Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Reunião Plenária

PCP apresenta propostas para uma política fiscal mais justa

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Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados,

O país vive uma situação de rápido aprofundamento das desigualdades na distribuição da riqueza. 

Assistimos a um crescimento económico que orgulha o Governo, mas a verdade é que esse crescimento não está a chegar às condições de vida dos trabalhadores e do povo. 

A verdade é que, apesar desse crescimento, aprofundam-se as desigualdades; e aumenta a transferência de riqueza do trabalho para o capital, quando os salários crescem abaixo da inflação e da produtividade. 

E os lucros, esses, aumentam de forma desproporcionada e escandalosa em sectores que dominam a economia nacional, como a banca, a distribuição alimentar, a energia, às custas das dificuldades da população e da curta margem de sobrevivência de muitas micro, pequenas e médias empresas.

E é neste contexto de agravamento das desigualdades que deve entrar a função redistributiva da política fiscal, um dos pilares da promoção da justiça social

Impostos progressivos (em que o mais rico paga mais, e o mais pobre paga menos) e serviços públicos universais (suportados por esses impostos) são a base constitucional para promover uma sociedade mais justa. 

Mas o que assistimos é uma situação inversa. 

É que os serviços públicos degradam-se, por falta de investimento. E os impostos pesam mais sobre os que menos têm.

Rejeitamos a demagogia dos que dizem, de forma abstrata, que “há impostos a mais”, para no fundo criar acolhimento para ainda dar mais privilégios e borlas fiscais aos lucros, às grandes fortunas, ao património de elevado valor.

Mas também fazemos o alerta: é que sem investimento público – na escola pública, no SNS, nos serviços públicos – o Governo do PS é responsável por alimentar esta demagogia.

Portugal não tem um problema de impostos a mais. Tem, isso sim, um problema de injustiça fiscal. 

De um esforço fiscal que cada vez mais pesa sobre quem trabalha, sobre o consumo de bens essenciais, e em que cada vez são mais as benesses para os do costume. 

Do recurso aos paraísos fiscais às dezenas de isenções e benefícios fiscais concedidos às grandes empresas, não faltam impostos que devem subir; rendimentos, património e lucros que devem ser efetivamente tributados em Portugal; para que se possa, ao mesmo tempo, aliviar o esforço que recai sobre a maioria da população.

É nestes termos que o PCP apresenta a iniciativa hoje em discussão.

Uma iniciativa que pretende reverter o que ainda resta do “enorme aumento de impostos” do Governo PSD/CDS, que em parte foi possível alterar após 2015, por intervenção do PCP, com o aumento do número de escalões e a redução das taxas, com o descongelamento do mínimo de existência, e com o fim da sobretaxa de IRS. 

Uma iniciativa que confronta também as opções do Governo PS, que continua a servir os interesses dos grupos económicos, com mais borlas fiscais e alçapões, de que é exemplo o alargamento sem limite do prazo de reporte de prejuízos fiscais, para benefício essencialmente da banca e em particular do Novo Banco, medida aprovada com os votos favoráveis do PSD e da IL. 

Senhoras e senhores deputados,

As propostas que hoje estão em discussão e votação pela mão do PCP, permitem introduzir uma maior justiça fiscal.

Propomos uma redução generalizada do IRS. Uma redução que atinge, não apenas os salários mais baixos, mas também os salários intermédios, beneficiando contribuintes com rendimentos até perto de 2.900€ brutos. 

Uma redução generalizada através do aumento da dedução específica, que é o valor subtraído ao rendimento bruto, para depois de calcular o imposto.

Este valor da dedução específica está congelado desde 2010 nos 4.104€. Ora, com a acumulação da inflação ao longo destes anos todos, o congelamento deste valor significa que a grande maioria dos contribuintes está a perder poder de compra.

O que propomos é uma atualização da dedução específica que corresponda à inflação acumulada ao longo destes 13 anos de congelamento. Um aumento de 800 euros, que corresponde a um alívio fiscal significativo. 

Por exemplo, para rendimentos à volta de 1.200 euros brutos, significa um alívio fiscal de 130€. Noutros escalões pode chegar a 230€ de alívio fiscal.

Recorde-se que esta medida é da mais elementar justiça – esta atualização deveria ter acontecido ao longo destes anos todos, e não foi por falta de proposta do PCP nesse sentido. 

Mas hoje, com os números da economia, e em face da necessidade urgente de aliviar os impostos sobre o trabalho, não há nada que justifique que não se avance com esta medida que baixa de forma generalizada o IRS pago pelos portugueses, nem que se deixe para daqui a meio ano aquilo que pode ser aprovado desde já. 

Se o Governo diz que quer baixar o IRS, pois tem aqui uma oportunidade para o fazer.

Propomos também a reposição do IVA da energia à taxa de 6%, revertendo o aumento de 6 para 23% realizado pelo Governo PSD/CDS e mantido pelo Governo PS, de forma a tributar a energia como bem essencial que é; e ainda a redução do IVA das telecomunicações para a taxa intermédia de 13%. 

O IVA, sendo um imposto em que pagam todos por igual independentemente do rendimento, é dos impostos mais injustos – e mais ainda em bens essenciais e de uso generalizado, como é o caso da energia e das telecomunicações.

Mas se propomos estas medidas para baixar o IRS e o IVA, também propomos medidas para uma mais adequada tributação das grandes fortunas e lucros. 

Medidas como o englobamento obrigatório para os contribuintes do mais elevado escalão do IRS – portanto apenas para contribuintes com rendimentos acima de 6.400€ por mês - terminando com uma situação em que rendimentos de capital mais elevados, de milhões até, podem ser tributados a taxas inferiores a rendimentos de trabalho.

Também o fim do regime de privilégio dos residentes não habituais, que além dos impactos profundamente negativos na especulação imobiliária, custa por ano 1.000 milhões de euros em despesa fiscal. 

E propomos diversas alterações ao Código do IRC e ao Estatuto dos Benefícios Fiscais para impedir a fuga para offshores, as borlas e isenções ao capital financeiro, garantindo o princípio de que os lucros realizados em Portugal devem ser tributados em Portugal. 

Não aceitamos que, enquanto se exige um elevado esforço fiscal a rendimentos intermédios, se permita que as sedes de grandes empresas que lucram milhões estejam fora do país para não pagar impostos cá.

Não aceitamos que o país perca 1000 milhões de euros por ano para paraísos fiscais, segundo a Tax Justice Network; ou 700 milhões, só em IRC, segundo o Observatório Fiscal Europeu. 

Há aqui um contraste evidente, escandaloso, e que impede o país de assegurar o seu desenvolvimento.

Senhores deputados,

O PCP não desiste de uma política fiscal mais justa. Não desiste do mandato constitucional assente na progressividade, na função redistributiva dos impostos, inseridos numa política de justiça social. 

O país tem todas as condições para aprovar estas medidas. Do que é que estamos à espera? 

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