Em vésperas da abertura do ano lectivo, a comunidade educativa está, uma vez mais, confrontada com um conjunto de indefinições, nomeadamente quanto a aspectos de funcionamento das escolas, este ano agravado com a implementação apressada da chamada “Reforma do Estado” no Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) com a criação da Agência para a Gestão do Sistema Educativo.
Uma alteração profunda, suportada no decreto-lei 99-2025, publicado a 28 de Agosto, que introduz alterações, não apenas na estrutura do Ministério, mas sobretudo na política educativa, desde logo no papel que atribui ao Estado, transformando o Ministério num mero regulador, com graves implicações já no ano lectivo que se vai iniciar.
Apesar de só com a publicação das Leis Orgânicas, se ficarem a conhecer todas as consequências da reforma/reorganização do MECI no sistema educativo, é já possível, a partir da leitura do diploma e do programa do Governo, concluir sobre a opção assumida quanto à matéria de política educativa: desmantelar o sistema público de ensino, abrindo campo a um sistema de ensino privado suportado no erário público.
Financiamento público do ensino privado, como fica evidente já neste ano lectivo com o aumento do número de turmas para o ciclo 2025/2028 e do respectivo financiamento em mais 48 milhões de euros. Já no passado mês de Março o Governo decidiu atribuir aos colégios privados a abertura de 5.000 novas vagas no pré-escolar, que só não se concretizou na totalidade, porque os privados consideraram que o dinheiro era insuficiente.
O anúncio agora feito de contratualização com 30 autarquias para a criação de 6.000 vagas no pré-escolar não ilude o nível de carência existente em particular nos concelhos mais populosos.
Uma vez mais o ano lectivo vai iniciar-se com a falta de milhares de professores. Após o processo de contratação inicial, mais de 3.100 horários ficaram por preencher, o que significa que dezenas de milhar de alunos terão no início do ano falta de professor a pelo menos uma disciplina. Situação que se prevê ainda mais grave do que no ano anterior, em que mais de 20.000 alunos, no final do ano, ainda tinham a falta de um professor.
O número de professores disponíveis para as reservas de recrutamento era antes da reserva de Recrutamento 1, 16.816 docentes, menos 13,2% que em idêntico momento no ano lectivo anterior, o que faz crer estar-se perante um quadro crescente de alunos com falta de pelo menos um professor, aliás como comprovam os dados da DGAE fornecidos à consultora KPMG, relativos ao início do 2º período dos três últimos anos lectivos.
Apesar deste agravamento, o Governo, de forma intencional, abriu menos vagas a concurso, quer no concurso interno e externo, quer no extraordinário, relativamente ao ano anterior.
Como o PCP há muito tem defendido, a falta de professores não se resolve com medidas avulsas do tipo “campanha integrar +”, mas respondendo à questão de fundo: como tornar a profissão mais atractiva? A resposta é rever o Estatuto da Carreira Docente, melhorar os salários e as condições de trabalho. Só assim será possível atrair mais jovens para a profissão docente e estancar a saída de centenas de professores para reforma antecipada.
Mais de 90% dos professores do quadro têm idade superior a 40 anos, com cerca de 40.000 a atingirem a idade da reforma nos próximos 10 anos.
Mas não é apenas a falta de professores que vai marcar o dia a dia das escolas. É o défice de auxiliares de acção educativa, assistentes técnicos, psicólogos e outros técnicos superiores de educação, sem os quais as escolas não darão a resposta necessária ao acompanhamento dos alunos com necessidades específicas e aos milhares de alunos estrangeiros tornando a escola menos inclusiva. A que acresce a situação do parque escolar, com mais de 500 escolas a carecer de obras profundas de requalificação transferidas nesse estado, arbitrariamente, para as autarquias.
O PCP chama a atenção para o facto de após a decisão sobre novas aprendizagens essenciais para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, as concepções retrógradas sobre o currículo vão bem mais longe este ano lectivo, com o processo em curso de revisão das aprendizagens essenciais a todas as disciplinas, com uma pré-implementação já em Setembro de 2025, em 10 escolas e com a implementação integral em todas as escolas, em Setembro de 2026.
Um caminho que aprofunda um estreitamento e empobrecimento do currículo, subordinado a metas curriculares e pondo em causa a formação integral do indivíduo. Mais uma vez, sem um processo verdadeiramente participado na sua construção por todos os agentes educativos e associações científicas, como aconteceu com as novas orientações para a Cidadania e Desenvolvimento.
Uma escola que vai impondo a estratificação dos alunos à entrada e à saída, em função das condições económicas e sociais das famílias, como ficou demonstrado no número de estudantes que não entraram no Ensino Superior, cujo modelo de acesso faz depender a sua entrada da nota dos exames nacionais. O problema é que ao contrário do que diz o Ministro da Educação, a questão não está em saber quem vai até ao fim, mas sim garantir as mesmas oportunidades no acesso ao conhecimento e à aquisição de competências, o que implica assegurar um novo modelo de acesso assente na avaliação contínua, a gratuitidade do Ensino Superior e o rendimento necessário às famílias, que responda, nomeadamente, aos elevados custos com o alojamento, para que os jovens possam ir até aos patamares superiores do conhecimento.
Tendo em conta a enorme diversidade da população escolar de hoje e as crescentes desigualdades sociais, é desde a primeira infância que começam a ser criados obstáculos à formação integral do indivíduo e à garantia de acesso aos patamares superiores do conhecimento. Assim é quando não são garantidas creches ou jardins de infância a todas as crianças que delas necessitam; quando as fichas continuam a ser pagas e o material escolar a pesar no orçamento das famílias; quando se negam recursos para uma verdadeira educação inclusiva, logo a partir da educação pré-escolar e do 1º CEB, que depois determina o encaminhamento de alunos para ofertas pouco qualificantes no ensino secundário e impedem o acesso ao Ensino Superior e aos patamares superiores do conhecimento.
À comunidade educativa resta a opção de lutar por uma educação plena, humanista, inclusiva e democrática, de acordo com a Constituição da República Portuguesa. Luta para a qual podem contar com o PCP para construir uma Escola Pública de qualidade, gratuita e inclusiva.