seja o de «manter a paz e a segurança internacionais e com tal fim: tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e eliminar ameaças à paz e para suprimir actos de agressão e outras violações da paz; e alcançar por meios pacíficos e em conformidade com os princípios da justiça e do direito, o ajuste ou solução de conflitos ou situações internacionais susceptível de conduzir a violações da paz» (artº 1 do Cap. I da Carta).
E, assim, é absolutamente imperioso que o citado artigo da Carta passe a dispor antes que o primeiro objectivo da ONU é «apoiar, acompanhar e executar orientações, decisões e acções decididas pelos EUA, mandatados por decreto divino para dirigir, administrar e comandar a comunidade das nações».
De igual modo, faz muito pouco sentido que no artigo 2º do Cap. I da Carta se estabeleça que a ONU «é baseada na igualdade soberana de todos os seus membros» sendo portanto imperioso que esse artigo passe a determinar que a ONU assenta em duas categorias de membros, mais concretamente «os EUA e os seus aliados mais próximos, a quem cabe a liderança do mundo, e os outros países, a quem se atribui o papel de se sujeitarem a essa liderança e a sofrerem».
Também já não tem nada a ver com a realidade que a Carta da ONU reserve para o Conselho de Segurança as decisões de recurso ao uso da força em caso de incumprimento das suas Resoluções, reserve igualmente para si próprio o poder de avaliar do seu cumprimento ou não e o poder de definir que países são encarregados de agir militarmente em nome da ONU. Acresce ainda que é igualmente uma velharia sem préstimo que, no artº 51 do Cap. VII da Carta, apenas se reconheça aos Estados «o direito imanente de legítima defesa individual ou colectiva em caso de ataque armado contra um membro das Nações Unidas» e que, ainda por cima, se acrescente que isto é «sem afectar de maneira alguma a autoridade e responsabilidade» do Conselho de Segurança «para exercer em qualquer momento a acção que considere necessária com vista a manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais».
É portanto uma evidência que todas estas normas da Carta deveriam ser urgentemente substituídas por uma único artigo que determine que « aos Estados Unidos da América é atribuída, com carácter perpétuo, a missão e a responsabilidade exclusivas e indelegáveis não apenas de interpretarem as Resoluções do Conselho de Segurança e de serem juizes do seu cumprimento ou incumprimento mas também de desencadearem, na base das suas próprias avaliações, acções armadas contra qualquer outro Estado, incluindo com carácter preventivo».
A terminar, só esperamos que os leitores compreendam que quem, como nós e com tão magníficas sugestões, é capaz de até trabalhar à borla para os EUA, não merece ser chamado de antiamericano.