Declaração de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Política Florestal e Incêndios – Sete anos depois dos incêndios de 2017

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Passaram, esta semana, sete anos sobre os fatídicos incêndios de 15 e 16 de Outubro de 2017, que atingiram diversos distritos do Centro e do Norte do País, destruíram centenas de milhar de hectares de florestas e matos, entre as quais mais de 9 mil hectares da Mata Nacional do Pinhal de Leiria, afectaram mais de 1500 habitações e actividades económicas, ao nível da indústria (em mais de 500 empresas) e da agricultura, tiveram sérios impactos na biodiversidade e, o mais grave de tudo, vitimaram mortalmente cinco dezenas de pessoas e provocaram 70 feridos. Em Junho desse ano, os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos tinham sido também varridos por trágicos incêndios que vitimaram 66 pessoas, para além de incalculáveis prejuízos materiais.

A esses dramáticos acontecimentos sucedeu-se uma floresta de alterações legislativas, a que o Governo PS se referiu como «a maior Reforma da Floresta desde D. Dinis». Como na altura assinalámos, essa opção tinha mais como objectivo poder, quando o fogo regressasse,  afirmar que tinha sido feito o possível do que concretizar as medidas que são necessárias para minimizar os incêndios e as suas consequências. 

Em 17 julho de 2018, o PCP afirmou «que o conjunto de diplomas da chamada Reforma Florestal, não resolveriam os problemas da floresta portuguesa, constituindo mesmo uma ilusão a ideia que [aí] estava a inversão do caminho que vinha sendo seguido há muito – falta de meios, recursos humanos e dotações financeiras para colocar em prática muito do que [estava] já legislado, designadamente a Estratégia Nacional Florestal». 

Desde esse momento até hoje, os incêndios continuaram a consumir centenas de milhar de hectares – 44 mil em 2018 (incluindo o maior incêndio desse ano na União Europeia, que dizimou 27 mil hectares na Serra de Monchique); 41 800 em 2019; 65 800 em 2020; 27 100 em 2021; 109 900 em 2022 (ano em que arderam 48 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela) ; 34 400 em 2023; e, de acordo com o Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais, 146 600 neste ano de 2024.

PS, PSD e CDS choram de novo lágrimas de crocodilo e apresentam-se com mais umas soluções prontas a servir. Mas eles foram e são os únicos responsáveis pela dimensão deste problema. 

Neste período, pela acção ou inacção de PS, PSD e CDS, não apenas continuam por resolver muitos problemas que os incêndios deixaram – na reposição da actividade produtiva como na reconstrução de habitações – como faltam as acções concretas para resolver os nós que condenam a floresta portuguesa.

Como afirmou o Secretário-Geral do PCP, a propósito dos incêndios do mês passado, a afirmação recorrente que, após os incêndios de 2017, ninguém se preocupou com a floresta tem como objectivo esconder que PS e PSD são os autores materiais das políticas que nos trouxeram a esta situação.

Situemos algumas dimensões dessa situação:

  • No que ao investimento no sector florestal diz respeito, o balanço dos últimos anos é particularmente negativo. Nos apoios comunitários, por exemplo, no PRODER, depois do corte de 150 milhões de euros decidido pelo Governo PSD/CDS, em 2011, ficaram por gastar 130 milhões. No PDR 2020, estão ainda por executar 100 milhões. No PEPAC, do Portugal 2030, que ainda nem se encontra regulamentado, o Governo decidiu agora, no âmbito da sua reprogramação, impor um corte de 44% (121 milhões) nas medidas ligadas à floresta;
  • Faltam no território equipas de sapadores florestais para as operações de prevenção e limpeza que são tão necessárias, porque PS, PSD e CDS não quiseram investir na sua criação e na valorização dos seus profissionais;
  • Prossegue a sangria no mundo rural, com a destruição de milhares de pequenas explorações. O caso da área de vinha é particularmente significativo, uma vez que se reduziu em cerca de 30% desde a adesão à União Europeia, sendo que, na região das Beiras que agora voltou a arder, só desde 2016, recuou em mais de 10%;
  • Os Agrupamentos de Baldios, experiência tão elogiada, estão há mais de um ano sem financiamento;
  • A distribuição das ajudas públicas para a floresta continua profundamente desigual, com a região onde não há incêndios, a grande propriedade do sul do País, a ser largamente favorecida;
  • O Pinhal de Leiria tem hoje um repovoamento que pouco ultrapassa os 50% da área ardida, mesmo que a venda da madeira tenha rendido ao Estado mais de 16 milhões de euros;
  • As espécies infestantes proliferam ainda em toda a área ardida, que, por exemplo, na zona de Pedrogão Grande, se encontra em pior estado que antes do incêndio;
  • O cadastro das propriedades rurais continua por completar, mesmo na sua forma simplificada (estão apenas cadastradas 28% das propriedades dos concelhos envolvidos), porque isso custaria cerca de 700 milhões de euros que PS e PSD insistiram em não financiar, atirando a responsabilidade para cima das autarquias;
  • Os bombeiros e a Protecção Civil estão ainda carentes de todos os meios humanos e materiais para combater o fogo;
  • Os mosaicos florestais com espécies autóctones, mais resistentes ao fogo, continuam por concretizar,
  • Ainda não está completada a Rede Primária de Gestão de Combustível e a utilização de fogo controlado com o mesmo fim está a níveis residuais.
  • O ICNF continua sem ver completado o seu quadro de pessoal. Para um mapa de pessoal que prevê 2343 trabalhadores, estavam apenas preenchidos, em 2023, 1446 lugares (61,7%).

O que falta não são mais grupos de trabalho, relatórios ou mais leis. Até porque, no que depende do Governo, há ainda muito por fazer. Como está a aplicação dos Planos Regionais de Ordenamento da Floresta? Como está a aprovação das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem? Qual o grau de execução do Vale Floresta, que era até, supostamente, um apoio simplificado?

O PCP chama vivamente a atenção para que a situação não se resolve nem com o ressuscitar da velha tese dos incendiários, que obviamente existem e cujo combate é indispensável intensificar, mas que, pelos dados existentes, continuam a não ser a razão principal dos incêndios, nem atirando as responsabilidades para os pequenos e médios proprietários ou para a ideia da existência generalizada de terras sem dono.

Se assim fosse, seria fácil ao Governo tornar público quantos e quais são os terrenos sem dono neste momento identificados, no âmbito do registo no cadastro simplificado.

Face à realidade presente, e aos impactos dos incêndios que, no passado mês de Setembro, assolaram o Centro do País, o PCP alerta para o seguinte:

  • É urgente concluir os processos legislativos, aprovando, em votação final, as propostas que o PCP apresentou que alargam os apoios simplificados às vítimas para 10 mil euros (incluindo às poucas dezenas que já receberam o valor de 6 mil euros), asseguram apoios pelos rendimentos perdidos e garantem a instalação de parques de recepção de madeira ardida; que reforçam os direitos e regalias dos bombeiros e que reconhecem a profissão de bombeiro como de risco e desgaste rápido;
  • É necessário assegurar um preço justo pela madeira, que permita aos produtores fazerem a gestão activa da floresta;
  • É indispensável garantir os apoios à pequena agricultura e ao mundo rural, para garantir a fixação das populações, o que implica o abandono da actual proposta de reprogramação do PEPAC e a sua substituição por uma outra que preveja uma mais justa distribuição dos apoios, por região e por produtor.

Quando o Governo, face ao desastre dos incêndios de Setembro, volta a falar de novos grupos de trabalho, o PCP sublinha que o que faz falta é cumprir os objectivos incluídos na Lei de Bases da Floresta que, no seu artigo 21.º, indicava, já há 26 anos, as medidas de carácter prioritário e urgente:

  • O reforço da prevenção, vigilância e apoio ao combate aos fogos florestais;
  • A definição e implementação de normas técnicas relativas à estrutura e composição dos povoamentos e à rede de infra-estruturas nos espaços florestais, com vista à minimização dos riscos de incêndio;
  • O reforço e expansão do corpo de sapadores florestais;
  • O reforço, valorização profissional e dignificação do corpo de guardas florestais;
  • A realização do cadastro da propriedade florestal;
  • O ordenamento agro-florestal, com a defesa dos ecossistemas de sensibilidade ecológica;
  • A elaboração dos PROF e dos PGF, que reflictam os princípios de uso múltiplo, da utilização social, da biodiversidade e do desenvolvimento sustentado da floresta;
  • O fomento e apoio das organizações dos produtores florestais; 
  • A promoção, a todos os níveis, de acções de sensibilização dos cidadãos, em particular dos jovens, para a importância da salvaguarda e valorização dos recursos florestais.

Como fez anteriormente, em que apresentou na Assembleia da República dezenas de propostas para alocar meios à política florestal – proposta chumbadas por PS e PSD –, o PCP não deixará de se bater por cada uma delas, desde logo no debate do Orçamento do Estado.

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