[extractos]
Quero começar por agradecer o terem-me convidado a estar aqui convosco neste importante Encontro cuja preparação, tema escolhido e reflexão realizada é, só por si, revelador do grande interesse e importância que o Partido atribui ao trabalho com as camadas intelectuais e do empenhamento que coloca no seu aprofundamento.
Não se trata, como é sabido, de qualquer atitude de última hora visando a obtenção de meros efeitos mediáticos ou propagandísticos.
Trata-se de uma postura que percorre toda a história do Partido e que decorre do reconhecimento da força transformadora das ideias, da arte, da ciência e da cultura e também do valor dos amigos e aliados nas diferentes fases da luta. E ao comemorar este ano o 75º aniversário o PCP pode legitimamente orgulhar-se de ter dado desde a sua fundação uma contribuição fundamental para a tomada de consciência de classe e para a formação cívica, política e cultural de milhares e milhares de explorados.
O PCP define a aliança da classe operária com os intelectuais e outras camadas intermédias, como uma das alianças básicas para a transformação da sociedade portuguesa.
Para o PCP os intelectuais não são, no entanto, meros aliados. O PCP atribui um especial valor à intervenção dos intelectuais na luta pelo progresso e pela transformação social e aos numerosos intelectuais que acolhe nas suas fileiras, incluindo das mais destacadas figuras da nossa cultura.
E o Encontro Nacional, através de uma mais alargada e aprofundada reflexão sobre a situação, evolução, especificidade e problemas desta camada, seguramente que vai permitir um novo impulso na intervenção dos intelectuais comunistas e, em geral, em todo o trabalho partidário dirigido à intelectualidade.
Na frente social existem magníficas expressões de intervenção e de organização sindical e profissional em importantes sectores.
Não há também qualquer exagero na afirmação de que os intelectuais comunistas têm dado um valioso e continuado contributo para a auto-consciência, a auto-organização e a auto-afirmação social e política das principais profissões intelectuais.
Mas a importância que conferimos à sua intervenção e a importância que damos a este nosso Encontro deve-se também ao facto de ele ter tido lugar numa conjuntura política nacional e internacional de grande complexidade e de grande ofensiva ideológica contra direitos e conquistas civilizacionais. O que exige do nosso Partido e de toda a intelectualidade progressista uma grande atenção, esforço e empenho na luta das ideias e no combate às mistificações e reaccionarismos que se exprimem nos mais diversos campos.
Quem olha o Mundo sem preconceitos ou hipocrisias não pode deixar de se sentir chocado e de considerar intolerável que um dos traços mais marcantes e caracterizadores da nossa época se exprima no contraste brutal em que, de um lado temos avanços fulgurantes do espírito humano nos mais diversos domínios, nomeadamente, no campo da ciência e da tecnologia, permitindo com menos tempo a produção de mais e melhores bens e serviços e do outro, em vez da melhoria do nível e qualidade de vida dos povos, o emprego e a redução do tempo de trabalho, temos o retrocesso social, a degradação dos salários e a liquidação de direitos duramente conquistados.
Os grandes senhores do dinheiro e os apologistas da ordem estabelecida continuam a procurar através dos vários aparelhos ideológicos, condicionar e manipular os trabalhadores e a opinião pública em geral. Será por acaso, ou devido à excelência da Universidade de Chicago que esta se tenha transformado numa autêntica fábrica de prémios nóbeis da economia — cinco depois de 1990 — conhecendo-se a ideologia ultra liberal que aí é ministrada! O grande capital nunca teve falta de políticos, intelectuais e propagandistas hábeis em preconizar a submissão às divinas leis naturais do mercado e da exploração, em louvar as virtudes estimulantes das desigualdades sociais e da centralização e concentração de capitais, em denunciar a ameaça satânica e subversiva dos que mostram que há outras alternativas e outros caminhos. Que há mais coisas no céu e na Terra que os dogmas neoliberais. Os dogmas monetaristas e a ortodoxia neoliberal e a sua propaganda, continuam a esconder os mecanismos que engendram a pobreza e a miséria vivendo paredes meias com a riqueza mais opulenta.
Servindo os grandes interesses, o alto clero da religião neoliberal, solidamente ancorado nos seus dogmas, apesar de contrariado pela dura realidade continua a proclamar que não há alternativa, que não há outra saída. Mas há. Mesmo pontualmente é caso para nos interrogarmos porque não foi aceite a proposta do economista J.Tobin, apresentada pela ONU na Cimeira sobre desenvolvimento humano de se aplicar uma pequena percentagem sobre as transacções financeiras mundiais o que daria para cobrir as necessidades básicas das populações mais desmunidas em todo o Planeta.
O pensamento dominante é o da classe dominante, aquilo que já se chama de «pensamento único» ou de «pensamento único universal». Os catecismos e as fórmulas neoliberais são recitadas e retomadas pelos mais variados escribas — universidades e grandes meios de Comunicação Social — como se estivéssemos perante uma evidência, uma conclusão demonstrada, indiscutível, cristalina, enquanto a acumulação se processa e os povos se afundam na miséria. O conhecido Zbigniew Brzezinski já depois dos acontecimentos de Leste afirmou que a base do poderio americano se deve em grande parte, ao seu domínio do mercado mundial das Comunicações (...). Acrescentando: «este cria uma cultura de massas que é uma força de imitação política»!
A concentração da riqueza acentuou-se velozmente. A desregulamentação em grande escala permite aos fluxos de capitais deslocarem-se à velocidade da luz conseguindo fantásticos ganhos especulativos, à custa dos povos. Foi a aceleração da chamada economia de casino.
Mas hoje cresce também a consciência que por de trás do «tudo à liberalização e ao mercado» está o objectivo da hegemonia, da imposição da lei do mais forte, da submissão e aniquilação do mais fraco.
Confrontados com a recessão muitos são também os que hoje se interrogam sobre os prometidos efeitos positivos desta política de adaptação à «economia global», quer nos países mais frágeis economicamente, quer nos países mais desenvolvidos.
Mas no quadro da crise vai aumentando também o caldo de cultura dos integrismos, dos fundamentalismos e dos nacionalismos. A degradação da democracia política e a acentuação das desigualdades e das injustiças sociais e a angústia de uma existência precária alimenta todas as derivas irracionais, a que há que juntar nas grandes metrópoles um urbanismo cinzento e isolacionista, criando de facto verdadeiros ghettos, nomeadamente de imigrantes. As explosões de violência e a insegurança ligadas a estas questões alimentam depois as respostas racistas, xenófobas e de ultra direita.
No entanto continua a procurar-se fazer crer que a única saída está na política neoliberal, na desregulamentação e na idolatria da competição.
Melhorar a «excelência de produtos» e a «competição» são as duas frases chave para o êxito e a modernidade.
Como competir na economia global? Esta é uma questão central que é colocada aos governos, aos empresários, aos sindicatos, aos trabalhadores. E colocado assim o problema, na sua forma esquemática e mistificadora a resposta vem depois: é necessário desregulamentar, flexibilizar, liquidar direitos, diminuir os salários, num mundo cada vez mais aberto e competitivo. Se o não fizermos teremos o encerramento de empresas e com elas o desemprego, pelo que o dilema é: assalariados, ou aceitam trabalhar mais e ganhar menos, com menos direitos ou terão o desemprego. Só que a desregulamentação, a flexibilização e a diminuição dos salários reais há muito que se vai processando mas, em vez de emprego o que temos é o aumento de desemprego e uma polarização crescente de riqueza.
A competitividade é assim difundida como a lei da selva, como estratégia militar, como ideologia de guerra.
Concorrência, lei do mais forte, competitividade.
Na «aldeia comum», na «casa comum», prosseguem as pilhagens, os sofrimentos, as vexações seculares, o rotativismo de ditaduras e a erosão das liberdades democráticas.
E tudo isto é acompanhado com a apologia, dos «ajustamentos» ditados pelos países ricos, com o axioma tradicional: a ortodoxia monetária, vigiada pelo FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, reflectindo e assegurando a estratégia e a hegemonia do capital transnacional.
A "armadilha" da mundialização assentando em factos objectivos visa assim incutir aos povos duas grandes ideias: a primeira é que os Estados só podem resistir ao capital transnacional e à mundialização ou globalização através de instituições internacionais que como se sabe na actual correlação de forças são elas próprias dominadas pelo grande capital e pelas grandes potências, acelerando assim o desmantelamento de barreiras aduaneiras, fiscais, técnicas, políticas e a dominação global.
A segunda é que num mundo global, numa concorrência mundial só ganha quem desmantelar, flexibilizar, desregulamentar, ou seja, quem diminuir os custos do trabalho, os direitos, quem reduza e continue a reduzir os salários reais relativos, quem mais introduza a "lei da selva", a nova escravatura do trabalho para que no Planeta subsista o reino do capital, do imperialismo. Mas a caminho do século XXI está o homem condenado a tal regressão? Será inevitável que milhões de seres humanos e até Continentes quase inteiros estejam condenados à miséria? Será este caminho uma fatalidade?
Também em relação à União Europeia querem-nos fazer crer que não há outro caminho senão os critérios de Maastricht e a moeda única, pois com ela poderemos partilhar o desenvolvimento económico da Alemanha e o poder monetário do Bundesbank. Mas também aqui, será fatal o aumento do desemprego? Serão fatais as tensões monetárias e a tirania dos mercados financeiros sobre os Estados em nome da «globalização» da economia? Será fatal a construção europeia pelo patamar social mais baixo, pelo mínimo dos direitos sociais? Será fatal a moeda única e o pensamento da alta finança que nos quer fazer crer que a modernização passa pelo eufemismo da moderação salarial, pela liquidação de direitos, pela liquidação da segurança social ou do chamado «Estado providencia»?
Não há outra construção europeia assente no diálogo das culturas e numa verdadeira cooperação e solidariedade, defendendo os aparelhos produtivos nacionais e as suas complementaridades, preservando as moedas nacionais, colocando em conjunto um instrumento monetário comum capaz de contrariar as especulações e estimular o desenvolvimento em conjunto? É caso para perguntar áqueles que à falta de argumentos nos acusam de anti-europeus: quem são mais europeus, os grandes senhores da finança, ou os trabalhadores, os agricultores e pescadores e os cidadãos em geral que, quer na Dinamarca, na Alemanha, na Bélgica, em França, em Itália, em Portugal e noutros países têm saído à rua em protesto contra Maastricht? Quem são mais europeus aqueles que querem mais intensificação da exploração, mais dominação ou aqueles que lutam por construir uma Europa de cooperação com a efectiva «coesão económica e social», que coloque os países em pé de igualdade, uma Europa mais solidária, mais justa e mais humana?
Será que não dá que pensar os milhões de desempregados e de pobres desta Europa neoliberal?
Será que não dá que pensar a realidade de uma Comunidade onde os especuladores financeiros podem atacar impunemente as economias nacionais, onde os fluxos financeiros são dezenas de vezes superiores à circulação de mercadorias, onde um só especulador pode ganhar numa só noite mil milhões de dólares mas onde, num só dia milhares e milhares de trabalhadores perdem o seu emprego?
Mas esta ofensiva tem encontrado e vai continuar a encontrar a resistência dos trabalhadores e dos povos e vai mostrando a falência das soluções e a quem servem.
Lembremos entre outros, o caso do México, que é paradigmático, pelos recentes acontecimentos, com a sua economia e moeda depois de ter sido considerada um caso exemplar pelo F.M.I. e depois pelo levantamento de Chiapas e pela sua evolução. Lembremos as importantes lutas do fim do ano em França, a que não são estranhas a mundialização e o facto de 10% dos franceses serem detentores de 50% do património da França! É uma mundialização contra o desenvolvimento humano.
As novas tecnologias que poderiam favorecer o desenvolvimento e a melhoria e o nível e qualidade de vida das populações servem de instrumento para a especulação e servem de vectores à guerra económica e financeira, nomeadamente, entre as multinacionais dos três grandes pólos mundiais.
Por isso, perante a complexidade dos problemas, as mistificações ideológicas e a ofensiva global contra os salários, os direitos dos trabalhadores e a segurança social, mais necessário se torna a troca de experiências, a reflexão comum e a realização de iniciativas e intervenções conjugadas ou coincidentes das forças comunistas e de esquerda, nomeadamente na União Europeia. Foi neste sentido que tomámos a iniciativa de Encontros para a reflexão comum dos principais seis partidos comunistas da Europa sobre temas específicos, tendo-se realizado a penúltima em Lisboa sobre questões sociais e a última na Grécia sobre as consequências de Maastricht.
Foi com este espírito que demos também a nossa contribuição e empenho ao Comício de Paris com representantes ao mais alto nível de forças comunistas, de esquerda e a presença de várias individualidades e é também com esse objectivo que estaremos no dia 8 de Junho, a convite de Júlio Anguita no Encontro de Madrid.
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