O Governo PSD/CDS-PP anunciou a reorganização hospitalar como um dos grandes objetivos da sua política de saúde, não para melhorar a acessibilidade e a qualidade dos cuidados de saúde mas para reduzir a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o investimento público, com o encerramento, concentração e redução de serviços e valências.
A transferência de hospitais públicos para as misericórdias é uma das medidas deste Governo que se insere na estratégia de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, para beneficiar as entidades privadas. Portanto, a transferência de hospitais para as misericórdias mais não é do que um processo de privatização encapotado. Trata-se efetivamente da transferência de serviços públicos para entidades privadas independentemente da natureza destas.
A transferência de hospitais públicos para as misericórdias corresponde à desresponsabilização do Governo na garantia do direito universal à saúde e na prestação de cuidados de saúde eficazes e de qualidade.
Para proceder à transferência dos hospitais públicos para as misericórdias o Governo publicou o Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de outubro, que “define as formas de articulação do Ministério da Saúde e os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com as instituições particulares de solidariedade social, bem como estabelece o regime de devolução às Misericórdias dos hospitais objeto das medidas previstas nos Decretos-Leis n.ºs 704/74, de 7 de dezembro, e 618/75, de 11 de novembro, atualmente geridos por estabelecimentos ou serviços do SNS”.
O Grupo Parlamentar do PCP apresentou uma apreciação parlamentar referente a este decreto-lei com vista à sua revogação.
O Decreto-Lei nº 138/2013, de 9 de outubro determina que os hospitais serão transferidos para as misericórdias mediante a celebração de acordos de cooperação. Refere que o acordo tem um prazo de duração de 10 anos e que deve reduzir os encargos do SNS em pelo menos 25%. Essa redução terá necessariamente implicações na qualidade e na acessibilidade aos cuidados de saúde e ao nível dos profissionais de saúde. Não salvaguarda os postos de trabalho existentes nem os direitos dos trabalhadores e também não faz nenhuma referência às condições de transferência de equipamentos, adquiridos com recursos públicos, ou aos investimentos entretanto realizados ao longo dos anos nos edifícios.
Neste processo não há proteção dos interesses públicos nem dos utentes, para além de ter avançado à margem dos utentes, dos profissionais de saúde, das organizações representativas dos trabalhadores e das autarquias.
Contrariamente à ideia que se procura passar, todos estes anos o Estado pagou uma renda às misericórdias pela utilização dos edifícios onde funcionam os hospitais que são sua propriedade.
O Governo já firmou os primeiros acordos de cooperação para privatizar os hospitais de Anadia, Fafe e Serpa e prepara-se agora para privatizar os hospitais do Fundão, Santo Tirso e São João da Madeira, tendo assumido esse compromisso no Compromisso de Cooperação assinado entre o Governo e a União das Misericórdias Portuguesas em dezembro de 2014.
O Hospital do Fundão foi inaugurado em 16 de outubro de 1955, tendo sido integrado na rede pública de hospitais em abril de 1974 e em 1983 classificado como hospital distrital. Em 1999 foi integrado conjuntamente com o Hospital Pêro da Covilhã no Centro Hospitalar Cova da Beira.
Durante estes anos o Estado pagou uma renda à Misericórdia do Fundão pela utilização do espaço e realizou inúmeras melhorias no edificado, tendo inclusivamente construído um novo edifício, que entrou em funcionamento em 2008.
Atualmente, o Hospital do Fundão tem três grandes áreas de intervenção: o internamento, com o serviço de infecciologia, o serviço de medicina e alcoologia e a unidade de cuidados paliativos; as consultas externas de diversas especialidades e a imagiologia e patologia clínica com alguns exames complementares de diagnóstico e terapêutica. No Hospital do Fundão há também um serviço de medicina física e de reabilitação e a farmácia. O Hospital do Fundão foi pioneiro na criação de uma unidade da dor, um serviço de excelência, que ainda hoje presta cuidados de saúde de grande qualidade.
Nos últimos anos, devido ao desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, o Hospital do Fundão também foi sendo progressivamente esvaziado, designadamente com o encerramento do serviço de urgências e a concentração das cirurgias no Hospital Pêro da Covilhã.
O plano estratégico de desenvolvimento do Centro Hospital da Cova da Beira, que prevê a criação de uma unidade de cuidados continuados (com reforço na valência de convalescença e paliativos), o reforço da área de ambulatório, a disponibilização de mais especialidades nas consultas externas, o reforço dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, o reforço da medicina física e de reabilitação e a criação do serviço de medicina nuclear, pode ficar comprometido, com a privatização do hospital.
À semelhança dos processos anteriores, este também está a ser feito à revelia dos profissionais de saúde, das organizações representativas dos trabalhadores e dos utentes. O próprio Conselho de Administração do Centro Hospitalar Cova da Beira foi apanhado de surpresa, tendo emitido um comunicado em dezembro de 2014, onde afirma que não teve nenhum envolvimento neste processo, nem tinha conhecimento desta intenção.
O Hospital do Fundão tem cerca de 130 trabalhadores, sem contar com os médicos. Há uma enorme preocupação entre os trabalhadores sobre a manutenção dos seus postos de trabalho e dos seus direitos. Não têm nenhuma garantia e temem que possam estar na linha da frente para a dita requalificação. Os profissionais de saúde estão bastante apreensivos quanto ao futuro desta unidade hospitalar e quanto ao futuro do seu posto de trabalho. Alguns profissionais já pediram inclusivamente transferência do seu posto de trabalho face à incerteza existente.
Não há também garantia da salvaguarda dos interesses públicos no que toca aos equipamentos existentes e aos investimentos realizados no edificado, com recursos públicos.
A privatização do Hospital do Fundão tem também implicações quanto ao futuro do Hospital Pêro da Covilhã e quanto ao ensino da medicina na Cova da Beira que não podem ser ignoradas. O Hospital do Fundão, ao integrar o Centro Hospital Cova da Beira, tem um papel importante na formação de novos médicos. Atualmente o Hospital do Fundão tem cerca de 130 alunos por ano para estágios (de uma a duas semanas) nas áreas de infecciologia e medicina interna.
Conhecemos hoje preocupações quanto à transferência do hospital da esfera pública para a esfera privada, sem a existência de nenhum estudo técnico que demonstre a existência de vantagens do ponto de vista clínico. Conhecemos ainda preocupações quanto à capacidade da Misericórdia para assegurar a prestação de cuidados de saúde tão diferenciados e com qualidade.
Para o PCP a solução que defende os utentes, o Serviço Nacional de Saúde e o ensino da medicina é manter o Hospital do Fundão na esfera pública. O que é preciso é reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde, dotando-o dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados para responder adequadamente às necessidades da população e não fragilizá-lo.
Só desta forma se garante a universalidade, a acessibilidade, a qualidade e a eficácia dos cuidados de saúde.
Só a gestão pública dos hospitais integrados no SNS cumpre os princípios constitucionais.
Neste sentido o PCP propõe a manutenção da gestão Hospital do Fundão na esfera pública.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição que:
1. Mantenha a gestão do Hospital do Fundão na esfera pública, revogando o acordo estabelecido com a União das Misericórdias Portuguesas;
2. Reforce os serviços e valências do Hospital do Fundão, nomeadamente com a criação de uma unidade de cuidados continuados, o reforço da área de ambulatório, a disponibilização de mais especialidades nas consultas externas, o reforço dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, o reforço da medicina física e de reabilitação e a criação do serviço de medicina nuclear;
3. Reabra o Serviço de Urgência no Hospital do Fundão;
4. Dote o Hospital do Fundão dos profissionais de saúde necessários e proceda à integração de todos em contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado pondo fim às desigualdades que hoje existem entre trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas e trabalhadores com contratos individuais de trabalho.
Assembleia da República, em 11 de fevereiro de 2015