Projecto de Lei N.º 446/XII/3ª

Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema

Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema

A 22 de Maio de 2013 o Partido Comunista Português alertou o Governo para a situação de iminente rutura orçamental da Cinemateca – Museu do Cinema, rutura essa que se traduziria na cessação da prestação do serviço público que cabe a essa instituição, bem como ao Arquivo Nacional da Imagem em Movimento, orçamental e organicamente ligado à Cinemateca. No seguimento dessa denúncia, o Governo limitou-se a responder que se encontravam em preparação medidas para que a Cinemateca ultrapassasse os constrangimentos orçamentais sentidos por força da diminuição da receita angariada pela cobrança da taxa de publicidade, comprometendo-se com a dotação de meios financeiros próprios ao alargamento da sua programação.

O Partido Comunista Português alertou para os custos do subfinanciamento da Cinemateca – Museu do Cinema, quer no âmbito da programação, quer no da conservação, restauro e arquivo que cabem ao Arquivo Nacional da Imagem em Movimento. Da mesma forma, PCP denunciou desde o primeiro momento as insuficiências da Lei do Cinema e do Audiovisual, Lei nº 55/2012, na medida em que esta colocava todo o funcionamento da Cinemateca – Museu do Cinema na estrita dependência de uma taxa de publicidade cujo valor angariado tem vindo a decrescer drasticamente, assim desresponsabilizando o Estado e menorizando o trabalho da Cinemateca e do ANIM em comparação com o do ICA, já que a este último é afetada a totalidade da taxa aplicada aos operadores de serviços de televisão, prevista no nº 2 do Artigo 10º da Lei do Cinema e do Audiovisual.

A política do Governo PSD/CDS no que toca à área da Cultura tem sido caracterizada por opções marcadamente contrárias ao papel do Estado na garantia dos direitos constitucionais à fruição e criação culturais. Em todas as linhas de financiamento à criação artística, o Governo tem aplicado uma política de asfixia, de corte e de demissão perante as responsabilidades que lhe cabem.

Por toda a Europa as Cinematecas são património cultural vivo e em movimento dos vários países. Onde ainda há direito ao cinema – nas perspetivas de quem o cria, realiza e interpreta e de quem o vê – as Cinematecas são o depósito da memória histórica de cada país.

Em Portugal, depois da privatização da Tobis, criada em 1932 com o intuito de apoiar e fomentar o desenvolvimento do cinema nacional, apoiando no fornecimento de serviços de pós produção em filme, vídeo e digital assim como nos processos de digitalização, restauro e conversão de filmes para projeção digital, segue-se a asfixia da Cinemateca Portuguesa-.

Já durante o fascismo, o receituário era o mesmo: às comédias interpretadas por António Silva e Vasco Santana, permitiam-se críticas subliminares (sendo que muitas delas eram mais do que explícitas, veja-se a célebre crítica ao fado n’A Canção de Lisboa, de José Cottinelli Telmo), mas nunca as que expressamente pusessem em causa o sistema. Cerca de 3500 filmes foram proibidos durante a ditadura, desde a criação da Inspeção dos Espetáculos, em 1928, até ao 25 Abril de 1974. Tais proibições eram decretadas por razões politicas.

E também por razões “morais”, “a bem da Nação”. Qualquer filme russo (entre 1936 e 1970), qualquer filme de um país do leste (entre 1947 e 1970), qualquer filme indiano (entre 1953 e 1973) estava impedido de ser exibido, fosse ele qual fosse. Com pequenas exceções, todos os filmes de Eisenstein, de Vertov, de Buñuel, de Pasolini, muitos filmes neo-realistas italianos e da “nova vaga” francesa, vários filmes de Chaplin, de Renoir, de Bergman, entre outros só puderam ser vistos nas salas portuguesas depois do 25 de Abril.

Uma dessas salas que revisita frequentemente o espectro cinematográfico descrito é a Cinemateca. Nas mãos de uma lei do cinema injusta, que coloca os apoios dependentes dos “êxitos de bilheteira”, de um governo que não abre concursos à produção cinematográfica, que vê concelhos e distritos inteiros a ficarem sem salas de cinema (enquanto a Zon vai monopolizando a distribuição e criando uma ditadura do gosto cinematográfico), não apoia a internacionalização do cinema português (e temos Guerra da Mata em Locarno, João Viana em Berlim, Salaviza em Cannes, Miguel Gomes em Cannes, Vendrell em Toronto, Gabriel Abrantes em Locarno a expensas suas ou não vão), que quer destruir o serviço público de televisão e se desresponsabiliza do financiamento do cinema português.

Em 2012 não se realizaram os concursos de apoio à produção cinematográfica e em 2013, apesar de ter sido aprovada a Proposta de Lei do Cinema e do Audiovisual e de esta vigorar plenamente, o Governo não tem quaisquer condições de assegurar a atribuição dos apoios previstos na Lei, por força da incapacidade de cobrança que tem vindo a ser demonstrada, particularmente a de cobrar a verba a que se refere o nº 2 do artigo 10º da Lei nº 55/2012.

Tal como o PCP vinha denunciando desde o período de debate parlamentar, quer na generalidade, quer na especialidade, a Lei resultaria ineficaz para suprir as necessidades do sector e o Governo viria a utilizá-la como álibi para não financiar a Cinemateca e a produção cinematográfica.

Tais denúncias vieram, como agora infelizmente testemunhamos, a realizar-se plenamente. Independentemente dos motivos, a verdade é que a Cinemateca não tem verba suficiente para assegurar o seu funcionamento regular, o Arquivo não garante o trabalho de conservação da produção digital, nem a conversão de película em digital, e ao mesmo tempo, o ICA não dispõe de qualquer verba para a realização dos concursos de apoio à produção cinematográfica.

A opção de direita que consiste na total demissão do Estado perante a produção e criação culturais sacrifica consequentemente o direito à fruição. Não se pode dizer que existe liberdade de fruição na medida em que não existe liberdade de criação. Tal é verdade nas artes em geral e tal é verdade no Cinema Português, apesar da sua qualidade reconhecida dentro e fora do país. A pretexto das dificuldades económicas do país, o Governo provoca a destruição de um sector, cujo financiamento anual é menor do que um só dia de juros da dívida. Essa disparidade é agravada pela opção de desresponsabilização estatal vertida na Lei do Cinema, ao não atribuir ao Estado qualquer responsabilidade perante o financiamento das instituições e da produção. Na verdade, o mesmo Estado que assume cerca de 7.500 milhões de euros anuais em juros da dívida nega-se a participar com um único euro no financiamento da Cinemateca. Tal situação ilustra bem as suas opções relativamente à Arte e Cultura. O mesmo Governo que disponibilizou já mais de 6.000 milhões de euros para a banca privada, é o que se nega a participar com um só euro no financiamento de uma tarefa que lhe incumbe nos termos da Constituição da República Portuguesa.

O PCP não se opõe à cobrança de taxas que complementem a ação do Estado no financiamento à produção cinematográfica, mas não aceita que tais taxas substituam completamente o papel do Estado, tornando integralmente dependentes dos mercados a produção cinematográfica e a distribuição cinematográfica nacional. Da mesma forma, o PCP não se opõe à cobrança de uma taxa de publicidade ou a uma taxa sobre os operadores de serviços de televisão que contribua para a melhoria da qualidade dos serviços da Cinemateca – Museu do Cinema, desde que tal cobrança não signifique a inexistência de um orçamento de financiamento contemplado no Orçamento do Estado. O trabalho e o serviço da Cinemateca, do ANIM, tal como a produção cinematográfica nacional, não podem existir apenas na medida da dinâmica de um mercado, cujos agentes são na maioria privados. O PCP não aceita que o cinema português e a Cinemateca deixam de existir sempre que as receitas de publicidade baixam ou sempre que os operadores de serviços de televisão percam subscritores, ou pura e simplesmente, se neguem a pagar a parte que lhes cabe de acordo com a Lei do Cinema e do Audiovisual.

Os efeitos da opção do Governo, traduzida no conteúdo da Lei do Cinema, fazem agora sentir-se. Por um lado porque nenhuma cobrança é realizada, por outro porque a componente que é entregue à cinemateca resulta apenas da aplicação do nº 1 do Artigo 10º e da alínea b) do nº1 do Artigo 13º, o que significa que a Cinemateca – Museu do Cinema – apenas recebe 20% da taxa de publicidade angariada, sem qualquer complemento previsto nos seguintes números do artigo 10º.

O PCP apresentou inúmeras propostas de alteração à proposta de Lei que viria a originar a Lei do Cinema e do Audiovisual, nomeadamente a da introdução obrigatória de curtas portuguesas e de uma quota de exibição de cinema português, a da criação do estatuto do cinema não comercial, a do apoio à digitalização, a do apoio aos Cineclubes e Festivais de Cinema, entre muitas outras. Da mesma forma, opôs-se a esta Proposta de Lei que, como se veio a revelar, resultou na asfixia total da programação da Cinemateca. Registe-se que o Governo apenas deu garantias que até hoje permanecem desconhecidas e baseadas em soluções momentâneas perante a ameaça de encerramento da Cinemateca em Setembro e a grande manifestação de solidariedade dos profissionais do sector e da generalidade dos cidadãos. No entanto, dada a urgência com que se cruzam os trabalhadores e as empresas do sector, bem como a urgência que surge da situação em que se encontra a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema PCP propõe a correção do erro claro que é o resultado da opção do Governo ao responsabilizar apenas o sector privado dos operadores de serviço de televisão, desresponsabilizando aquele que deve ser o primeiro responsável: o Estado.

Sem prejuízo de muitas outras críticas e alterações de que o Grupo Parlamentar do PCP não abdica, impõe-se a atuação lesta e precisa da Assembleia da República.

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto

A presente lei altera os artigos 9º, 10º e 13º da Lei nº 55/2012, de 6 de Setembro, estabelecendo um regime de financiamento do cinema português e da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

Artigo 2º
Alteração à Lei nº 55/2012 de 6 de Setembro

Os artigos 9º, 10º e 13º da Lei n.º 55/2012, de 6 de Setembro, passam a ter a seguinte redação:

“Artigo 9º
Financiamento
1. O Estado assegura o financiamento das medidas de incentivo e de atribuição de apoios com vista ao desenvolvimento da arte cinematográfica e do setor audiovisual, nos termos estabelecidos na presente lei e nos diplomas que a regulamentam, por meio da cobrança de taxas, do estabelecimento de obrigações de investimento e da consagração de um orçamento de funcionamento e de um orçamento de investimento em sede de orçamento geral do Estado, atribuídos ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA, I.P.) e à Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (Cinemateca, I.P.).

2. As fórmulas de financiamento do Orçamento de funcionamento do ICA, I.P. e da Cinemateca, I.P. são aprovadas por Decreto-Lei anualmente e asseguram todos os custos de estrutura das referidas entidades.

3. O Orçamento de Investimento é inscrito no Orçamento do Estado a cada ano e o seu valor é igual à previsão do valor angariado pela cobrança da taxa prevista no artigo 10º para o mesmo ano.

Artigo 10º
Taxas

1. (…)
2. Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de dois euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores.
3. À taxa referida no número anterior aplicam-se, em cada ano civil, uma atualização percentual igual à da inflação e um aumento de 5% sobre o valor resultante, até ao máximo de cinco euros.

Artigo 13º
Consignação de receitas
1. (…)

2. O produto da cobrança da taxa prevista no nº 2 do artigo 10º constitui:

a) 20%, receita da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (Cinemateca, I.P.);
b) 80%, receita do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA, I.P.).

3. A consignação da receita do ICA, I.P., deduzidos os compromissos assumidos em quaisquer parcerias ou acordos celebrados no âmbito das suas atribuições, é alocada tendo em atenção as seguintes prioridades, em conformidade com a declaração de prioridades e com o orçamento anual:

a) (…);
b) (…).

4. A percentagem prevista na alínea b) do número anterior será aumentada em cada ano civil em 5% até ao limite máximo de 30%, nos termos definidos em diploma regulamentar da presente lei.”

Artigo 3º
Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado imediatamente posterior à sua publicação.

Assembleia da República, em18 de setembro de 2013

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