Gostaria de começar por saudar todos os que marcam presença em mais esta iniciativa de homenagem a Carlos Paredes, o músico genial, o homem generoso, o militante comunista de toda uma vida.
Um agradecimento especial e particular aos artistas que aceitaram o convite e aqui estarão com a sua criatividade, o seu trabalho e arte, também a celebrar o centenário de Carlos Paredes.
Permitam-me um agradecimento muito particular à Luísa Amaro, que partilhou a vida e o palco com Carlos Paredes durante muitos anos.
O concerto que hoje realizamos é mais uma de várias iniciativas do vasto programa que o PCP decidiu levar a cabo em torno das comemorações do Centenário do nascimento de Carlos Paredes.
«O Povo e uma Guitarra», é este o lema que dá corpo às comemorações, um lema que sintetiza a obra, o artista e a sua profunda ligação ao seu povo, às suas raízes, dificuldades, mas também a sua força para lutar e avançar.
Homem de fortíssima personalidade, cidadão fraterno do dia-a-dia, Carlos Paredes foi igualmente um artista generoso e modesto, com uma inteligência e uma sensibilidade aberta a todos, dialogante com todas as idades e com os mais diversos estilos e expressões artísticas.
Carlos Paredes tinha uma grande admiração pelos jovens que vinham para Lisboa, oriundos de outras terras, à procura de melhor sorte.
Um dia escreveu “isso tinha um grande interesse humano e serviu de inspiração a muitas das minhas músicas. Eram jovens completamente marginalizados, empregadas domésticas, de lojas – eram precisamente essas pessoas com que eu simpatizava profundamente …”
Assumindo o potencial transformador da arte, a música profundamente ligada à vida e à realidade nacional, e a cultura popular e a criação artística como formas de resistência e de transformação, Carlos Paredes estava longe de ser uma figura fechada sobre si própria e sobre a sua guitarra, como alguns tentam insinuar.
É, isso sim, o exemplo inequívoco de um artista comprometido com o seu povo, com quem nunca deixou de estar antes e depois do 25 de Abril de 1974 e que foi fonte de inspiração para a sua obra.
Como Ruben de Carvalho escreveu, Carlos Paredes foi um revolucionário não apenas na música.
Desde muito novo começou a participar na luta antifascista, percurso que o trouxe ao PCP em 1958, opção política que manteve até ao final da sua vida.
Carlos Paredes, integrou a resistência e o que representou na luta contra o fascismo, passou pelas prisões fascistas do Aljube e de Caxias e sofreu a tortura fascista.
Como ele próprio fazia questão de lembrar foram milhares os que como ele passaram pelas cadeias fascistas e todos eles deram um importante contributo para que em 25 de Abril de 1974 o fascismo fosse derrotado.
Na guitarra e nas suas composições teve o instrumento de intervenção na luta que travou pela liberdade e pela libertação da cultura das garras do fascismo.
Uma luta que intensificou durante o processo revolucionário na defesa e consolidação das conquistas de Abril, e que prosseguiu até aos limites que a sua saúde permitiu, na defesa do regime democrático e pela democratização da cultura.
É justo e eu diria até, obrigatório, que se relembre que a genialidade e a mestria de Paredes, sendo resultado da sua própria inspiração, não podem ser separadas da sua opção militante, da sua opção de compromisso e de ligação à vida e à realidade do povo.
Carlos Paredes descobriu a sua própria linguagem, transmitindo àqueles que o ouviam algo mais do que fortes emoções estéticas.
Inspirou profunda determinação e confiança, sabendo ser possível a transformação da realidade através da luta pela democracia e, claro, pela cultura.
Uma luta na qual o PCP se empenha desde sempre.
O atraso cultural a que o fascismo condenou o nosso País e o facto de serem mais demoradas as transformações da esfera cultural, exigiam que tivesse sido dada prioridade ao investimento na cultura, algo que a política de direita sempre negou fazer.
Ao invés, aquilo a que assistimos por parte de sucessivos governos, em desrespeito pela Constituição da República Portuguesa, é a uma estratégia de abandono do Estado das suas funções culturais, como aliás se verifica na generalidade das suas funções sociais, como o exemplo dramático da saúde demonstra.
Em resultado destas opções políticas, aprofunda-se a mercantilização da cultura e a hegemonização cultural das classes dominantes e das indústrias culturais, por estas promovidas.
Dentro de menos de dois meses teremos oportunidade, reforçando o PCP e a CDU, de afirmar o rumo que o País precisa, o caminho da democratização cultural, comprometida com as aspirações de transformação, emancipação e liberdade dos trabalhadores e do povo.
Com a criação de um serviço público de Cultura que recupere, de algum modo, a notável dinâmica que, a seguir ao 25 de Abril de 1974, e nas décadas seguintes, concretizou enormes progressos no acesso à cultura.
Uma responsabilidade pública na cultura que não significa qualquer dependência administrativa ou de tutela cultural sobre companhias e estruturas.
Será garantia de independência e de ampla autonomia.
Os artistas comunistas e muitos outros que connosco lutam pela democratização da cultura, como condição fundamental para o desenvolvimento do País, têm um papel insubstituível na concretização deste objectivo, não só necessário, não só urgente, mas também possível, como o nosso povo já demonstrou nessa Revolução de Abril que Paredes tão bem conheceu, no qual tão profundamente se envolveu, para o qual deu tão prestimoso contributo.
Contributo que continuou a dar durante largos anos, como atestam entrevistas e textos mais recentemente redescobertos, que contêm rica e preciosa reflexão que importa conhecer e dar a conhecer.
Uma luta que Carlos Paredes travou ao lado de muitos outros artistas com quem orgulhosamente contamos nas nossas fileiras e que no passado, como na época presente, se situaram e situam, sem contestação, nos lugares cimeiros da literatura, da música, da canção, do teatro, do cinema, da pintura, da escultura.
Honrar a memória de Carlos Paredes, como também hoje fazemos aqui neste concerto, é promover a sua genial e extraordinária obra, é dar notícia da sua vida de homem, de músico, de militante comunista exemplar que foi, que é e continuará certamente a ser um símbolo ímpar da Cultura portuguesa, um dos grandes intérpretes da música portuguesa e um dos principais responsáveis pela divulgação e popularidade da guitarra portuguesa.
Esse homem dos mil dedos e convicções que nos deixou uma obra sem paralelo, e cuja música como espaço de intervenção política, cuja forma de estar na vida e cujo pensamento continua a mobilizar novas gerações para mudar de vida e construir um mundo melhor a que têm direito.
Afirmemos o legado que nos deixou.