Intervenção de

PCP questiona Governo pela «amnistia» de infracções laborais

Declaração política sobre as consequências do vazio legal resultante da revogação do regime sancionatório das infracções laborais
 
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A aprovação do Código do Trabalho, pela maioria parlamentar do PS na anterior legislatura, constituiu uma autêntica declaração de guerra contra os trabalhadores portugueses. O retrocesso desta legislação, cujo conteúdo importa alterar para melhor, é revelador das opções de classe que o PS tomou na altura e cujo actual Governo parece não só querer manter como agravar, tal como se comprova pelas declarações de hoje da Ministra do Trabalho, admitindo expressamente aplicar a chamada «flexigurança».
Seguindo as orientações neo-liberais desenhadas para aumentar a exploração de quem trabalha e promover cada vez maiores concentrações de riqueza, o PS aprovou um Código do Trabalho que visa concretizar estes objectivos, agravando as desigualdades e as injustiças sociais.
Um dos aspectos reveladores dessa opção de classe é o facto de o PS ter revogado o regime sancionatório em diversas matérias sem acautelar o vazio legal que isso representava e assim criou uma situação de profunda injustiça relativamente a milhares de trabalhadores, deixando sem sanção a violação de normas que tutelam direitos fundamentais como a higiene, a saúde e a segurança no trabalho.
Confrontado com tal situação, o PS impôs uma declaração de rectificação, já após a vigência do Código do Trabalho, que representava uma alteração material e não meramente formal ao Código do Trabalho, situação para a qual o PCP alertou.
Na devida altura afirmámos que a solução apresentada pelo PS oferecia sérias dúvidas quanto à sua legalidade, uma vez que o PS estava, na realidade, a alterar materialmente uma lei, quando não o podia fazer por essa via.
Assim, o PS e o anterior Governo, não obstante os sucessivos avisos sobre as consequências que tal acto acarretava, não quiseram legislar em tempo para corrigir este acto irresponsável.
Consciente de que a declaração de rectificação era ilegal e inconstitucional, o PCP propôs a correcção desta grave situação através do projecto de lei n.º 727/X, apresentado no dia 8 de Abril de 2009, que foi rejeitado pelo Partido Socialista, porquanto este partido estaria em desacordo com a jurisprudência que tem considerado a declaração de rectificação como ilegal.
No debate desta iniciativa do PCP, que resolvia rapidamente o problema criado pelo Partido Socialista, dizia o Sr. Deputado Jorge Strecht: «não é um problema de má vontade, é um problema de bom senso» para justificar o voto contra.
Ora, o dito «bom senso» que sobrava na bancada do PS era consecutivamente confrontado com as sentenças que consideravam ilegal e inconstitucional a chamada «Declaração de Rectificação».
Assim, diversos tribunais foram aplicando a lei e, por culpa exclusiva do Partido Socialista, foram revogando as contra-ordenações aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho. O Tribunal de Vila Nova de Gaia revogou uma coima de 2200 euros aplicada por falta de seguro de acidentes de trabalho e pela não promoção de exames de saúde aos trabalhadores por considerar que a declaração de rectificação era ilegal.
O Tribunal de Santa Maria da Feira revogou uma coima no valor de 4450 euros, por contra-ordenação muito grave em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
O Tribunal do Barreiro declarou «ilegal e inconstitucional» a declaração de rectificação, pelo que declarou extinto o procedimento contra-ordenacional, deixando sem qualquer protecção um trabalhador que foi electrocutado, em consequência de um grave acidente de trabalho. O infractor ficou, assim, sem pagar uma coima no valor de 5 mil euros.
Assim, as consequências da revogação do regime sancionatório pelo PS já estavam a sentir-se na vida dos trabalhadores aquando da discussão da iniciativa do PCP, pelo que a sua não aprovação pela maioria parlamentar do PS apenas pode significar que o PS tomou a deliberada decisão de deixar sem punição essas graves infracções.
Infelizmente, a realidade veio dar-nos razão. Recentemente, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º do Código do Trabalho, na redacção conferida pela declaração de rectificação aprovada pelo Partido Socialista.
Importa referir que não se trata de um erro, de um lapso, de esquecimento ou distracção. O PS, ao não corrigir o vazio legal em devido tempo e ao não aprovar o projecto de lei do PCP, discutido no dia 24 de Abril, que corrigia precisamente esse vazio, é objectivamente responsável pela criação de uma espécie de «amnistia» das infracções laborais em matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho entre o período de Fevereiro e Outubro de 2009.
Aliás, aquando da discussão da nossa iniciativa legislativa, afirmámos que «se o PS inviabilizar o presente projecto de lei e se não for feita uma rápida discussão na especialidade, o PS é objectivamente cúmplice com a impunidade, com a não aplicação de sanções a quem viola a lei nestas áreas fundamentais para os trabalhadores.»
Agora, de acordo com notícias vindas a público, a Autoridade para as Condições do Trabalho anda literalmente a «correr atrás do prejuízo» enviando novamente os inspectores do trabalho às mesmas empresas para verificar se as infracções subsistem.
Contudo, esta acção não permite recuperar os montantes das contra-ordenações aplicadas no período de oito meses «amnistiado» pelo PS se estas empresas intentarem a respectiva acção em tribunal.
Assim, podemos estar face a muitos milhares de euros que o Estado deixa de arrecadar e a centenas de trabalhadores que ficam sem justiça por culpa do PS. Porque entendemos que é urgente o total apuramento das consequências, hoje apresentamos uma pergunta ao Governo para que este nos informe quanto é que o Estado português deixou de receber por causa desta acção irresponsável do Partido Socialista.
Para o PCP «a culpa não pode morrer solteira». Denunciámos publicamente a responsabilidade do PS em criar esta «amnistia» para as entidades patronais que violaram a lei e colocaram a saúde e a vida dos trabalhadores em risco entre Fevereiro e Outubro de 2009, permitindo que o crime tivesse compensado.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Coloca as questões de uma forma bastante pertinente. É verdade que, nesta Assembleia da República, todos estamos recordados de como foi o final da legislatura passada, com a arrogância e a teimosia do Partido Socialista em não ouvir as restantes bancadas da oposição.
É verdade que absolutamente todas as bancadas da oposição alertaram em devido tempo para este facto e todos os grupos parlamentares apresentaram, inclusivamente, iniciativas legislativas. O Partido Socialista ficou impávido e sereno face à constatação deste facto que todos denunciavam em devido tempo. O Partido Socialista nada fez, apenas mandou a sua «tropa de choque» para confronto parlamentar, nomeadamente o Sr. Deputado Jorge Strecht, para aduzir um conjunto de argumentos algo vazios, e nada fez para corrigir esta injustiça.
Portanto, esta teimosia não pode ser considerada inconsciente! Foi deliberada, conscientes de que estariam a prejudicar os trabalhadores e o Estado, porque foram devidamente alertados para isto, houve iniciativas legislativas, as quais o Partido Socialista, pura e simplesmente, rejeitou.
Portanto, os prejudicados são os do costume e também o Estado, que já perdeu e vai continuar a perder milhares de euros em contra-ordenações que não vão ser aplicadas por culpa dos erros que o Partido Socialista cometeu arrogantemente. Importa, por isso, denunciar essa matéria.
Mas, mais do que isso, os trabalhadores ficaram sem qualquer protecção, ficaram com um regime sancionatório revogado, o que não lhes permite intervir no mundo do trabalho para corrigir as graves infracções que são cometidas contra eles.
Aqui fica provada a orientação imposta pela bancada do Partido Socialista nestas matérias, prejudicando sempre e sempre os trabalhadores e beneficiando as entidades patronais.
 (...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,
Permita-me que discorde de V. Ex.ª, na medida em que não consideramos que se trata de uma falta de jeito. É verdade que, na aprovação da legislação laboral, nas discussões que tivemos em sede de Comissão de Trabalho, houve diferentes aspectos em que essa falta de jeito se comprovou, mas - e percebo a sua tentativa de ser simpático para com a bancada do Partido Socialista... - não concordamos com essa perspectiva, porque só teria sido falta de jeito se o Partido Socialista tivesse «dado a mão à palmatória» e tivesse corrigido o erro. Ora, o problema é que o Partido Socialista deparou-se com o erro, foi alertado para o erro e não o corrigiu.
Nessa altura, diferentes bancadas parlamentares apresentaram iniciativas legislativas para corrigir esse erro e, mesmo assim, a bancada do Partido Socialista não o corrigiu. Por isso não se trata de falta de jeito; trata-se, sim, claramente, de uma opção de classe, em que o que o Partido Socialista fez foi deliberadamente beneficiar os infractores, as entidades patronais. Essas opções de classe ficaram claras e, ainda hoje, a Sr.ª Ministra do Trabalho disse claramente que iria aplicar a chamada «flexigurança» no mercado laboral português, beneficiando claramente, mais uma vez, as entidades patronais.
Portanto, aqui não se trata, como algumas notícias da comunicação social disseram, de um erro, de um lapso ou, sequer, de uma distracção ou de uma falta de jeito; existe aqui uma opção de classe, claramente marcada, em que quem sai prejudicado são os trabalhadores e é mais uma medida a favor do patronato, desta vez absolutamente imoral e ilegítima, porque se trata da violação de regras de higiene e segurança no trabalho, que comprometem a vida e a saúde dos trabalhadores
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gambôa,
Nós recusamos liminarmente que se tenha tratado de um erro colectivo.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista impôs a discussão do Código do Trabalho de uma forma absolutamente acelerada, despropositada e sem as condições necessárias para que ela tivesse sido feita nas condições normais que Assembleia da República precisava. Mas, depois, quando se reparou no erro, a bancada do Partido Socialista impôs na Comissão de Trabalho uma declaração de rectificação. Nessa altura, todas as bancadas - não foi só a bancada do PCP - alertaram para o facto de essa declaração de rectificação versar sobre aspectos materiais da lei, e não apenas sobre uma questão de redacção, e disseram que essa via era ilegal e inconstitucional.
Nós, na altura, alertámos para esse facto e, por isso, a Sr.ª Deputada não pode dizer que se trata de um erro colectivo.
O Partido Socialista, pura e simplesmente, não ligou a essas críticas por parte da oposição, e o que é que aconteceu? Os tribunais começaram a decidir e o PCP apresentou um projecto de lei para corrigir o erro. O que é que a sua bancada fez, Sr.ª Deputada? Rejeitou o nosso projecto de lei, dizendo que não se tratava de uma questão de boa vontade ou de boa-fé mas, sim, de uma questão de bom senso. Ora, o bom senso determinou que os tribunais aplicassem a lei, tal como qual está previsto na Constituição da República Portuguesa, e consideraram ilegal a rectificação feita pelo Partido Socialista.
Portanto, Sr.ª Deputada, não se trata de um erro colectivo, trata-se, sim, objectivamente, de uma decisão deliberada do Partido Socialista, de uma decisão política relativamente a esta matéria, que tinha como objectivo criar uma amnistia para as infracções laborais durante este período.
Portanto, a sua leitura não pode ser retirada pelo facto de termos apresentado, em devido tempo, um projecto de lei, para que não se fizessem sentir as consequências do erro cometido pelo Partido Socialista, mas o Partido Socialista deixou bastante claro de que lado estava - estava do lado do patronato e, por isso, não aprovou o projecto de lei que o PCP apresentou.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Arménio Santos,
O debate travado é bem revelador da posição que o Partido Socialista, em devido tempo, assumiu neste Plenário para corrigir este erro.
O Sr. Deputado Jorge Strecht dizia que não era um problema de má vontade, que era um problema de bom senso e de uma forma arrogante, pura e simplesmente, o PS votou contra os diferentes projectos de lei da oposição que estavam a ser discutidos nessa tarde, para, clara e deliberadamente, beneficiar o infractor.
O Sr. Deputado Arménio Santos referiu aqui a questão das opções do Governo para resolver os problemas dos trabalhadores. Ora, nós achamos que é bastante revelador o facto de, ainda hoje, a Sr.ª Ministra do Trabalho ter prestado declarações, dizendo precisamente que o caminho para a resolução dos problemas do mercado de trabalho é a «flexigurança», admitindo a sua aplicação, e o facto de o Programa do Governo vir dizer que um dos pilares para fazer crescer o emprego é precisamente a aplicação da adaptabilidade, isto é, a desregulamentação total dos horários de trabalho. É, portanto, este o caminho que o Partido Socialista toma para resolver os graves problemas que os trabalhadores enfrentam, o que, claramente, faz aproximar a bancada do Partido Socialista à sua bancada, à bancada do PSD, nas opções de fundo relativamente às soluções para o País.
Um outro aspecto que não queremos deixar de referir aqui tem a ver com o subsídio de desemprego. Um ligeiro recuo por parte do Governo relativamente a esta matéria, diminuindo o período de garantia para aceder a esta prestação importantíssima para os trabalhadores, não resolve as questões de fundo que se colocam hoje na atribuição do subsídio de desemprego, pois mais de 300 000 trabalhadores não têm esse subsídio. As questões de fundo são o período de concessão do subsídio de desemprego e a velha questão de saber a partir de quando é que se conta esse período de garantia, isto é, se pomos o contador a zero desde a última situação de desemprego ou se se mantêm os descontos realizados no passado.
Ora, esta é a questão de fundo em que o Partido Socialista não mexe, porque sabe que a criação de um mercado de trabalho onde a exploração dos trabalhadores esteja cada vez mais acentuada depende do mercado de disponíveis no desemprego, um mercado onde os trabalhadores aceitem qualquer posto de trabalho, qualquer emprego, quaisquer que sejam as condições, qualquer que seja o salário, porque não têm alternativas para sobreviver. É essa a matriz do Partido Socialista, que, infelizmente, determina o nosso Governo.

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