O debate que hoje aqui fazemos é mais um de muitos em relação a diversos aspetos que se prendem com o bem-estar animal e a proteção dos animais.
Desde que, há muitos milénios, se foi estabelecendo, desenvolvendo a agricultura e criando cidades, o homem foi aprofundando a sua relação com os animais, especialmente o cão e o gato, representantes primeiros do que hoje designamos animais de companhia.
Mas nunca, como hoje, o animal de companhia, como se classifica modernamente, teve tanta importância na vida das pessoas e das famílias – dos rituais domésticos às preocupações com a sua saúde e bem-estar e mesmo na construção e partilha de afetos.
Há hoje um amplo consenso sobre o significativo avanço civilizacional expresso no reconhecimento do bem-estar dos animais e na necessidade de os proteger contra os maus-tratos em geral, a dor e o sofrimento infligidos sem motivo legítimo.
Esse consenso resulta de uma progressiva e crescente tomada de consciência para a convivência harmoniosa entre os seres humanos e os restantes animais, como o PCP tem defendido em sucessivos debates.
Trata-se de considerar que não há lugar – cito – “a um antropocentrismo despótico que se desinteressa das outras criaturas”, numa síntese feliz do Papa Francisco, na sua carta encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), de 24 de maio de 2015.
É necessário agir na educação para o respeito pelos animais, como pelos outros, de resto, e em medidas de prevenção, de dissuasão e de fiscalização que evitem das situações de maus-tratos e abandono.
Por isso, neste debate, o PCP coloca em discussão um projeto de lei com vista a um regime sancionatório contraordenacional aplicável aos animais de companhia.
Este projeto visa a punição de quem, “sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos físicos a um animal de companhia”, ou de quem, “tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar”.
O caminho que está a ser proposto por outras forças políticas consiste em insistir e agravar penas do Código Penal, uma opção que a vida já mostrou ser desproporcionada, implica a mobilização de meios de investigação, de órgãos de polícia e dos tribunais, num esforço cheio de obstáculos, além comportar o risco de instrumentalização da queixa-crime ou mesmo de fomento da denúncia vingativa em conflitos entre vizinhos.
Além da intervenção do Estado e dos seus organismos, das autarquias e das polícias, designadamente na fiscalização, devem ser privilegiadas medidas e ações no plano educativo e pedagógico de promoção das preocupações com o bem-estar animal, essenciais a uma adesão consciente aos valores que se pretende promover.
Há, assim, que ir fazendo caminho.
O PAN traz também a debate uma proposta para a realização de um referendo sobre a abolição das touradas.
O tema que requer amadurecimento da reflexão sobre uma prática que divide a sociedade portuguesa de forma muito sensível, a ponto de despertar apaixonados antagonismos e receio pelos efeitos de uma proibição junto de algumas comunidades.
A despeito de alterações de tendência de opinião, subsiste uma enorme clivagem, com arreigado apego de uns ao que entendem como espetáculo artístico que integra a cultura popular e “pleno de rituais e simbologias”, a par da sua verberação, por outros, como degradante, bárbaro, cruel e indigno de uma sociedade moderna.
Em todo o caso, independentemente da questão substantiva, o projeto de Resolução para a realização de um referendo enferma de um problema constitucional:
A CRP determina (artigo 115.º, n.º 3) que o referendo só pode ter por objeto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela AR ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de ato legislativo, como seria o caso.
Independentemente de saber se a questão é de relevante interesse nacional (admitamos que sim), a CRP pressupõe que haja um dever de decisão (que devam ser decididas), no caso, “por ato legislativo”.
Ora, só há um dever de decisão se houver uma proposta de ato legislativo concreto sobre o qual a AR tenha o dever de decidir. Ou seja, não pode haver referendo sobre uma proposta inexistente ou hipotética. Onde está o projeto de ato legislativo que o PAN pretende submeter a referendo?
Não é por acaso que a lei do referendo (artigo 17.º, n.º 7) determina, no caso de referendo proposto por iniciativa popular, que “quando não se encontre pendente ato sobre o qual possa incidir referendo, deve a iniciativa popular ser acompanhada da apresentação de projeto de lei relativo à matéria a referendar”.
Perguntar-se-á: se é feita essa exigência em relação à iniciativa popular, porque não é feita em relação aos deputados e ao Governo? Pela simples razão de que se pressupõe que essa iniciativa exista porque sem ela não há qualquer ato referendável.
E não se diga que, a ser aprovada a pergunta proposta em referendo, haveria a obrigatoriedade de revogação do regime legal que permite as touradas, porque a formulação constitucional (questões que devam ser decididas) exclui as questões que já tenham sido decididas. Ou seja, a CRP não permite o referendo revogatório de legislação vigente.
Senhores Deputados,
O que se impõe no essencial é avançar no sentido de melhorar a educação para o convívio com os animais e a sua proteção, assim como de aprofundamento de uma relação saudável e humana.