Quando julgávamos que, mais coisa menos coisa, já tudo havia sido dito, seja a favor ou contra, sobre a guerra que a Administração Bush e os seus vassalos preparam contra o Iraque, aconteceu que descobrimos que José António Lima, director-adjunto do “Expresso”, produziu, na última edição daquele semanário, um comentário assinalavelmente inovador.
Assim se confirmando que, como jamais duvidámos, os méritos daquele jornalista vão muito para além da patente isenção e sentido de justiça com que gere aquela coluna dos “Altos & Baixos” em que o dr. Marques Mendes aparece sempre nos “Altos”.
Com efeito, nesse texto em grande parte construído na base de perguntas e respostas, J. A. Lima começou logo por adiantar, de forma peremptória, que “não está demonstrado” que o Iraque seja “uma das plataformas e países de apoio das redes terroristas internacionais, designadamente da Al-Qaeda”, acrescentando ainda que isso é “ao contrário da “amiga” Arábia Saudita cujas conexões com a Al-Qaeda estão de há muito estabelecidas”.
De seguida, garantiu que “as persistentes pesquisas dos inspectores da ONU” não comprovaram que o Iraque seja “uma ameaça à segurança mundial pelas armas de destruição em massa que se diz ainda possuir”.
E, por fim, afirmou com notável convicção que “ninguém, com um mínimo de lucidez” embarcará na “ilusão” de que o Iraque seja “o centro estratégico do conflito israelo-árabe” e que “a deposição do regime de Saddam” abra “as portas à paz no Médio Oriente”.
Tendo respondido, da forma que se acaba de ver, a três perguntas efectivamente cruciais, José António Lima concluiu honestamente que “são, pois, de duvidosa consistência as razões com as quais os EUA procuram legitimar e justificar uma arrasadora guerra sobre o Iraque” que “configura ser mais uma demonstração de força e poderio militar para intimidar o mundo árabe (...) e para ressarcir a nação vítima do 11 de Setembro” do que “uma intervenção para garantir a segurança internacional”.
Aqui chegados, os leitores perguntarão compreensívelmente onde é que está a novidade deste comentário do director-adjunto do “Expresso” pois tudo isto faz parte do arsenal de argumentos utilizados pelos opositores da guerra contra o Iraque.
Mas haja calma entre os leitores porque a faíscante novidade deste texto de J. A. Lima está em que o autor, depois de ter afirmado o que afirmou, concluiu sequencialmente, num golpe de rins que o deve ter levado a uma qualquer urgência hospitalar, que “mesmo que a estratégia dos EUA para desarmar Saddam Hussein e o Iraque não venha a constituir mais que um pequeno passo para reforçar a segurança internacional, (...), o dever de Portugal e da Europa só pode ser o de se colocarem ao lado da democracia norte-americana”. E isto porque, segundo também diz, “contra um regime tirânico e belicista (...) não deveria haver dúvidas, neutralidades ou equidistâncias”.
Ou seja, para J.A. Lima, nenhuma das grandes razões invocadas pela Administração Bush tem razoabilidade ou consistência mas isso pouco ou nada deverá importar para a formação da vontade ou opinião de Portugal e da Europa, uma vez que o seu grande critério deve ser apenas o de estar ao lado dos EUA e das suas decisões e escolhas.
E, nesta “ordem internacional” em que um país manda e os outros devem obedecer, tivesse a Administração Bush proposto uma guerra contra regimes tirânicos como a da Arábia Saudita ou o Paquistão, e sem nenhuma dúvida que teríamos J.A. Lima a gritar identicamente que a trincheira de Portugal e da Europa era ao lado da “democracia norte-americana”.
Mas verdade seja dita que preferimos mil vezes esta brutal franqueza de J.A. Lima aos sofisticados exercícios de justificação a que se dedicam tantos outros abnegados servidores do império que, evidentemente, jamais teriam escrito, nos últimos meses, uma só linha sobre a necessidade da guerra contra o Iraque se, por acaso, a Administração Bush tivesse escolhido outro alvo que não este.