Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para a realização de concursos extraordinários de apoio às artes

O PCP apresentou um Projecto de Resolução que determina a realização de concursos extraordinários de apoio às artes. Miguel Tiago afirmou que os sucessivos cortes no orçamento disponível para o apoio às artes são reflexo da política de direita prosseguida por PS, PSD e CDS, que traduzem uma total secundarização do papel do Estado no que toca à garantia dos direitos constitucionalmente previstos, o direito à fruição e criação cultural.
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Determina a realização de concursos extraordinários de apoio às artes
(projeto de resolução n.º 864/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Em primeiro lugar, quero dar nota de que, mais do que apresentar este projeto de resolução, o PCP fá-lo não para salvaguardar este Festival, aquele outro festival, esta companhia ou aqueloutra companhia.
A questão fundamental com que estamos confrontados e com que a Assembleia da República está confrontada é com a impossibilidade de assegurar justiça e justeza na distribuição de um recurso que é inexistente. Isto porque para haver justiça na distribuição do recurso, o recurso tem de existir, e este Governo impede objetivamente a existência desse recurso ao estrangular financeiramente a DGArtes e, por consequência, o financiamento às companhias e às estruturas de criação artística.
O que está aqui em causa não é tanto, apesar de poder ser questionável, como é evidente, principalmente pelos afetados, se a decisão do júri é ou não justa neste ou naquele caso. O que está em causa é que não é possível, por mais que seja a boa vontade de um júri, a sua competência, tomar boas decisões, quando não tem nada para distribuir às companhias. E, neste momento, o País encontra-se abaixo do limiar crítico do financiamento para garantir a justiça no acesso ao apoio às artes. Ou seja, por mais justas que sejam as decisões dos júris, não há possibilidade de assegurar justeza no financiamento às artes, em Portugal.
E falo em festivais importantes, em companhias importantes, com décadas de atividade, com trabalho provado — a Barraca, o Art’Imagem, o Cendrev, o FITEI, o Fazer a Festa, enfim, um conjunto vastíssimo de companhias. Injusto é até destacar algumas.
O que está em causa é dotar a DGArtes da necessária verba para realizar concursos de forma justa e digna que cumpram o que está previsto na Constituição da República Portuguesa, que é: o Estado assegura a liberdade de criação e fruição cultural através do financiamento a estruturas, através do apoio ao movimento associativo, ou seja, não apenas através da programação estatal. E isso não está a ser assegurado.
Por isso mesmo, o PCP propõe que se realize um concurso extraordinário para apoio direto às artes, a todas as disciplinas, e que esse concurso seja preparado com tempo, com as estruturas de criação artística, no sentido, até, de assegurar também justiça no acesso à própria possibilidade de se apresentar a concurso o que hoje não é assegurado, tendo em conta a burocratização do processo e dos procedimentos concursais que, logo à partida, afastam muitas companhias da possibilidade de concorrer.
E, mais do que isso, o PCP propõe que seja assegurada uma verba que garanta a justiça para o financiamento e que, com isso, salvaguarde as companhias, as suas experiências e que, como consequência também, salvaguarde o nosso direito a fruir daquilo que essas companhias querem fazer e que funciona como garantia da nossa possibilidade de ter acesso a essa criação artística. Aquilo que estamos a verificar neste momento é a aplicação de uma verdadeira censura financeira à liberdade de criação e à liberdade de fruição.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Confesso alguma dificuldade em responder ao vazio das intervenções dos partidos que sustentam o Governo que liquida a cultura em Portugal, mas esse vazio talvez revele a ausência de disponibilidade para fazer um debate sério sobre a política cultural em Portugal ou, até mesmo, o que me custa a crer, um desconhecimento total sobre aquilo de que estamos aqui a falar.
Este rumo é o rumo da destruição da cultura e, Srs. Deputados, é bom que tenhamos consciência de que a destruição da cultura implica, em primeiro lugar, o encerramento ou a redução da programação das companhias e a redução do seu pessoal, prejudicando os trabalhadores da cultura, que dedicaram décadas da sua vida e todo o seu esforço diário a produzir cultura para que o povo português pudesse ter acesso às suas produções. Os segundos prejudicados somos todos nós, que deixamos de ter acesso à produção cultural, por força das políticas deste Governo, em frontal contradição com a Constituição da República Portuguesa e o direito à cultura.
Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira, como ainda dispõe de tempo — já a Sr.ª Deputada do PSD não tem —, aproveite o tempo de que dispõe para garantir aqui ou para que o CDS dê aqui garantias de que os concursos anuais e pontuais de 2014 vão ser realizados e vão assegurar as necessidades das companhias. É que até isso o Sr. Secretário de Estado não foi capaz de assumir na discussão do Orçamento do Estado, mas este é um risco que hoje impende sobre as estruturas de criação artística.
Srs. Deputados, só naquela operação que aqui nos mostraram como uma grande conquista sacrificaram mais de uma centena de milhões de euros, o que dava para pagar qualquer coisa como 10 anos de apoio às artes em Portugal.
É daí que vem o «altar» da troica, Sr.ª Deputada, e peço desculpa se ofendi a sua religião.

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