Projecto de Resolução N.º 864/XII/3.ª

Determina a realização de concursos extraordinários de apoio às artes

Determina a realização de concursos extraordinários de apoio às artes

Os sucessivos cortes no orçamento disponível para o apoio às artes através da Direção-Geral das Artes são reflexo da política de direita prosseguida por PS, PSD e CDS. Esses cortes traduzem uma total secundarização do papel do Estado no que toca à garantia dos direitos constitucionalmente previstos como, no caso, é o direito à fruição e criação cultural. Na verdade, o direito de fruição cultural não pode existir sem o direito à criação. A opção do último Governo PS, com José Sócrates como Primeiro-Ministro, de impor cortes no apoio às artes durante o decorrer de programas plurianuais com estruturas de criação artística, abriu o precedente que o atual Governo encontra como pretexto para os cumulativos cortes que vem impondo desde 2011.

A DGArtes dispõe hoje de um Orçamento para o apoio às artes que se situa em torno dos 25% do que dispunha antes dos cortes iniciados pelo Governo PS e cerca de 50% do que dispunha em 2011. Essa diminuição gritante tem impactos diretos nas estruturas financiadas que compõem o Serviço Público de Arte e Cultura, nos termos constitucionais, a par dos serviços prestados diretamente pelo Estado. A Constituição da República Portuguesa estabelece que o Serviço Público de Arte e Cultura em Portugal não é prestado apenas pelo Estado, mas também pelas associações, cooperativas e outras entidades que contam com o apoio do Estado, assegurando uma expressão cultural e artística descentralizada, multifacetada, livre e independente, sem programação política estatal. A solução contida na Constituição obedece concretamente ao princípio do não condicionamento político da expressão artística e da sua fruição pelas massas, enquanto que ao mesmo tempo obedece à necessidade de existir uma oferta cultural diversificada e descentralizada independente do funcionamento do mercado do entretenimento que é assegurado maioritariamente pela oferta privada dominante.

No âmbito do Pacto de Agressão assinado entre PS, PSD e CDS e o FMI, BCE e UE, o atual Governo procede a uma reconfiguração do Estado, do seu papel e da sua estrutura, a pretexto da crise económica e financeira e da consolidação orçamental. Sem conseguir esconder que nenhum dos pretextos é válido e sem poder mostrar a bondade do Pacto por evidência clara dos seus resultados, o Governo nem por isso desiste de suprimir os direitos constitucionais dos portugueses e de levar a cabo uma infame campanha contra o Serviço Público de Arte e Cultura, principalmente através da limitação dos meios e recursos disponíveis para a concretização das suas missões, quer no âmbito do património, quer no da programação cultural e apoio às artes. Essa política tem como resultado o que desde sempre foi o real objetivo: a censura financeira à liberdade de criação artística.

A questão não se pode colocar apenas na justeza dos resultados dos concursos da DGArtes que têm vindo a deixar de fora cada vez mais estruturas e festivais, quando o que o país precisa é de mais apoio às artes. A questão vai muito além dos critérios e da forma dos concursos, que não deixa de ser questão para profunda reflexão. A sucessiva diminuição do apoio às estruturas individualmente consideradas e a diminuição do número de companhias abrangidas em cada região do país e disciplina elegível convoca a Assembleia da República a uma mais vasta reflexão que ultrapassa a forma e abrange o conteúdo. Ou seja, existe uma relação direta entre a quantidade de financiamento e a justeza possível na sua distribuição.

A situação atual com que o país está confrontado como resultado da contração quase total do apoio às artes cria um cenário de impossível justiça, porque esse apoio está abaixo do limiar crítico, abaixo do patamar de financiamento mínimo para se poder falar de justiça ou justeza.

Assim, perante os valores actuais, não é possível assegurar os compromissos constitucionais do Estado ou sequer assegurar justeza na repartição do financiamento, na medida em que a distribuição de migalhas nunca é justa quando alguém fica com o bolo todo, como sucede actualmente em Portugal. Na verdade, a diminuição de 50% no financiamento do apoio às artes em Portugal representa uma quebra de cerca 22 milhões de euros para 11 milhões de euros, num esforço que sendo incomportável para as estruturas e seus trabalhadores, é mínimo no contexto da despesa pública. E isto no contexto da mesma despesa pública que paga, por dia, o dobro desse valor só em juros da dívida. Da mesma forma, a despesa com Parcerias Público-Privadas, por exemplo, só em 2014 será de mais de 1600 milhões de euros, o que significa 145 vezes o total do que é colocado à disposição das estruturas de criação artística de todo o país e de todas as disciplinas.

Inúmeros festivais, companhias e estruturas artísticas confrontam os seus trabalhadores com o aparentemente inevitável definhamento do sector, confrontam os seus utilizadores com o fim das iniciativas necessárias para a formação de públicos e elevação da sua consciência social e cultural. Esse é o resultado das ameaças que impendem sobre os agentes culturais e é, infelizmente, o dia-a-dia de muitos festivais e muitas outras companhias que até hoje nunca sequer contaram com o apoio da DGArtes, por insuficiência, e que levam a cabo a tarefa de assegurar cultura apenas com o seu próprio esforço e sacrifício. No entanto, generalizar a ausência de apoio é regredir para o estrito amadorismo na criação artística, sacrificando a cultura no altar da troika, a bem dos especuladores que dão pelo nome de “mercados”.

Em 2013, inúmeras companhias foram ameaçadas por estas opções políticas e viram reduzida ou completamente anulada a componente do apoio às artes nos seus orçamentos, o que compromete em alguns casos de forma fatal a sua própria existência e profissionalismo, implicando o agravamento da deterioração do direito à criação artística, que consequentemente degrada o direito à fruição.

Ainda em 2013 não ficaram esclarecidos os contornos dos supostos concursos de Dezembro para apoio à internacionalização ou para aceder ao financiamento comunitário o que deixa sem qualquer informação e em grande instabilidade inúmeras companhias.

Em 2014, o financiamento do apoio às artes é novamente reduzido, constando do Orçamento do Estado para esse ano um valor inferior em 400 mil euros comparando com o disponível em 2013 e já muito insuficiente.

Assim, e tendo em consideração o acima exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

1. Sem prejuízo dos concursos de apoio às Artes regulares previstos para 2014 (pontuais, anuais e de apoio à internacionalização), realize concursos extraordinários de apoio às artes nas diversas modalidades e para todas as regiões e disciplinas, disponibilizando até Janeiro a calendarização e critérios desses concursos, com apuramento dos resultados até Abril.

2. Que os concursos extraordinários tenham como objetivo reforçar das verbas das estruturas que já foram contempladas com o apoio bienal e quadrienal e que se encontram numa situação de fragilidade estrutural, além de poderem alargar o número de companhias apoiadas.

3. Que o procedimento concursal seja debatido e concertado com as estruturas de criação artística no sentido da sua desburocratização.

4. Sem prejuízo da realização dos concursos extraordinários de apoio às artes, que seja dada ampla divulgação dos mecanismos de acesso aos fundos comunitários para a cultura e as artes, nomeadamente sobre os seus objetivos e procedimentos a seguir.

Assembleia da República, em 29 de novembro de 2013

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