Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

PCP apresenta apreciação parlamentar ao regime de delegação de competências nos municípios

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, que estabelece o regime de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais, em desenvolvimento do regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro
(apreciação parlamentar n.º 132/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Um verdadeiro processo de descentralização de competências deve corresponder a um efetivo aumento da capacidade de resposta, do reforço dos direitos e da satisfação das necessidades das populações, assegurando serviços públicos de qualidade.
Um verdadeiro processo de descentralização de competências não pode colocar em causa a universalidade nem acentuar assimetrias e deve contribuir para a coesão territorial, respeitando a autonomia do poder local democrático.
Um verdadeiro processo de descentralização de competências deve garantir os meios necessários para o desenvolvimento dessas mesmas competências.
Mas não estamos perante um processo dessa natureza. Não estamos perante um processo de descentralização de competências mas, sim, de uma desresponsabilização do Governo pela garantia de direitos sociais fundamentais, como a educação, a saúde, a segurança social e a cultura, com o Decreto-Lei n.º 30/2015.
Não é de descentralização que se trata porque estamos perante uma contratualização, mantendo-se estas competências sob responsabilidade do Governo, o qual contratualiza com uma outra entidade, neste caso as autarquias, para a execução destas competências, tratando, inclusivamente, as autarquias como serviços desconcentrados da administração central.
É de desresponsabilização que se trata porque o Governo transfere competências cujos problemas estão longe de estarem resolvidos, transferindo, assim, também para as autarquias o descontentamento das populações hoje existente.
É de desresponsabilização que se trata porque os recursos alocados para a execução dessas competências são insuficientes, persistindo à mesma os problemas que hoje existem, e alguns poder-se-ão até agravar.
É de desresponsabilização que se trata porque a universalidade de direitos fundamentais está colocada em causa quando deixa de existir uma política e uma orientação para passar a haver dezenas ou até centenas. Deste modo, crescerão as desigualdades e as assimetrias territoriais.
O Governo fala que o País está mais centralizado. É verdade. Mas podemos perguntar: onde esteve o Governo quando decidiu encerrar centenas de serviços públicos, como escolas, extensões de saúde, tribunais, CTT, serviços desconcentrados de apoio aos setores produtivos e até extinguiram freguesias?
Onde esteve o Governo para proceder à reorganização administrativa e avançar com o processo de regionalização, como preconiza a nossa Constituição? Fala em descentralização, mas talvez estejamos perante o Governo mais centralizador dos últimos anos, ao mesmo tempo que, por exemplo, desrespeita constantemente a autonomia do poder local democrático e impõe às autarquias aquelas que são as suas opções políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Decreto-Lei n.º 30/2015 foi imposto contra tudo e contra todos. As autarquias, em amplo consenso no seu Congresso, manifestaram-se contra este processo, assim como a comunidade educativa, os trabalhadores da saúde ou os trabalhadores em geral.
A transferência de competências para as autarquias, como foi definida pelo Governo, insere-se na estratégia de reconfiguração do Estado e desmantelamento das funções sociais do Estado. Por isso, propomos a cessação de vigência deste diploma.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Este processo está longe de ser consensual e que as populações em geral e os trabalhadores estejam a aclamar pela sua implementação, muito pelo contrário. O Sr. Secretário de Estado sabe, o PSD e o CDS-PP também, que o que temos visto, em relação a este processo, é contestação; contestação nas autarquias, porque a posição que as autarquias tomaram no seu congresso foi exatamente contra este processo, dizendo o que deve ser um processo de descentralização de competências e que este Governo não fez, e também nos trabalhadores e na comunidade educativa e escolar.
É um processo claramente pouco transparente porque o que o Governo está a fazer é «pesca à linha», um a um, para ver aquele que pode aderir, ou não, a este projeto.
Diz que ninguém fez descentralização de competências, mas este Governo também não a fez! Isto não é nenhuma descentralização de competências, Sr. Secretário de Estado, e sabe-o muito bem! É uma pura delegação de contratualização.
É uma desresponsabilização por parte deste Governo.
A Sr.ª Deputada Emília Santos veio dizer que não se está a impor nenhuma opção política às autarquias. Ai não está?!… Então, explique-nos aqui por que é este Governo vai privilegiar e atribuir fundos comunitários àquelas autarquias que aderiram e contratualizaram, no âmbito do processo de transferências de competências, e a outras não vai?!
Isto foi assumido aqui, na Assembleia da República, pelo Ministro Poiares Maduro!
Estão ou não estão a impor uma pressão e uma chantagem às autarquias, que para, poderem aceder aos fundos comunitários, têm de aderir às opções políticas deste Governo?!
É inaceitável que assim seja.
Para terminar, Sr.ª Presidente, gostaria de dizer que, se referimos ser muito clara a natureza deste processo de desmantelamento das funções sociais do Estado e, inclusivamente, da sua entrega a privados, é porque já temos conhecimento de que num destes municípios que assinou a contratualização de competências na área da educação existe já uma fundação, fundação esta que tem competências na área da educação, fundação esta onde participa o Grupo Jerónimo Martins, o Santander e, inclusivamente, o próprio Alexandre Soares dos Santos.
Qual é o objetivo, Sr. Secretário de Estado? É prosseguir o serviço público?!
É garantir a universalidade destes direitos aos cidadãos, ou é, de facto, abrir uma porta para que grupos económicos e financeiros, entidades privadas, possam, também por esta via, abocanhar estes sectores e de facto tornar todos estes direitos num negócio?!
Não, não! O PCP não compactua com esta política, rejeitamo-la totalmente, e vamos continuar a defender os direitos dos portugueses que estão consagrados na nossa Constituição.

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