Ficámos a conhecer esta semana a proposta para o Orçamento do Estado para 2024.
Um Orçamento que, para lá da propaganda, da manipulação, do mascarar e martelar de números, mantém as opções de classe inscritas nos orçamentos anteriores da maioria absoluta do PS.
Bem pode o Governo tentar fazer passar este como o melhor dos orçamentos, aliás é sempre assim, ou o mais à esquerda, ou o maior de sempre, mas a verdade é que este é mais um instrumento na continuação de opções que não dão resposta aos principais problemas com que os trabalhadores e o povo estão confrontados.
E é assim por opção e apenas por opção.
Uma opção para a qual se encontram sempre justificações, ora a crise, ora a epidemia, ora a guerra, ora a incerteza, mas o que em cada um destes diferentes momentos se revela é que há sempre uns poucos que em todos estes momentos concentram a riqueza, e há muitos, a larga maioria, para quem sobra sempre a factura.
E é exactamente nesse momento em que nos encontramos, agora é a chamada incerteza dos desenvolvimentos internacionais a justificar mais uma vez novas contenções para a grande maioria e grandes oportunidades para os grupos económicos.
É a incerteza e a instabilidade que recaem sobre os mesmos do costume, a esmagadora maioria do costume, os que hoje como sempre produzem a riqueza e prestam os serviços essenciais à população.
Para os grupos económicos, quem mais tem e mais se apropria da riqueza produzida pelos trabalhadores, para esses sobra sempre a certeza e a estabilidade para continuarem a concentrar nas suas mãos grande parte dos recursos.
É a conversa do costume. Em tempos difíceis, ditos de austeridade, espremem-se os trabalhadores, os reformados e o povo, os seus direitos, salários, pensões. Em tempos de algum crescimento mantém-se o garrote em nome da prevenção dos tempos difíceis que podem um dia chegar.
Para o capital todos os tempos são bons para acumular lucros e concentrar riqueza.
O Orçamento do Estado é um exemplo claro das opções do Governo e uma expressão da indisfarçável contradição entre os baixos salários e pensões que atingem a larga maioria da população e os colossais lucros dos grupos económicos e das multinacionais.
Mas por muito ardilosa que seja a propaganda, nada apaga um facto objectivo – a opção pela limitação dos aumentos de salários e pensões.
A proposta de OE objectivamente não tem a recuperação do poder de compra face ao significativo aumento dos preços verificados em 2022, 2023 e que se antevê para 2024 e que mantêm a injustiça na distribuição da riqueza criada.
E é assim, contrariando todos e cada um dos ditos e anunciados objectivos avançados pelo próprio Governo, e não deixa de ter significado que o Governo, tal como a CIP, nunca falem de salários, mas sim de rendimentos.
Por muito eficaz que seja a ilusão, não há nada que disfarce que mais uma vez se passa completamente ao lado dos lucros dos grupos económicos e das multinacionais, opção muito visível na banca, como se fosse possível ignorar os 11 milhões de lucros por dia que arrecada.
Nem uma medida sequer que chame a banca a contribuir para a resolução do enorme problema que o País enfrenta com o agravamento das taxas de juro.
Este é um aspecto muito revelador das opções de fundo deste OE que vai ainda mais longe no que toca à aposta em benefícios fiscais para os grandes proprietários e fundos imobiliários, a subsidiação pública dos lucros da banca, na recusa de uma intervenção para baixar o valor das rendas, caminhos opostos à consagração do direito à habitação digna.
Toda a propaganda não consegue esconder o facto de não haver nenhuma medida de fundo de combate às assimetrias regionais, nem de resposta aos grandes problemas que atingem os serviços públicos.
É opção o desmantelamento dos serviços, uma opção da UE, das imposições do Euro, um caminho a que o PS, mas também PSD, CDS, Chega e IL se submetem.
Uma opção e submissão que explica que mais uma vez não se tomem medidas para fixar e atrair profissionais para o SNS, não se reconheça o tempo de serviço dos professores, os direitos dos profissionais das forças e serviços de segurança ou da justiça, a valorização das carreiras e das profissões em toda a Administração Pública.
É opção a perda de poder de compra e desmotivação na maioria dos trabalhadores do Estado, com impactos que já ninguém consegue esconder na generalidade dos serviços públicos.
Mais uma vez aí estão anúncios atrás de anúncios de investimentos que, para lá de insuficientes, em muitos dos casos não sairão como não saíram antes do papel.
Ora o que o País precisa é de hospitais, centros de saúde, escolas, creches e jardins de infância, lares e outros equipamentos de apoio à terceira idade, equipamentos públicos que fazem falta às populações e que, tal como inúmeras infra-estruturas necessárias ao País, continuam a marcar passo.
Para lá da propaganda, o que aí está é a manutenção da gritante injustiça fiscal.
A verdade é que, para lá do que foi anunciado, há tudo aquilo que não foi dito: ainda mais recursos e ainda mais privilégios ao grande capital, com ainda mais benefícios fiscais atribuídos por tudo e por nada.
Benefícios para o capital no investimento, em benefícios para pagar salários ou para contratar trabalhadores, em benefícios para a inovação.
É caso para dizer que aqueles que estão sempre na primeira linha para supostamente criticar o papel do Estado na economia, são sempre os principais beneficiários dos recursos públicos.
Só em benefícios e privilégios fiscais dirigidos no fundamental às grandes empresas o Governo prevê entregar mais de 1600 milhões de euros, mais 200 milhões daquilo que foi entregue neste ano.
E ainda há quem diga que o Governo nesta proposta não olhou para as grandes empresas, fará se tivesse olhado.
Na proposta de Orçamento, os encargos com as parcerias público-privadas crescem em 20%, qualquer coisa como 1265 milhões de euros, mais 200 milhões do que em 2023.
No sector da saúde, a rubrica “aquisição de bens e serviços”, que traduzido significa, na sua maioria, transferência para o sector privado da doença, será cerca de 8 mil milhões de euros.
Mais um orçamento e mais uma vez o Governo garante ao sector privado mais de metade do orçamento do SNS.
O que se impõe não é drenar mais milhões para a caixa registadora dos grupos privados que fazem da doença um negócio, mas sim dotar o SNS dos meios e profissionais necessários para garantir a todos o direito à saúde.
Este orçamento, tal como a restante política do Governo, segue em toda a linha os interesses do grande capital e revela a ânsia privatizadora que caracteriza o PS, mas também PSD, Chega, IL e CDS.
Para além do crime económico que constitui a intenção de privatização da Efacec, empresa que apesar de todas as limitações continua a celebrar importantes contratos que a colocam na primeira linha da indústria, aí está a vontade de entregar a TAP ao grande capital estrangeiro.
Estamos perante uma proposta de Orçamento que mais não é do que um cinto apertado, muito apertado na vida dos trabalhadores e do povo.
Uma proposta na continuação das injustiças e desigualdades.
É um Orçamento de continuidade, de continuidade com os dois últimos orçamentos, marcados que foram todos pela recusa da resolução dos problemas fundamentais com que o País está confrontado e por um caminho de cedência aos grupos económicos. Um Orçamento de quem se julga com poder absoluto para favorecer absolutamente os interesses dos grupos económicos.
Tal como os dois anteriores, também este é marcado pela submissão às imposições da UE e do Euro, pela redução da dívida e do défice à custa das condições de vida de quem vive e trabalha em Portugal.
Um Orçamento e uma política que se conforma com o papel subalterno e dependente para onde querem remeter o País.
Foi este o caminho que o PS escolheu.
Hoje é altura de relembrar os acontecimentos em torno da discussão sobre a proposta de Orçamento do Estado de 2022, todo o quadro de chantagem, de pressão, de vitimização que foi criado e o que daí resultou.
É momento de relembrar que foi o PS que recusou medidas que já na altura se demonstravam fundamentais e hoje aí estão, em todo o seu esplendor, as consequências de tal recusa.
É momento de relembrar que o PS recusou o aumento dos salários, recusou eliminar as normas gravosas da legislação laboral que puxam para baixo salários e direitos, recusou tomar medidas para fixar profissionais no SNS e reforçar os serviços públicos, recusou medidas para enfrentar os problemas da habitação.
Todas e cada uma das questões recusadas pelo PS em 2021 aí estão por resolver e a agravar-se como nós oportunamente alertámos.
O País na altura teve eleições em vez de soluções. Uma opção que não surpreende por parte de quem como o PS tem como opções fundamentais aquelas que moldam a política de direita. O resultado está à vista.
Criar mais riqueza para a concentração nos grupos económicos, é esta a matriz das contas certas, as contas de Bruxelas, as contas certas deles que desacertam as nossas vidas.
É esta a matriz da proposta de Orçamento, e é por isso que são indisfarçáveis as dificuldades de PSD, CDS, Chega e IL em, para lá da gritaria, criticarem o documento que, nas suas opções de fundo, em tudo se aproxima das suas próprias opções e objectivos.
Ora as contas que o País precisa são outras, são as contas certas com o que é necessário, urgente e possível.
É necessário, urgente e possível o aumento geral dos salários em 15%, no mínimo de 150 euros, e assegurar a progressão do Salário Mínimo Nacional.
Um Salário Mínimo de 910 euros em Janeiro próximo, atingindo os mil euros em 2024.
É necessário, urgente e possível o aumento de todas as pensões em 7,5%, num mínimo de 70 euros.
Há mais do que condições para aumentos, para todos e a descontar para a Segurança Social.
É a Segurança Social que garante a protecção na maternidade, na paternidade, na doença, no desemprego, na aposentação e na reforma.
Pretender aumentar salários à custa destes descontos, à custa do dinheiro dos próprios trabalhadores, é um ataque frontal e descarado aos direitos consagrados à população.
Se há dinheiro para aumentar salários, e há, então basta de conversa e que se redistribua a riqueza criada de uma vez por todas.
É necessário, urgente e possível a revogação da caducidade da contratação colectiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável aos trabalhadores.
O controlo dos preços dos bens e serviços essenciais, nomeadamente dos alimentos, combustíveis e telecomunicações.
Impedir hipotecas e despejos, proteger a habitação própria, regular e diminuir rendas e fazer de uma vez por todas aquilo que se impõe, pôr os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro.
É necessário, urgente e possível atrair e fixar milhares de trabalhadores que fazem falta nos serviços públicos e o reforço do SNS e da Escola Pública.
Criar a rede pública de creches.
Garantir uma maior justiça fiscal, reduzir o IRS para quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira, diminuir o IVA da electricidade, do gás e das telecomunicações, e assegurar a efectiva tributação do grande capital.
É necessário, urgente e possível promover a criação e fruição artísticas e garantir 1% do Orçamento do Estado para a cultura.
Recuperar o controlo público de empresas e sectores estratégicos e travar as privatizações em curso.
Defender a produção nacional e apoiar os pequenos e médios agricultores e as Micro Pequenas e Médias Empresas.
Sim, um outro Orçamento do Estado é necessário e é possível, uma outra política é urgente.
Uma urgência que se exprime nas empresas e locais de trabalho, na luta pelos os salários e pelos direitos, uma urgência que se expressa nas ruas pela habitação, por melhores condições de vida e contra a injustiça e desigualdades, uma urgência que aí está na exigência dos reformados por aumentos significativos das reformas e pensões, uma exigência que se trava nas filas dos centros de saúde e à porta dos hospitais por mais médicos, por mais SNS, uma urgência que se revela em cada local contra o aumento do custo de vida, uma urgência que aí está em cada escola, em cada serviço público, uma urgência na defesa dos interesses dos trabalhadores, das mulheres, da juventude que aspiram e têm o legítimo direito a uma vida melhor .
Uma urgência que se está e vai exprimir através da justa luta.