Projecto de Resolução N.º 521/XIII/2.ª

Pelo fim do processo de demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa

Pelo fim do processo de demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa

A Ria Formosa é uma das mais importantes zonas húmidas de Portugal, pela sua dimensão, diversidade e complexidade, cobrindo uma superfície de cerca de 18.000 hectares, incluindo a área submersa, que se estende ao longo de 57 km pelos concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. A sul é delimitada por um sistema de ilhas-barreira constituído por cinco ilhas e duas penínsulas arenosas (Ancão, Deserta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e Cacela).

Constituindo um valioso património natural, a Ria Formosa reveste-se ainda de grande importância do ponto de vista económico, social e cultural, estando intimamente ligada à vida, cultura e tradições das populações locais.

A coberto de uma suposta defesa dos valores naturais, sucessivos governos procuraram expulsar as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa, assim como limitar ou mesmo eliminar o direito das populações à utilização dessas ilhasbarreira como espaço de residência, de desenvolvimento da sua atividade económica e também como espaço de lazer e fruição, com o objetivo – nunca declarado – de entregar este valioso património natural aos grandes interesses privados para que estes o explorem em seu benefício.

Assim, a renaturalização das ilhas-barreiras não passa de um mero pretexto para entregar uma das mais valiosas parcelas da orla costeira nacional (das poucas que escaparam no Algarve) à avidez dos grandes grupos económicos, sacrificando os direitos das populações, os seus hábitos e meios de subsistência e a própria conservação da natureza a esse objetivo.

O anterior Governo PSD/CDS acelerou a ofensiva contra as comunidades locais das ilhas-barreira, dando início ao processo de demolição de habitações. Foram efetuadas demolições nos ilhotes da Ria Formosa e na península do Ancão (praia de Faro). Nos
núcleos da Culatra, do Farol e dos Hangares as demolições foram travadas pela corajosa luta das comunidades locais.

Quando se exigiam intervenções no sentido de proteger e salvaguardar os recursos e valores naturais, de proteger a orla costeira de processos de erosão e de melhorar o funcionamento do sistema lagunar por via de dragagens, quando se exigiam investimentos na requalificação das zonas edificadas nas ilhas-barreira, quando se exigia o apoio às atividades económicas e em particular às atividades de pesca e marisqueio de que dependem milhares de famílias, o anterior Governo PSD/CDS optou por direcionar milhões de euros do erário público para a demolição de habitações nas ilhas-barreira da Ria Formosa, visando expulsar as comunidades locais para abrir caminho à "renaturalização" destas ilhas e posterior entrega aos grandes interesses privados.

Na anterior legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Assembleia da República dois projetos de resolução (n.º 1253/XII/4.ª – “Pela suspensão das demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa” e n.º 1308/XII/4.ª – “Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhasbarreira da Ria Formosa e imediata suspensão das demolições de habitações na Culatra, Hangares, Farol, península do Ancão e ilhotes da Ria Formosa”) em defesa das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa. Apesar de terem sido rejeitados pelo PSD e pelo CDS, a discussão destes projetos de resolução do PCP deu um importante contributo para a luta das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa em defesa das suas habitações e pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos destas ilhas-barreira.

A nova composição da Assembleia da República, resultante das eleições legislativas de outubro de 2016, abriu a possibilidade de travar o processo de demolições nas ilhasbarreira da Ria Formosa. Efetivamente, os partidos que anteriormente haviam votado a favor dos projetos de resolução do PCP – PS, PCP, BE e PEV – passaram a dispor de uma maioria de deputados.

Assim, neste novo quadro político, o PCP, honrando os seus compromissos eleitorais, apresentou na Assembleia da República o Projeto de Resolução n.º 32/XIII/1.ª – “Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhasbarreira da Ria Formosa e pelo fim das demolições de habitações nessas ilhasbarreira”.

Contudo, também este Projeto de Resolução foi rejeitado, já que o PS alterou o seu sentido de voto, optando por uma abstenção, quando anteriormente havia votado a favor. Tal incoerência por parte do PS constituiu motivo de profunda preocupação por indiciar uma mudança de posição relativamente às demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa.

Esta mudança de posição veio a confirmar-se recentemente. No passado dia 27 de setembro, ao mesmo tempo que na Assembleia da República o Ministro do Ambiente afirmava que nada estava decidido relativamente às demolições, no Algarve a Sociedade Ria Formosa Polis Litoral avançava para a tomada de posse administrativa de habitações das ilhas-barreira da Ria Formosa para, seguidamente, proceder à sua demolição coerciva. No dia seguinte, 28 de setembro, os proprietários começaram a receber as notificações sobre a tomada de posse administrativa das suas habitações, marcada para o próximo dia 27 de outubro.

Desta forma, o PS, rompendo os seus compromissos com as populações, assumidos antes das eleições legislativas de outubro de 2015, prossegue o processo de demolições iniciado pelo anterior Governo PSD/CDS, visando a expulsão das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa para, mais à frente, entregar este valioso património aos grandes interesses ligados ao setor imobiliário e turístico para que estes o explorem em seu benefício.

Quanto ao PCP, como sempre, honramos os nossos compromissos. Mantemos hoje aquilo que dissemos antes das eleições. Aquilo que defendemos no Algarve é aquilo que fazemos em Lisboa, na Assembleia da República. Estamos, inequivocamente e sem subterfúgios, ao lado das populações na sua persistente e corajosa luta contra as demolições, pela requalificação dos núcleos urbanos das ilhas-barreira, pela defesa e preservação dos valores naturais e pela valorização das atividades produtivas na Ria Formosa.

Pelo exposto, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo que:

1. Ponha fim ao processo de demolição de habitações nas ilhas-barreira da Ria Formosa.

2. Reconheça o valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhasbarreira da Ria Formosa e traduza esse reconhecimento nos diversos instrumentos de planeamento e ordenamento do território.

3. Inicie um processo de diálogo com as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa, visando a adoção de medidas para a preservação dessas comunidades.

4. Proceda à requalificação de todos os núcleos urbanos e dos espaços balneares das ilhas-barreira da Ria Formosa, melhorando as condições de vida das comunidades residentes nessas ilhas-barreira e garantindo o direito de fruição desses espaços por parte das populações locais e dos turistas que visitam a região.

5. Proceda à requalificação do sistema lagunar da Ria Formosa, nomeadamente, através das seguintes medidas:

a. Reforço dos meios financeiros e humanos dos organismos públicos responsáveis pela proteção e conservação da Ria Formosa, assim como dos organismos de Estado responsáveis pela monitorização laboratorial da qualidade da água da Ria Formosa;
b. Levantamento exaustivo das fontes de poluição e de deterioração da qualidade da água na Ria Formosa e adoção de medidas à eliminação dessas fontes de poluição;
c. Realização de dragagens na Ria Formosa, visando a melhoria das condições de escoamento e da qualidade da água, assim como de navegabilidade;
d. Criação de um plano integrado para a proteção da orla costeira, adotando medidas que possam constituir soluções de longo prazo.

6. Apoie as atividades económicas desenvolvidas na Ria Formosa e implemente uma política de promoção de fileiras produtivas em torno das pescas e da produção e apanha de moluscos bivalves, que potencie a criação de emprego, o desenvolvimento da indústria, o respeito pelo meio ambiente e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das populações.

Assembleia da República, em 19 de outubro de 2016

  • Ambiente
  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Projectos de Resolução
  • Demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa;