Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

PCP propõe reforço dos meios para os serviços das Assembleias Distritais

Aprova um novo regime jurídico das assembleias distritais
(proposta de lei n.º 212/XII/3.ª)
Reforço dos meios para o funcionamento e manutenção da atividade e dos serviços das assembleias distritais
(projeto de resolução n.º 947/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Secretários de Estado,
Gostaria de colocar três perguntas muito concretas sobre as propostas que o Governo traz em relação a esta matéria.
Primeira: o Governo refere no preâmbulo da proposta de lei — e, aliás, o Sr. Secretário de Estado também o disse na sua intervenção — o pleno respeito pela autonomia local, mas eu gostaria de lhe perguntar, Sr. Secretário de Estado, como é que compatibiliza o respeito pela autonomia do poder local quando a proposta de lei prevê que, no caso de a assembleia distrital não tomar a deliberação e de as entidades recetoras não se pronunciarem, essa transferência seja feita, na nossa perspetiva, à força para essas mesmas entidades? Entendemos que há aqui alguma ingerência e desrespeito pela autonomia do poder local.
Segunda: tivemos conhecimento que, numa proposta inicial que o Governo teria, no que respeita à transferência dos trabalhadores, estavam contemplados também os trabalhadores com contratos de trabalho a termo certo. Ora, na proposta de lei que veio à Assembleia da República não vem essa referência, como também não vem uma referência explícita nessas normas à manutenção do vínculo jurídico-laboral desses trabalhadores, assim como ao seu estatuto jurídico, pelo que gostava de saber porquê.
Terceira questão, também muito concreta: o Sr. Secretário de Estado, em resposta a uma pergunta do PSD, disse que seria justo contemplar na lei uma exceção às normas do Orçamento do Estado no que respeita à redução de trabalhadores. Se considera que é justo, por que é que não introduziu logo essa norma?
(…)
Sr.a Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A Constituição da República Portuguesa determina a existência de uma assembleia deliberativa por distrito, composta por representantes dos municípios, enquanto as regiões administrativas não estiverem concretizadas.
Passadas quase quatro décadas após a sua criação, hoje as assembleias distritais encontram-se em situações muito distintas, decorrentes da dinâmica própria de cada uma, à qual não é alheia a desvalorização deste órgão deliberativo protagonizada por sucessivos governos.
Há assembleias distritais que não funcionam há largos anos e que não têm serviços nem pessoal, como é o caso de Aveiro, Braga, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre e Viana do Castelo.
Das restantes oito, há situações muito distintas. As Assembleias Distritais de Beja, Lisboa e Setúbal mantêm a sua atividade em pleno. Têm serviços, nomeadamente o Museu Regional Rainha D. Leonor, em Beja, os serviços de cultura em Lisboa ou o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. Têm um mapa de pessoal com cerca de 30 trabalhadores no total e o respetivo órgão deliberativo reúne regularmente. As Assembleias Distritais de Castelo Branco, Porto, Santarém, Vila Real e Viseu têm oito trabalhadores e património.
Perante esta realidade, entendemos que é necessário ter-se em conta a especificidade de cada caso concreto. Não se pode fazer tábua rasa face a situações tão distintas.
Saudamos, valorizamos e reconhecemos o trabalho desenvolvido na área cultural pelas assembleias distritais e o emprenho e dedicação dos seus trabalhadores na democratização do acesso ao conhecimento e na preservação da identidade cultural das respetivas populações.
A proposta de lei que o Governo apresenta conduz ao esvaziamento total das assembleias distritais e aponta um quadro de funcionamento residual. Esta proposta de lei evidencia bem a opção deste Governo, do PSD e do CDS-PP, ao procurar pôr a criação de regiões administrativas definitivamente na gaveta.
São retirados às assembleias distritais os serviços, os trabalhadores e o património — este último, aliás, muito apetecível —, e o apoio ao seu funcionamento é assegurado pelos municípios que as integram.
Remete as assembleias distritais para um quadro de competências exclusivamente para deliberação sobre questões de interesse comum às populações do distrito ou questões referentes ao seu desenvolvimento económico e social. São retiradas competências de deliberação, por exemplo, sobre a criação ou manutenção de serviços que apoiem tecnicamente as autarquias; sobre a criação e manutenção de museus etnográficos, históricos e de arte local; sobre a investigação, inventariação e conservação dos valores locais arqueológicos e artísticos, preservação e divulgação do folclore, trajos e costumes locais ou sobre a emissão de recomendações sobre a rede escolar.
A proposta de lei do Governo que discutimos assenta num caminho imposto por este Governo, centralista e de ingerência clara na autonomia do poder local democrático.
O Sr. Secretário de Estado disse aqui que há um pleno respeito e que não há transferência forçada, mas a verdade é que a proposta de lei que apresenta prevê que, quando não haja uma pronúncia de rejeição pela entidade recetora, passando todos os outros procedimentos, o Governo imponha a transferência da universalidade a favor da mesma. É o que diz a proposta de lei.
O Governo não pode afetar responsabilidades, serviços, trabalhadores e património a uma autarquia coercivamente.
O Governo não esquece uma questão que há anos tem suscitado muito interesse pelo seu elevado valor, que é o património, arrogando-se no direito de chamar a si as competências próprias das assembleias distritais e dos seus presidentes para dispor do seu património. Esta é já uma velha pretensão que permanecia insatisfeita, aproveitando agora esta oportunidade para, de uma vez, o Estado se tornar o proprietário desse mesmo património.
Podemos perguntar qual o interesse que está por detrás desta pretensão, que, inclusivamente, já motivou normas ao nível do Orçamento de Estado. O exemplo da Assembleia Distrital de Lisboa é bem evidente, pois esta Assembleia detém inúmeros edifícios no centro da cidade de Lisboa, quase duas centenas de hectares de terrenos rústicos e urbanos e de quintas seculares nos concelhos da Amadora, Odivelas e Loures. Quando afirmamos que é bem apetecível este património está-se bem a ver para quê.
Determinando procedimentos impraticáveis e violadores da boa-fé, sobretudo quando estão em causa valores patrimoniais e sociais e os interesses legítimos dos trabalhadores, o prazo de 120 dias é manifestamente insuficiente para preparar a deliberação da assembleia distrital e para a entidade recetora assumir a dita «universalidade» e adequar os instrumentos de gestão a essa realidade.
Não se pode ignorar que os orçamentos municipais, os planos de atividades e o mapa de pessoal para 2014 estão aprovados e há transferências de pessoal, de serviços e de património que têm impactos significativos e exigem alterações ao nível dos instrumentos de gestão. Há ainda que ter em conta que não está prevista nenhuma exceção à redução de trabalhadores nas autarquias imposta pelo Governo no Orçamento de Estado. Apesar de o Secretário de Estado ter referido que essa exceção seria justa, não respondeu ao PCP quando lhe perguntámos porque é que não contemplou essa mesma exceção.
Por último, os direitos dos trabalhadores das assembleias distritais não estão devidamente acautelados, designadamente a manutenção do seu vínculo jurídico-laboral e estatuto jurídico, nas normas referentes à transição de pessoal. A verdade é que estas referências não vêm nas normas que dizem respeito à transição de pessoal, nem a salvaguarda dos postos de trabalho dos trabalhadores com contratos a termo certo. De acordo com a proposta do Governo, nada impede que estes trabalhadores possam ir para a mobilidade.
Sr.a Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a proposta do Governo também não clarifica a resolução de um problema concreto com o qual os trabalhadores hoje se confrontam, designadamente a existência de salários em atraso há oito meses. Aliás, o Sr. Secretário de Estado, na resposta que deu aos grupos parlamentares, referiu, inclusivamente, que era desejável que esse problema fosse resolvido antes da transferência, o que revela que, efetivamente, não está contemplado para o futuro.
É exatamente sobre esta questão concreta que o PCP intervém. O projeto de resolução que trazemos à discussão recomenda ao Governo a reafectação de verbas inscritas na dotação provisional do orçamento do Ministério das Finanças para as assembleias distritais, de modo a garantir o seu bom funcionamento e a manutenção da sua atividade e serviços.
Temos recorrentemente apresentado esta proposta e, caso ela tivesse sido aprovada, os constrangimentos que hoje existem teriam sido evitados. Na verdade, a proposta do Governo não garante a resolução do pagamento dos salários em atraso.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Muito brevemente, quero dizer que a verdade é que as assembleias distritais, ao longo de anos, anos e anos, foram sempre desvalorizadas e nunca as suas potencialidades foram reforçadas; a verdade é que também o contínuo adiamento da criação das regiões administrativas, como preconiza a nossa Constituição, que é sempre, sempre, esquecida pelos partidos que suportam o Governo, permitiu que fosse crescendo um conjunto de incertezas e de interrogações nos municípios que integram estas assembleias municipais, conduzindo à situação que hoje temos. Isso é uma responsabilidade de sucessivos Governos, que não pode ser escamoteada nesta discussão.
Queria também reiterar que, nesta matéria, as questões relacionadas com os trabalhadores não estão devidamente acauteladas. O Governo diz que sim, mas a proposta de lei não o garante. Efetivamente, é necessário garantir não só que se mantém o vínculo laboral destes trabalhadores como também que os seus direitos estão garantidos, coisa que também não está nem assegurada nem clarificada nesta proposta de lei.
Referindo-nos concretamente ao pagamento dos salários em atraso, não podemos aceitar que haja trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado que há oito meses não recebam o seu salário. Ora, esta questão, efetivamente, não é resolvida.
A proposta que o PCP aqui traz — pode haver outras soluções, admitimos que sim; não queremos desrespeitar a autonomia do poder local democrático, seguramente — acreditamos ser uma solução. E é uma solução que, na nossa perspetiva, não deve ser ignorada e que deve ser tida em conta também neste debate. Se há aspetos a que se deve atender no que respeita às assembleias distritais, há seguramente aspetos que devem ser resolvidos o mais rapidamente possível, e com certeza que um deles é o pagamento dos salários em atraso destes trabalhadores.

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