Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República, Interpelação ao Governo sobre "Políticas de Saúde"

«A política que destrói o Serviço Nacional de Saúde é política que nega o direito à saúde»

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Quando entrou em funções, há já quase dois anos, o Governo trazia uma agenda de trabalho e objectivos bem definidos para a área da saúde.

Em primeiro lugar diminuir a despesa pública, à semelhança do que fez com as restantes áreas sociais e com a administração pública em geral. Como fazê-lo? Condicionando e limitando através de restrições orçamentais o funcionamento dos serviços públicos e transferindo progressivamente os custos da saúde para os utentes.

Em segundo lugar garantir por todos os meios mercado alargado e seguro para os investimentos privados em saúde. Como fazê-lo? Degradando a capacidade e a qualidade da resposta do Serviço Nacional de Saúde.

Temos de reconhecer que o Governo e o Ministro da Saúde se entregaram de corpo e alma a estas tarefas. O resultado é que hoje o direito à saúde consagrado constitucionalmente está cada vez mais afastado da generalidade da população portuguesa.

Para um número crescente de portugueses a saúde é uma miragem.

Enquanto a Constituição diz que "incumbe prioritariamente ao Estado: garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação", o Governo faz o contrário e nega o acesso a cuidados de saúde fundamentais a extensas faixas da população.

Enquanto a Constituição diz que "incumbe prioritariamente ao Estado: garantir uma racional e eficiente cobertura do todo o país em recursos humanos e unidades de saúde" o Governo faz o contrário e determina a redução generalizada dos serviços públicos de saúde.

Com a liderança do Governo e do Ministro da Saúde, avança sistematicamente a destruição do Serviço Nacional de Saúde. Tudo devidamente embrulhado em doses reforçadas de propaganda, em convenientes e parcelares argumentos técnicos sempre apresentados como se não houvesse fundamentos políticos para eles, em anúncios de grandes reformas muito diferentes do que acontece na realidade, ou disfarçado com polémicas espúrias alimentadas pelo Ministro da Saúde, visando desviar a atenção do fundamental.

Logo no início de 2007 o Ministro da Saúde apresentou um balanço de 2006 e perspectivas para um novo ano. Claro que passou ao lado de problemas fundamentais. Dos problemas do acesso das populações a cuidados de saúde fundamentais; do encarecimento dos mesmos; da degradação da resposta do SNS; da crescente precarização dos profissionais de saúde.

E nem uma referência por exemplo a uma das mais graves consequências da política do Governo que é a sangria de quadros qualificados do SNS a que pela primeira vez estamos a assistir. Recentemente a responsável por um dos principais grupos económicos da saúde afirmou que só para um dos novos hospitais privados a abrir em breve em Lisboa contrataram 60 médicos vindos do SNS, sabendo-se aliás que muitos destes constituíam uma preciosa mais valia para as equipas dos hospitais públicos, designadamente de Lisboa.

Esta realidade demonstra que estamos de facto numa fase nova do assalto do capital privado ao território do SNS. Pela primeira vez estão criadas as condições para que profissionais dos mais qualificados, muitos desempenhando até aqui em exclusividade as suas funções no sector público, se transfiram de armas e bagagens para o sector privado, empurrados por uma política de amesquinhamento do seu trabalho, de destruição dos seus direitos e das suas carreiras, pela degradação das infra-estruturas e equipamentos, pela má gestão patrocinada pelos governos. Tudo isto a acrescer a uma continuada carência na formação e distribuição dos profissionais de saúde pelas especialidades e pelo território.

O Ministro da Saúde contribui decisivamente para esta grave situação pela sua política, mas também pelo seu demagógico discurso que transforma os profissionais de saúde nos bodes expiatórios perante as populações, em relação aos problemas da saúde. Assumindo o papel do mestre que distribui palmatoadas aos seus pupilos que se portam mal, aí temos o dr. Correia de Campos a exigir assiduidade e separação público/privado.

Somos insuspeitos de querer a promiscuidade entre o sector público e o privado ou o laxismo profissional. Há muitos anos defendemos uma separação clara dos desempenhos profissionais públicos e privados e o cumprimento escrupuloso dos deveres profissionais. Mas não somos ingénuos. Se fossem estas as verdadeiras preocupações do PS e do Ministro da Saúde, já teria tomado medidas neste sentido há muito tempo, por exemplo na sua anterior passagem por estas funções.

Estas medidas assentam formalmente em princípios justos mas visam obter o resultado contrário. Quando um Ministro da Saúde sabe que ao determinar abruptamente a separação entre a prestação pública e a privada, em vez de aplicar um programa sustentado nesse sentido que garanta a manutenção da capacidade de resposta do SNS, está a condenar à privatização desde logo algumas das especialidades em que o problema é mais relevante, então podemos concluir que o que visa não é a moralização do serviço público mas a amputação imediata de algumas das suas capacidades e a sua entrega por completo ao sector privado. O Ministro da Saúde sabe que assim acontecerá. E é isso que estas medidas visam neste momento concreto.

Na verdade esta táctica governamental serve para várias áreas da saúde. Vejamos por exemplo o que acontece com a chamada reforma dos cuidados primários de saúde. Será correcto o princípio de que se devem aproximar as respostas nesta área dos utentes? Sim. Será desejável uma maior responsabilização dos profissionais a par de um funcionamento desburocratizado? Sim. Será correcto o princípio de que a organização dos serviços deve estar orientada para o aumento da produtividade e da qualidade na prestação dos cuidados de saúde? Claro que sim.

Acontece que a reforma anunciada não garante nenhum dos objectivos anunciados. Não falo já do fracasso que constitui a implantação da mesma: pouco mais de 40 das 100 Unidades de saúde familiares anunciadas com algumas a funcionar com grandes dificuldades, aliás exteriorizadas já por um membro do Governo; uma miscelânea de situações entre USF, centros de saúde expurgados de parte dos recursos e utentes e com dificuldades acrescidas para atender os restantes e centros de saúde no modo tradicional. O próximo passo está à vista: o Governo vai certamente decretar a breve prazo a inevitabilidade de entregar uma parte dos cuidados primários ao sector privado ou privado social. Está aliás prometida uma nova lei dos centros de saúde depois da revogação da lei do governo anterior. O certo é que ela não irá no sentido de valorizar os cuidados primários de saúde tal como previstos pela declaração de Alma-Ata, mas sim de confirmar a linha de privatização. Aliás o governo está a deitar borda fora tudo o que retira potencial lucrativo a uma eventual gestão privada. A filosofia dos Cuidados Primários de Saúde como parte integrante do desenvolvimento socio-económico da comunidade, exercendo um trabalho permanente na promoção da saúde e na prevenção da doença, com elevada proximidade dos lugares onde as pessoas vivem e trabalham, está a ser substituída por uma mera assistência médica primária, exclusivamente centrada no tratamento da doença e em cuidados ocasionais prestados quando procurados pelos utentes. É esta obviamente que convém à lógica de privatização e interessa aos privados, por ser facilmente mensurável para efeitos de remuneração.

Esta é aliás a lógica aplicada à importante área da Saúde Pública. O Governo anunciou ser esta uma das áreas a transitar para as autarquias locais. Desta forma o Governo alivia o orçamento central de mais uma responsabilidade, transferindo um conjunto de serviços fortemente depauperado ao longo dos anos e prosseguindo assim a conveniente desfragmentação dos cuidados primários de saúde para efeitos de privatização. A medida foi anunciada - pasme-se - pelo Ministro da Administração Interna presume-se com o conhecimento da Saúde. Mas a verdade é que a saúde pública não pode ser entendida como a gestão do canil municipal. É uma especialidade fundamental em qualquer moderno sistema de saúde. Tem um papel crítico em situações de emergência ou de epidemia e pandemia como a insistentemente anunciada gripe das aves. Uma medida deste tipo constitui uma regressão de cem anos e o regresso ao modelo dos médicos municipais do século XIX. Tal é a modernidade deste Governo e da sua política.

O acesso aos cuidados de saúde é cada vez mais difícil. É a lista de espera de mais de 200 mil pessoas para cirurgias, com a manutenção de um programa, o SIGIC, de que não se conhece qualquer avaliação em relação aos critérios de encaminhamento dos doentes e à ponderação da complexidade das cirurgias. É a outra lista de espera não contabilizada mas de igual gravidade para consultas de especialidade. É a manutenção de muitas centenas de milhares de utentes sem médicos de família, problema que não pode ser resolvido com o mero aumento do número de utentes por médico de família, mas sim com uma aposta séria na Medicina Geral e Familiar. É a ausência da saúde oral no Serviço Nacional de Saúde, entre muitas outras matérias.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

Se há coroa de glória que este Governo quer para si, não é a da melhoria do acesso à saúde, mas sim a do sucesso da operação de restrição orçamental a que se entregou.

O governo vangloria-se de ter controlado finalmente a despesa pública. Mas a que preço!

A poupança foi obtida quer com a compressão dos direitos dos trabalhadores da saúde, quer com uma crescente transferência de custos para os utentes. Mas não houve ganhos significativos onde o Governo pode poupar: na transferência de recursos para o sector privado sem esgotar a capacidade instalada do SNS ou de forma ineficiente.

De facto os dados das últimas contas do SNS fechadas pelo IGIF por exemplo relativamente à despesa nos cuidados primários de saúde, mostram que mais de 50% são gastos com medicamentos e meios diagnósticos e terapêuticos. Entretanto sabemos também que continua a haver capacidades por explorar nos hospitais públicos e que seria possível utilizar essa capacidade para dar resposta aos centros de saúde, como timidamente se está agora a fazer no Hospital de Santa Maria. Sabemos igualmente que em matéria de política do medicamento onde devia haver medidas de contenção da voracidade dos agentes económicos desse sector o que temos são cedências protocoladas aos seus interesses.

Para além da restrição dos direitos e remunerações ao nível dos trabalhadores da saúde, do corte brutal no investimento e nos orçamentos das unidades, esta poupança assentou em grande medida na transferência de mais custos para os utentes, que suportam já de forma directa mais de 30% das despesas com a saúde, ao contrário da grande maioria dos países da União Europeia. Os portugueses pagam mais taxas moderadoras, pagam medicamentos mais caros, pagam cada vez mais consultas e tratamentos no sector privado por falta de resposta no sector público. A despesa com estas questões tem vindo a crescer e é já superior aos gastos com medicamentos.

Em matéria de medicamentos o governo fez uma verdadeira razia nas comparticipações. Não vale a pena invocar a redução de 6% no preço dos medicamentos para justificar todas as outras medidas. De resto está por fazer a avaliação do efeito destas reduções administrativas, designadamente em relação à estratégia adoptada pela indústria. O que é certo é que enquanto a diminuição das comparticipações veio para ficar, não haverá certamente mais reduções de preços.

Entretanto o Governo aboliu a majoração na comparticipação dos medicamentos genéricos, condicionou administrativamente o acesso ao regime especial de comparticipação para os idosos de rendimentos mais baixos. E ao contrário do que faziam prever as suas declarações na legislatura anterior em relação ao sistema de preço de referência, para quem ainda confia no que o PS diz na oposição, afirmando: "é fundamental garantir que tal medida não resulte no aumento de gastos para o utente", o Governo PS manteve este injusto sistema que faz pagar mais ao utente quando o médico recusa o genérico.

Entretanto o mesmo Governo acordou com a indústria farmacêutica, entre outras benesses, um novo sistema de fixação de preço dos novos medicamentos que vai traduzir-se quer no aumento dos gastos dos utentes, quer do Estado ao mesmo tempo que faz vista grossa à ilegalidade da manutenção de preços superiores aos que resultam das regras estabelecidas, o que faz com que o conjunto dos 100 medicamentos mais vendidos em 2005 sejam 18% mais caros do que seriam se o Governo obrigasse a indústria farmacêutica a cumprir a lei.

Outra política seria possível se o Governo quisesse. Uma política que incentivasse os medicamentos genéricos, a prescrição de qualidade e por DCI; uma política que desenvolvesse as farmácias públicas no SNS, podendo por exemplo aí disponibilizar medicamentos que assim sairiam mais baratos ao Estado e aos utentes; uma política que pelo menos introduzisse uma cláusula de salvaguarda para os utentes no sistema de preços de referência (que aliás o PS apoiou na passada legislatura).

A propósito de custos, e mesmo não sendo esse o tema deste debate, temos que assinalar que o Ministro da Saúde, julgo que para vergonha do seu próprio partido, (e entre outros dislates que me abstenho de referir), funciona como um aliado objectivo da campanha do Não à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, ao alinhar repetidamente as suas declarações sobre custos com a campanha dos que demagogicamente e com falsidade usam esse argumento para defenderem a continuação da prisão das mulheres. Pelo contrário não ouvimos o Ministro da Saúde falar dos custos para a saúde pública, das graves consequências para as mulheres do flagelo do aborto clandestino, das complicações que chegam aos hospitais públicos. Ou até, querendo falar de custos do facto de a OMS indicar que o tratamento das complicações do aborto clandestino custam 5 vezes mais do que a interrupção da gravidez feita com segurança em unidades de saúde.

Valha-nos o Professor Albino Aroso que esclareceu oportunamente que a maioria das interrupções de gravidez podem fazer-se recorrendo a medicamentos, como a pílula RU486, em relação à qual esta Assembleia recomendou em tempos ao Governo, por proposta do PCP, que diligenciasse no sentido da sua disponibilidade em hospitais públicos.

Insistentemente, começa agora a falar-se do financiamento da saúde. O Governo dá passos importantes no sentido de impor a filosofia do co-pagamento dos cuidados de saúde, mais ainda do que já existe, designadamente com a questão das novas taxas moderadoras. Isto é, onde a Constituição diz tendencialmente gratuito o Governo lê tendencialmente pago.

Deve ser por isso que o Sr. Ministro da Saúde se esqueceu de pôr no correio a carta que prometeu escrever ao Grupo Parlamentar do PS a pedir a fiscalização da constitucionalidade das novas taxas.

O que está em marcha, com o sustento de uma comissão que o Governo nomeou, com forte presença de assessores dos Ministérios da Saúde e das Finanças é a alteração do modelo de financiamento dos cuidados de saúde no sentido de diminuir a protecção e aumentar o pagamento, introduzindo crescentes desigualdades de acesso.

È verdade que é preciso melhor gestão dos recursos. Ela pode fazer-se. Mas como todos sabem as políticas economicistas de gestão geram mais desperdícios logo compensados com o corte no acesso e na qualidade.

A política do Governo em relação à rede de unidades de saúde está aí para o provar. È uma política que assenta no princípio dos três R's: reduzir, reduzir e reduzir. Assim se fecham maternidades, urgências hospitalares e em centros de saúde e se caminha para o encerramento completo e concentração de hospitais inteiros e de muitos centros de saúde.

É uma política que conduz a verdadeiros absurdos e distancia muitas populações das unidades de saúde. E a realidade tem vindo a provar que as compensações anunciadas pelo Governo para justificar os encerramentos não existem.

O dramático exemplo de Odemira que aliás já não é inédito vem demonstrar que faltam as capacidades de resposta para aquela, como para outras regiões. Bem se compreende que o Ministro da Saúde queira evitar a realização de um inquérito. É que inevitavelmente esse inquérito encontraria um responsável pela situação: o próprio Ministro da Saúde e o Governo.

O Governo é responsável pela existência de apenas uma viatura de emergência em todo o Alentejo. É responsável por esta viatura estar a uma hora de caminho de Odemira. É o responsável por não ter dado seguimento nem resposta concreta à proposta feita em 2004 por um grupo de 9 enfermeiros que se disponibilizavam a tripular uma viatura de emergência pré-hospitalar em Odemira para pelo menos minorar as mais do que evidentes insuficiências da VMER de Beja.

Por tudo isto é preciso pôr fim ao processo de privatização em curso na saúde, que tem como timoneiro o Ministro da Saúde e o seu Governo. Bem patente aliás na proliferação do investimento privado a contar com a falência e subordinação do SNS. Só a resposta dos serviços públicos garante o acesso aos cuidados de saúde e a autonomia do Estado na concretização da política de saúde. Há alguns anos atrás discutimos nesta Assembleia a chantagem das multinacionais da hemodiálise que impuseram um aumento do custo dos tratamentos recusando-se a receber novos doentes. O Governo da altura, também do PS, cedeu afirmando a sua incapacidade para dar resposta a esses doentes no Serviço Nacional de Saúde. Mas o mais espantoso é que já em 1992 um deputado do PS dizia neste Parlamento, referindo-se às "questões do domínio monopolístico" em matéria de hemodiálise: "São questões públicas, porque se há uma empresa que domina 40% do mercado de hemodiálise, não é a empresa que deve ser amaldiçoada mas o sistema que lhe permitiu o domínio do mercado, que deve ser corrigido". Este Deputado era, por incrível que pareça, O Deputado António Correia de Campos.

Passados estes anos a situação repete-se sem que tenha sido desenvolvida uma política consistente de aumento da capacidade pública nesta matéria. E mais uma vez o Governo está nas mãos das multinacionais. Este exemplo repetir-se-á muitas vezes se continuar a política de entrega da saúde aos privados. O Estado deixará de controlar quer a prestação de cuidados, quer até a gestão financeira da saúde.

Num tempo em que tanto se fala da necessidade de termos no nosso país sectores competitivos e de qualidade, bem podia o Governo valorizar um Serviço Nacional de Saúde classificado há uns anos como o 12º a nível mundial pela Organização Mundial de Saúde. Tal como diz a nossa Constituição, não se garante o direito à saúde sem o instrumento fundamental que é o SNS. Por isso a política que destrói o Serviço Nacional de Saúde é política que nega o direito à saúde.

O SNS permitiu ao longo das últimas décadas extraordinários ganhos para a saúde e qualidade de vida dos portugueses e no desenvolvimento do país. É preciso pois defendê-lo da voracidade dos interesses económicos e dos grupos de raiz financeira que preparam o grande assalto à saúde.

É preciso derrotar esta política.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,

Em primeiro lugar dirijo-me a V. Ex.ª para dizer que considero absolutamente inqualificável que um Ministro da Saúde de um Governo do nosso país venha a uma interpelação de um partido da oposição, uma figura muito importante do nosso Regimento, ler o texto da conferência de imprensa que fez no dia 2 de Janeiro deste ano com ligeiríssimas alterações.

Esta foi a intervenção do Sr. Ministro da Saúde! Eu estive a segui-la. Já a conhecia, mas estive a seguila com alguma atenção. Só se esqueceu de ler uma parte que vou ler: «São estes os nossos votos de Ano Novo para os portugueses a quem servimos, através do SNS, sob o lema ‘Saúde, um Bem para as Pessoas'.

Para mais, consulte-se a página do Ministério da Saúde».

Sr. Presidente, é inqualificável!!

Que o Governo não tem mais nada para dizer, já podíamos imaginar, agora que o Ministro da Saúde venha para um debate parlamentar ler a conferência de imprensa que fez há 15 dias atrás é totalmente inaceitável!! Queria, pois, lavrar aqui o nosso protesto.

Vou, então, colocar perguntas concretas ao Sr. Ministro, não vou deixar de o fazer, esperando que as respostas sejam um pouco mais do que o que está escrito no texto que já conhecemos.

Queria perguntar ao Sr. Ministro da Saúde se nada tem a dizer sobre o processo de saída de quadros altamente qualificados, equipas inteiras por vezes, das unidades do Serviço Nacional de Saúde para os novos investimentos do sector privado. Isso não incomoda o Ministro da Saúde?

Não é verdade que isso significa que as condições que estão a ser criadas no Serviço Nacional de Saúde são condições para que os profissionais não se sintam lá bem e que, pela primeira vez na história do nosso Serviço Nacional de Saúde, se deixem tentar pela ida para o sector privado, muitos deles estando até no sector público em exclusividade?

O Governo deste país nada tem a dizer acerca disso e sobre as consequências que daí advêm para o futuro do nosso Serviço Nacional de Saúde?

Queria também perguntar ao Sr. Ministro da Saúde se na nova lei dos cuidados primários de saúde dos centros de saúde vai ou não haver explicitamente aquilo que o Governo tem como intenção, ou seja, a entrega ao sector privado de uma parte da rede de cuidados primários de saúde.

Queria ainda perguntar ao Sr. Ministro se o Ministro da Saúde esqueceu também o programa eleitoral e o Programa do Governo relativamente à saúde pública: «A promoção da saúde pública tem de regressar à agenda política da saúde. O apoio a esses programas deve assentar nas instituições e logísticas de saúde pública, negligenciadas durante anos, e reforçar em meios e competências os centros regionais de saúde pública». É isto que diz o Programa do Governo. Entretanto, o Ministério da Administração Interna anuncia a passagem da saúde pública para as autarquias locais.

É este o cumprimento do Programa do Governo de que o Sr. Ministro se orgulha?

Estas são algumas das questões que ao longo desta interpelação insistentemente vamos colocar ao Sr. Ministro da Saúde, esperando uma resposta que seja um pouco mais do que a leitura de um texto que já conhecíamos e que não traz as respostas que os portugueses precisam de ouvir em matéria de política de saúde no nosso país.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Manuel Pizarro,

Em primeiro lugar, quero dar-lhe os parabéns por ter feito uma intervenção original, específica para este debate, o que julgo que o valoriza e valoriza também o contraditório nesta Câmara.

O Sr. Deputado quis fazer a análise do estado da oposição mas também é preciso olharmos para o estado da maioria. Ora, o estado da maioria «tem dias»...! «Tem os dias» em que, como agora, na sua intervenção, «aplaude entusiasticamente», palavras suas, a política do Governo e «tem os dias», como aconteceu na semana passada e vai acontecer daqui a pouco, nas votações, em que defende e aprova resoluções críticas em relação à política do Governo, aos genéricos, resoluções que não têm uma palavra sobre a política do Governo e propõem medidas que o mesmo não está a pôr em prática.

Quanto às unidades de saúde familiares - e não quero deixar de responder-lhe sobre isso -, está enganado, Sr. Deputado. Nós não criticamos apenas o ritmo. Sabemos que as mesmas foram apresentadas na base de bons princípios, princípios esses que estavam incluídos, por exemplo, em diplomas aprovados por anteriores governos do Partido Socialista, os quais, depois, o mesmo Partido Socialista nunca quis levar à prática.

O problema é que a realidade não são só os princípios que estão no papel. O que a realidade nos diz é que aquelas unidades estão a funcionar com dificuldades, que não é possível estendê-las a todos os centros de saúde, que há uma grande confusão entre os que estão e os que não estão nas unidades e que não há investimento suficiente, como, aliás, já reconheceu a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Saúde, para, de facto, pôr as unidades a funcionar de acordo com os princípios.

O Sr. Deputado não sabe que, no programa que estabelece os princípios dessas unidades, há um quinto patamar que é o da entrega das mesmas ao sector privado e que é esse para o qual o Governo se vai encaminhar em parte, quando quiser concluir, como vai concluir, que o resto do sistema já não está a funcionar?

Quanto aos cuidados continuados, digo-lhe, Sr. Deputado Manuel Pizarro, que não temos qualquer problema com essa questão. É positivo que haja um programa de cuidados continuados - aliás, o senhor tem andado desatento!

Mais: é inevitável que, em boa parte, esses cuidados continuados sejam contratualizados com instituições privadas de solidariedade social.

No entanto, era muito importante que o Estado desenvolvesse a sua própria rede - e isso não está a ser feito.

O Estado, nesta matéria, vai ficar numa posição absolutamente ínfima e residual - como acontece agora, com a hemodiálise, que é um bom exemplo -, por isso, no futuro, ficará nas mãos da prestação privada, o que é negativo até para a contenção dos custos, que tanto preocupa o seu Governo.

Queria terminar, fazendo-lhe a seguinte pergunta: o Sr. Deputado tem conhecimento de o seu grupo parlamentar já ter recebido a tal carta que o Ministro prometeu enviar para que pudessem pedir a fiscalização da constitucionalidade das novas taxas moderadoras, as tais que não moderam, as tais que são mais uma imposição e uma espécie de imposto sobre os que estão doentes e precisam de cuidados de saúde, e que torpedeiam o princípio da tendencial gratuitidade que está inscrita na Constituição?

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