Camaradas e amigos
O Orçamento do Estado é um importante instrumento que condensa decisões, medidas e orientações políticas para o País. É claro que está longe de ser o único, pelo que a leitura que fazemos dele tem de estar enquadrada nas opções políticas mais gerais que cada governo assume.
A primeira nota que gostaria de sublinhar é que este é um Orçamento na continuidade de outros, na continuidade da política de direita que tem sido imposta ao nosso País, na continuidade das imposições da UE a quem previamente este Orçamento foi submetido, na continuidade de uma estagnação económica com que o País se confronta desde que passou a estar sujeito às imposições do Euro.
Com todo o passado que conhecemos nas últimas duas décadas, o que este OE propõe para o próximo ano é um crescimento do PIB em 1,5%! De facto, o regresso à estagnação económica, depois da inevitavel recuperação dos impactos da pandemia!
Na verdade, este é mais um Orçamento onde faltam decisões e opções de ruptura em variáveis fundamentais, como o investimento público, que continua a ser sacrificado em nome de uma redução acelerada da dívida pública! Nas centenas e centenas de paginas que o OE contém, nas apresentações e discursos a que assistimos, nem uma palavra quanto à necessidade de valorizar a produção nacional, nem uma medida para assegurar ou recuperar projectos industriais estratégicos. Pelo contrário, aquilo que vemos é a completa conivência com a destruição do aparelho produtivo. É a absoluta disponibilidade para a entrega de empresas estratégias para o País, como referiu, e bem, o SG quando aqui trouxe os exemplos da TAP ou da EFACEC.
Neste orçamento e nesta política, não há resposta aos principais défices e estrangulamentos da nossa economia. Uma economia que para se desenvolver, precisa de aumentar salários, precisa de substituir importações por produção nacional, precisa de diversificar a sua actiuvidade económica e as relações externas, precisa de aumentar significativamente o investimento produtivo, para promover o crescimento económico, diminuir dependências, reduzir o endividamento, assegurar o bem estar da população.
É evidente que o Governo avança com diversas desculpas para não fazer o que se impõe: a (situação económica na ) China, o afundamento da economia alemã, a política monetária do BCE!, etc, etc. Mas aquilo que não faz, é dizer quais as medidas que vai tomar para lidar com eventuais dificuldades externas. Pior ainda, assume sem confessar o seu encaixe numa estratégia que amarra o País às imposições da UE e à estratégia de confrontação, guerra e sanções do imperialismo com graves prejuízos para o nosso Povo e para o País.
A segunda nota é para os que procuram circunscrever a política económica e orçamental a uma discussão sobre impostos em abstracto.
Na verdade o que esta operação em torno dos impostos visa, como tantas vezes temos denunciado, é baixar os impostos sobre o grande capital e aprofundar a injustiça fiscal. Uma operação na qual convergem PS, PSD, CDS, Chega e IL.
Como temos afirmado, Portugal não tem um problema de impostos – que são necessários para garantir saúde, educação, segurança social, habitação ao nosso Povo - tem, isso sim, um problema de justiça fiscal. Há impostos que podem e devem baixar, como é o caso do IVA e da tributação sobre os salários e as pensões. Mas também há impostos que precisam de aumentar. Porque é imoral que os bancos e outros grupos económicos que ganham centenas de milhões euros paguem taxas efectivas de impostos mais baixas do que muitos trabalhadores e pensionistas.
Na proposta de OE que o Governo apresenta, o governo vai atrás da manobra do PSD, e concentra todas as medidas de suposto alívio fiscal no IRS, ignorando a necessidade de uma redução do IVA sobre produtos e bens essenciais, como a energia ou as telecomunicações, no fundo, passando ao lado de uma intervenção nos impostos indirectos que penalizam sobretudo a fgrande massa de população com baixos salários e pensões.
No âmbito do IRS, o Governo não quis atualizar a dedução específica, valor congelado desde 2010, o que beneficiaria todos os rendimentos; e optou por realizar o alívio mais tímido – do que aquele que o PCP propôs recentemente - nos rendimentos mais baixos e intermédios.
Ao mesmo tempo, o Governo ignora a necessidade de acabar com regimes de privilégio fiscal e de garantir a tributação em Portugal dos lucros realizados no país.
O país perde centenas de milhões de euros por ano com estes subterfúgios, acessíveis apenas às grandes fortunas e lucros. Impõe-se revogar o regime dos residentes não-habituais, e não prolongá-lo para os que dele já beneficiam e estimular uma corrida ao regime até dezembro de 2023, como faz a proposta do Governo. É preciso obrigar à tributação em Portugal dos lucros realizados no país, em vez de criar novos benefícios fiscais em sede de IRC para as grandes empresas, como faz a proposta do Governo. É preciso tributar os lucros escandalosos da banca, das grandes petrolíferas, da grande distribuição alimentar, e não acabar com as contribuições, muito limitadas, que existiam.
E sobretudo, é preciso aumentar salários, em vez de ir atrás de propostas patronais para legalizar pagamentos “por debaixo da mesa”, que ainda por cima podem ser só para gestores e administradores.
Aumentar salários para recuperar poder de compra, promover uma mais justa distribuição da riqueza, fixar e atrair profissionais, dinamizar o mercado interno, combater as desigualdades na sociedade e no território, é isso que se impõe, como aqui já foi afirmado.
Na verdade, e esta é a terceira nota, este OE2024 é um Maná para o grande capital, nacional e estrangeiro.
Segundo a ideologia dominante, aos grandes grupos económicos monopolistas resta-lhes a «governança», as operações de chantagem sobre o poder político (localiza-se ou não no país, fica ou vai-se embora esta ou aquela empresa como assistimos há vários anos na Autoeuropa e noutras empresas…) e, sobretudo, fazer a distribuição de dividendos.
Pois o Estado (o português como outros), fornece-lhes parte substancial do capital inicial, de arranque, para lá em geral de espaços devidamente infraestruturados, oferece-lhes benefícios fiscais, paga parte ou a totalidade do investimento em inovação, perdoa dívidas, subsidia salários, assegura fundos comunitários e verbas do OE em abundância e cada vez mais. E se houver alguns contratempos no percurso ainda apoia a criação de um PER, com perdões do Fisco, da S. Social e perdas para a CGD! Sem esquecer um possível recurso a um Tribunal Arbitral qualquer para resolver diferendos jurídicos que em regra são sempre contrários ao interesse do Estado e o País. Sim, camaradas, o importante é distribuir dividendos, mesmo que tenham que se endividar para distribuir dividendos. Mesmo sem qualquer investimento na produtividade e competitividade empresas.
Não há dúvida: dá gosto ser (grande) capitalista em Portugal…
Uma última nota sobre o acesso à habitação que se transformou num dos problemas centrais da sociedade portuguesa. Esta proposta de Orçamento pouco acrescenta às medidas que o governo já tinha anunciado antes de o apresentar.
A ausência durante décadas de investimento em habitação pública, as alterações legislativas que liberalizaram o sector, os mecanismos especulativos associados aos interesses da banca e dos fundos imobiliários, a pressão do Turismo e a transformação do direito à habitação num activo financeiro, traduziram-se num aumento significativo dos preços, que se agravou no último ano com a brutal subida das taxas de juro e o aumento das rendas.
Desconhecemos qual vai ser o valor que o Governo pretende fixar para a actualização das rendas no próximo ano. Mas sabemos já que este governo, acompanhado pelos partidos à sua direita, recusa qualquer reversão da Lei dos despejos e do quadro legislativo que permitiu a escalada do valor das rendas nos últimos anos. Recusa qualquer intervenção que confronte os lucros escandalosos da banca já aqui referidos, uma banca que ganha com o que cobra nos empréstimos e com o que não paga nos depósitos, uma banca que tem sido a principal beneficiária do agravamento das taxas de juro decretados pelo BCE.
Em Portugal, os preços das rendas mais do que duplicaram no espaço de poucos anos, e milhares de pessoas ou foram forçadas a arcar com esses aumentos escandalosos ou foram literalmente despejadas da sua habitação, em regra para uma periferia cada vez mais distante. A partilha de casas por várias famílias, o passar a viver num quarto alugado, lembram um passado distante que alguns querem fazer regressar. Na verdade há especulação a mais e direitos a menos.
A resposta do Governo concentra-se em medidas pontuais, paliativos mesmo que ostentem nomes pomposos como o Programa Mais Habitação, que são sempre úteis para quem os recebe, mas que não travam a escalada de preços a que temos assistido. O recurso à subsidiação pública das rendas ou dos juros para as famílias com maiores dificuldades que o governo propõe no Orçamento, transforma-se, na prática numa transferência de recursos públicos para a especulação imobiliária e para a banca por intermédio dos inquilinos. A mesma transferência a que assistimos com o pacote de benefícios fiscais que são atribuídos para supostamente dinamizar o mercado de arrendamento, quando o que é preciso é menos mercado, menos neoliberalismo e mais habitação pública.
Camaradas e amigos
O enorme contraste entre aquilo que faz falta aos trabalhadores, ao Povo e ao País e a política que está em curso é real. Assistiremos nos próximos dias ao ruído do costume por parte das forças mais reaccionárias em torno desta ou daquela medida. Um ruído que tem como principal objectivo esconder a convergência que existe na defesa do grande capital. Esconder que a verdadeira e única alternativa requer uma ruptura com a política de direita e reclama uma política patriótica e de esquerda que assegure soluções para as nossas vidas e projecte o futuro.
Da nossa parte, faremos da discussão em torno do OE mais um momento para afirmar as soluções e a política alternativa que o País precisa. Mesmo sabendo que muitas das nossas propostas poderão esbarrar no muro da política de direita, mas ainda assim, não prescindindo de afirmar um rumo alternativo para Portugal. Um rumo que, mais cedo do que tarde, será construído pela luta dos trabalhadores e do Povo, pela acção e intervenção do PCP.