Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

PCP apresenta projecto para financiar a produção nacional e da Cinemateca

O PCP apresentou na Assembleia da República um projecto de Lei que Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Miguel Tiago afirmou que a política do Governo PSD/CDS no que toca à área da Cultura tem sido caracterizada por opções marcadamente contrárias ao papel do Estado na garantia dos direitos constitucionais à fruição e criação culturais.
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Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa — Museu do Cinema
(projeto de lei n.º 446/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Este debate surge na sequência do incumprimento reiterado de um conjunto de obrigações do Estado — umas legais e outras que o PCP considera que decorrem da Constituição da República Portuguesa e que são também obrigações políticas.
A Lei do Cinema apresentada pelo Governo serviu de instrumento para prolongar a agonia e o não-financiamento do setor. O Governo, a pretexto de uma futura lei, não cumpriu a que então vigorava e agora, que já vigora a nova, também não a cumpre e não assegura o financiamento para os programas de apoio à produção cinematográfica.
Aliás, sobre a Cinemateca, escusar-me-ei a descrever muito mais o problema, porque isso já foi feito pela Sr.ª Deputada Inês de Medeiros, do Partido Socialista.
No entanto, apesar de resolver esse problema, o projeto de lei apresentado pelo PCP vai mais longe e cria mecanismos de financiamento ao cinema e à produção cinematográfica que responsabilizam diretamente o Estado.
O PCP afirmou, desde primeiro momento, que não apoiaria soluções que desresponsabilizassem completamente o Estado do financiamento à produção cinematográfica e que fizessem depender o direito dos portugueses a fruir e a criar cinema da existência de um mercado ou de um negócio de canais por subscrição.
O PCP entende que, independentemente de o negócio ser mais ou menos volumoso, o Estado tem na mesma a obrigação de garantir que todos nós temos direito a aceder à obra portuguesa de cinema e a ser, inclusivamente, criadores de obra portuguesa.
O PCP denunciou então quais são os resultados e eles estão efetivamente à vista. Por um lado, não havendo cumprimento dos concursos e dos resultados dos concursos; por outro lado, não se sabendo ainda sequer onde se vai buscar o dinheiro porque, ao que parece, o Governo não está muito empenhado em assegurar o cumprimento da lei. E, hoje mesmo, numa audição que tivemos com o Secretário de Estado da Cultura, também ficámos a conhecer que pouco se sabe do que acontecerá no futuro.
O que o PCP propõe é muito simples: além das taxas que a atual lei já prevê, o Estado deve participar com um orçamento de funcionamento para a Cinemateca, um orçamento de financiamento para o ICA e assegurar dois orçamentos de investimento, um para cada uma destas instituições, no sentido de modernizar os seus instrumentos de trabalho, particularmente os do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM), que neste momento não é capaz de assegurar a missão que o próprio Estado lhe atribui.
Portanto, com esses orçamentos de investimento, em paralelo com a taxa, o PCP considera que, por um lado, o Estado assegura o seu papel no financiamento à produção cinematográfica, à conservação, à Cinemateca e à sua programação e que, por outro lado, fica assegurada também a afetação das taxas cobradas sobre o mercado de canais para a produção cinematográfica.
Consideramos que essa é a única forma de ultrapassar o problema que foi criado, que na altura se dizia que jamais existiria. Mas, afinal de contas, o PCP tinha toda a razão quando alertou para o problema.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O PCP, Sr.ª Deputada Conceição Pereira, entende a cultura como um direito e exatamente na mesma medida em que entendemos os restantes direitos constitucionais. E, portanto, entendemos que também o Estado deve, através do Orçamento do Estado, assegurar o financiamento da cultura.
É por isso — e a Sr.ª Deputada sabe que é por isso — que atribuíamos ao Estado uma responsabilidade neste projeto de lei, que pode, por essa via, tornar mais gradual a entrada dos privados nesse financiamento. Para o PCP valem mais, por exemplo, os 20% para a Cinemateca, que o PCP propõe, de um orçamento que existe, que é o Orçamento do Estado, do que os 100% de um orçamento que não existe, que é a taxa que o Governo ainda se recusa a cobrar.
Srs. Deputados, que fique claro o seguinte: os senhores propõem 3,5 €, para já, a cobrar a um mercado (e que dependem da boa vontade desse mercado, como vemos, porque até agora não mostrou grande boa vontade e, portanto, não há financiamento para ninguém); o PCP propõe que o orçamento seja composto por 2,5 € a obter por essa via e por mais 2,5 € provenientes do Orçamento do Estado, o que totaliza 5 €. Portanto, a Sr.ª Deputada não foi séria porque escamoteou o facto de o orçamento que o PCP propõe ser ainda superior àquele que a atual lei consagra.
Srs. Deputados, julgamos que da parte do PSD e do CDS acabou por não ser dada aqui nenhuma resposta para o problema: a Cinemateca, neste momento, está limitada ao seu espólio, inclusivamente não consegue exibir obras de que poderia usufruir por empréstimos de outras instituições congéneres porque não tem sequer meios para as trazer a Portugal; o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento não está capaz de assegurar a conservação do cinema que é produzido hoje em Portugal porque tão-pouco tem os instrumentos tecnológicos necessários para abrir os discos rígidos gravados em digital, pelo que nem sequer pode ser apurado o conteúdo que contêm.
Portanto, a resposta que se exigiria é bastante diferente daquela que o CDS e o PSD hoje vieram dar, tentando até responsabilizar a própria Cinemateca e a sua administração pela situação.
Srs. Deputados, antes ainda do verão, em representação do PCP, eu próprio me desloquei à Cinemateca e ao ANIM numa visita, e já nessa altura me foi dito que às várias tentativas para chegar a conversa com o Governo, como Secretário de Estado e com as instituições da tutela nenhuma resposta tinha sido dada. Aliás, a uma pergunta escrita do PCP, formulada nessa altura, o Governo responde apenas que irá resolver a questão, nem sequer dizendo como.
O certo é que passaram julho e agosto e o problema não estava resolvido. A resposta foi precisamente a luta, e o Governo rapidamente a tentou apagar. Esperemos que, desta feita, a Assembleia da República reconheça que o Estado tem um papel perante a cultura e que o cinema é parte integrante da cultura. Aliás, expressão também das conquistas do socialismo foi a grande dimensão e o grande alcance que ainda hoje têm as obras de muitos realizadores soviéticos.

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