Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

PCP confronta Governo com as opções para o Orçamento de Estado

Numa primeira questão, Jerónimo de Sousa abordou o financiamento do ensino superior e o nível de protecção da Acção Social Escolar.

O Secretário-Geral do PCP levou também ao debate o compromisso assumido pelo PS de construção do novo Hospital do Seixal e questionou o Primeiro Ministro sobre a efectivação desta promessa.

De seguida, Jerónimo de Sousa voltou a exigir a alteração dos critérios de atribuição e o alargamento do subsidio de desemprego.

Por último, o Secretário Geral do PCP lembrou o governo que não é dono e senhor da razão, e que as propostas feitas pelo PCP para inclusão no Orçamento de Estado têm ligação concreta ao problemas do país.

Debate com o Primeiro-Ministro sobre ensino superior

Sr. Presidente e Sr. Primeiro-Ministro,

Relativamente às questões do financiamento do ensino superior obviamente que, tendo em conta a aceitação tardia de uma proposta do PCP feita em sede de Orçamento e recusada pelo PS, podia dizer-se que mais vale tarde do que nunca, como já aqui foi sublinhado, mas a verdade é que se trata de uma medida que, em termos de verba, corresponde a essa nossa proposta.

Todavia, há aqui uma zona pouco esclarecida, obscura, que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite colocou ao perguntar: «Porquê agora?» «Porque não durante quatro anos?»

É evidente que, durante quatro anos, o que se pretendeu foi vergar as instituições, foi - uma coisa que aqui não foi dita - obrigar as universidades a aumentar para o máximo as propinas, fazendo com que os alunos pagassem as consequências dessas dificuldades económicas e orçamentais.

Neste sentido, agora que as coisas estão mais claras, o Sr. Primeiro-Ministro anunciou objectivos. Mas há uma questão, que embora já tenha sido aqui abordada, na qual vale a pena insistir, que aflige os estudantes e as suas famílias e que tem a ver com o nível de protecção da acção social escolar.

As bolsas, como já foi aqui demonstrado, dão para a propina e nós entendemos que o endividamento à banca não é solução, pois condiciona o futuro desses jovens, porque esses tais 6000 jovens que referiu são possivelmente aqueles que mais precisavam de bolsas para continuarem a estudar no ensino superior.

Esta é uma preocupação que aqui quero manifestar, perguntando-lhe se não acha que, com mais 11 000 estudantes, como aqui referiu, a repartição das dificuldades vai aumentar, levando a maiores dificuldades, particularmente para os estudantes.

Esta é a pergunta que lhe deixo, Sr. Primeiro-Ministro.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Em relação à questão dos empréstimos, há uma verdade que é incontornável: os jovens estudantes e os jovens licenciados não têm garantias do Estado. Só há uma instituição que tem garantia, que é a banca. Essa está certa e segura de que receberá sempre, com lucros e com vantagens, essa medida do Governo

Por falar em garantia, o Sr. Primeiro-Ministro vai perdoar-me, mas tenho de lhe fazer uma pergunta retroactiva: o Sr. Primeiro-Ministro, no último debate, não me respondeu em relação à construção do novo hospital do Seixal, um compromisso assumido pelo governo anterior e pelo Partido Socialista, designadamente em campanha eleitoral.

Gostaria que esclarecesse - dou-lhe essa possibilidade - se foi omissão ou esquecimento e se, de facto, ele vai ser concretizado.

Uma terceira questão, Sr. Primeiro-Ministro, tem a ver com o desemprego. Todos os dados demonstram que ele vai aumentar, e, hoje, a questão do subsídio de desemprego é vital para centenas de milhares de portugueses. Nesse sentido, não entendemos que, no quadro das recentes medidas tomadas, o Governo continue a lateralizar, a secundar, a esquecer, esta necessidade objectiva de alteração dos critérios de concessão do subsídio de desemprego e do seu alargamento, tendo em conta o drama que muitas famílias vivem neste momento em Portugal.

Sr. Primeiro-Ministro, vai ou não o Governo reconsiderar e resolver este problema, tendo em conta esta dramática situação e também o que aí vem, respondendo à alteração dos critérios de atribuição do subsídio de desemprego e ao alargamento do mesmo?

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Também é recorrente esse argumento da dimensão, da extensão, da atribuição do subsídio de desemprego, mas é importante lembrar que em Portugal existem dos mais baixos salários no quadro da União Europeia.

Essa comparação também tem de ser feita. Não basta apenas ter essa dimensão da extensão da atribuição do subsídio de desemprego, deve ter-se também esta, que determina muito o nível de vida daqueles que recebem o subsídio de desemprego.

Apesar de o Sr. Primeiro-Ministro não ter tempo para responder, quero transmitir-lhe uma preocupação em relação ao PEC e à discussão que aqui houve. Eu pensava - serei ingénuo possivelmente - que o PEC era uma antecipação de um imposto e não um imposto, mas da forma como aqui falou até dá a impressão de que, afinal, o pagamento especial por conta é um imposto que alguém quer pôr em causa. Não será, antes, uma antecipação?!

Mas isto leva-me ao Orçamento do Estado e às negociações que estão em curso. O Governo define os conteúdos, define as regras, e, depois, vem dizer aos partidos da oposição que quem quer quer e que quem não quer é irresponsável.

Sr. Primeiro-Ministro, não entende que existem propostas e políticas alternativas e que o PCP, designadamente, tem o direito de propor, pensando no interesse nacional?! Ouvi-lo assusta! Ouvir o que o Sr. Ministro das Finanças disse ontem inquieta! Dizer que a solução para Portugal, tendo em conta o nível da dívida, tendo em conta, outra vez, o défice das contas públicas, tendo em conta as posições da oposição, é aumentar impostos ou aumentar as privatizações inquieta.

Sr. Primeiro-Ministro, a questão das privatizações tem a ver com a nossa soberania económica e dá a impressão de que o que o Governo está a fazer, perante estas dificuldades actuais no plano do Orçamento do Estado e no plano da economia, é, de facto, a alienar essa soberania e a procurar dizer, de certo modo, que «quem vier atrás que feche a porta».

Portugal há-de prosseguir depois do Sr. Primeiro-Ministro, Sócrates, com certeza! Mas não faça isso, não comprometa o futuro com essa política que corresponde aos interesses do grande capital e não aos interesses dos trabalhadores e do povo português. Não gosta da expressão, mas é isso que faz!

O Sr. Primeiro-Ministro fala do mercado. Mas qual mercado, Sr. Primeiro-Ministro?! O mercado desses grandes interesses económicas nos quais o senhor não quer tocar, designadamente no plano orçamental e no plano da política fiscal?! Se quer dar mais apoio às pequenas e médias empresas, puna, taxe, aquelas que têm mais de 50 milhões de euros de lucro!

Ponha a banca a pagar aquilo que é justo no plano do IRC! Vai ver que encontra as verbas necessárias para o desenvolvimento do País, para uma outra política económica e para uma outra política fiscal.

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