Em nome do Partido Comunista Português quero saudar todos os presentes, deixar um agradecimento particular aos artistas e a todos os intervenientes no acto cultural a que tivemos o privilégio de assistir nesta sessão evocativa, no momento em que se assinalam amanhã, 12 de Setembro, 100 anos do nascimento de Amílcar Cabral.
Uma saudação aos representantes diplomáticos dos estados Angolano, Cabo-Verdeano, Chinês, Cubano, Moçambicano e de Timor-Leste, que muito nos honram com a sua presença.
Permitam-me um agradecimento especial à presença dos representantes do PAIGC e do PAICV, bem como do MPLA e da Frelimo.
Aproveito a vossa presença para sublinhar o empenho do PCP no desenvolvimento das relações fraternais de solidariedade e cooperação entre os nossos partidos e no aprofundamento das relações históricas que nos unem e para as quais, em particular com o PAIGC e PAICV, Amílcar Cabral deu uma inestimável contribuição e que foram, e queremos que continuem a ser, de elevada expressão da amizade entre os nossos povos e países.
Prestamos hoje homenagem a esse homem extraordinário que foi um dos mais destacados revolucionários africanos do século XX, fundador e Secretário-Geral do PAIGC, o seu heróico partido que derrotou a máquina de guerra fascista e conduziu à independência os povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Uma homenagem a Amílcar Cabral, que não se esgota hoje, ela teve lugar também na Festa do Avante!, com debates, exposições e a iniciativa da colectânea “Textos da Luta”, editada pelas Edições Avante!. Homenagem que vai justamente continuar a partir de diversas expressões e iniciativas, desde logo a partir da comunidade guineense e cabo verdiana em vários locais.
Prestamos homenagem a esse homem de firmes convicções, de carácter e enorme coragem que fizeram dele, como afirmou Álvaro Cunhal, com quem se encontrou numerosas vezes, “não apenas um grande lutador e dirigente da luta de libertação do seu povo”, mas “um grande pensador e dirigente revolucionário da luta emancipadora do continente africano”.
Nascido na Guiné-Bissau, filho de cabo-verdianos, foi na terra de seus pais que iniciou a sua vida escolar, para concluir os seus estudos em Portugal, formando-se como Engenheiro Agrónomo no Instituto Superior de Agronomia.
Foi em Lisboa que tomou contacto directo com a luta do povo português.
É aqui que, num ambiente de enérgica actividade do movimento da oposição democrática, o jovem Amílcar Cabral não só participa nas actividades do MUD e noutras frentes da luta antifascista, como ao mesmo tempo desenvolve uma intensa actividade cultural e política.
Uma intensa actividade com outros estudantes originários das colónias, alguns dos quais, tal como ele, viriam a assumir grandes responsabilidades na criação e na direcção dos movimentos de libertação nacional das suas terras e com os seus povos.
Amílcar Cabral afirmaria - “Eu aprendi a lutar pela liberdade em Portugal”.
Foi na luta e na intervenção pela libertação de todos os povos, dos povos das colónias e do povo português, que se foram tecendo laços de amizade e solidariedade entre o PCP e o PAIGC e mais tarde também com o PAICV.
Relações de que os comunistas portugueses muito se orgulham e que são inseparáveis da firme posição de princípio do PCP em relação à questão colonial.
O PCP foi o único partido que desde a sua fundação, e logo no I Congresso, assumiu o objectivo da «libertação das colónias dominadas por Portugal». Posição que viria a reforçar e desenvolver no V Congresso, em 1957, onde se afirma “estão hoje criadas as condições necessárias para que os povos das colónias de África dominadas por Portugal conquistem a sua liberdade e independência”.
O PCP foi o único que lutou sempre e por todos os meios contra as criminosas guerras coloniais e pela completa e imediata independência de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
O único que denunciou os crimes do colonialismo, combateu as teses de feição colonial e neo-colonial, da oposição liberal e social-democrata de décadas.
Não cabe aqui a imensa e extraordinária riqueza e ensinamentos da vida e da obra de Amílcar Cabral, mas não podemos deixar de evidenciar alguns traços marcantes do seu pensamento e acção revolucionária.
«Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar toda a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho.»
Palavras de Amílcar Cabral que expressam o seu humanismo e a entrega à luta dos povos. Mas que revelam também o seu patriotismo, estreita identificação com o sofrimento e as aspirações do seu povo e conhecimento profundo da complexa realidade económica e sociológica da Guiné e Cabo Verde.
O seu domínio da política como ciência e a sua arte de direcção da luta foi o que permitiu a elaboração de uma linha revolucionária que, inspirada noutras experiências de luta de libertação nacional, partiu da realidade concreta guineense com as suas características originais e criativas. Uma linha plasmada no seu marcante texto “A Arma da Teoria”, em que Amílcar Cabral afirma que “não há revolução vitoriosa sem teoria revolucionária”, e que expressa todo um pensamento estruturado, de aplicação do marxismo à realidade concreta africana.
Um pensamento onde a libertação nacional e a revolução social não são mercadorias de exportação – é a realidade histórica e concreta de cada povo o factor determinante, e este é um ensinamento rico que mantém toda a actualidade e relevância.
Personalidade de invulgar inteligência, Amílcar Cabral foi um estadista de mérito, autoridade e prestígio reconhecidos, como ficou expresso na Conferência de Chefes de Estado e de Governo em Rabat, onde o PAIGC foi escolhido como porta-voz de todo o movimento de libertação nacional de África.
Verdadeiro patriota, Amílcar Cabral foi simultaneamente um internacionalista convicto e consequente, com uma acção de estreita cooperação para com os restantes movimentos de libertação das colónias portuguesas – MPLA, Frelimo e MLSTP.
A sua acção para levar e afirmar a causa anticolonial à esfera internacional e contra as mistificações do colonialismo português rompeu o muro de silêncio existente com a conivência do imperialismo, e pôs a nu a falsidade da chamada “missão civilizadora” do colonialismo português e de um celebrado “luso-tropicalismo”.
Como dizia Cabral: “Estamos a provar que povos como o nosso, economicamente atrasados, vivendo por vezes no mato quase nus (…), são capazes, à custa dos seus sacrifícios e dos seus esforços, de bater um inimigo não só mais avançado sob o ponto de vista técnico mas apoiado pelas forças poderosas dos imperialistas no mundo.”
A luta libertadora é um acto transformador não apenas da realidade e da vida comum de todo o povo, mas do próprio homem. É um acto e factor de cultura.
Uma luta que era simultaneamente um acto de solidariedade para com todas as forças anti-imperialistas, solidariedade recíproca que se fazia sentir entre combatentes de África e do resto do mundo, nomeadamente da URSS e de outros países socialistas, como Cuba.
Essa luta que se recusa transformar em nacionalismo estreito e racial.
Na II Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, em 1965, Amílcar Cabral afirmava: “Nós, da CONCP, queremos (…) que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros”.
Num momento em que se procura de forma hipócrita acentuar clivagens e divisões com base na cor da pele ou outras, enquanto prossegue a instrumentalização do racismo e da xenofobia para aprofundar a exploração, é justo e importante sublinhar que a luta antifascista em Portugal foi fundamental para apoiar e impulsionar a luta anticolonial em África, assim como a luta anticolonial deu também um contributo importantíssimo para o desenvolvimento da luta contra o regime fascista, lutas que viriam a convergir na Revolução de Abril.
É justo e importante sublinhar a luta comum dos povos de Portugal e das ex-colónias que Amílcar Cabral sintetizava na afirmação de “que não lutamos contra os portugueses mas contra o colonialismo português”. A sua luta não era, portanto, contra a diferente cor da pele ou etnia, mas sim contra o colonizador, o dominante e explorador, fosse qual fosse a cor da sua pele ou etnia.
Quando hoje se quer contrapor essa luta e perverter os objectivos comuns que as unia evoquemos Amílcar Cabral, e passo a citar: “consideramos a luta do povo português como a nossa própria luta”.
Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973, por agentes da ditadura fascista portuguesa – trágico acontecimento que justamente assinalámos há um ano, mas os ideais que abraçou na vida não morreram.
Em 24 de Setembro de 1973 foi, de forma unilateral, proclamado o Estado da Guiné-Bissau, e um ano depois, na sequência da Revolução de Abril, Portugal finalmente, e ainda que contra a vontade de alguns, reconheceria a sua independência. Meses depois, a 5 de Julho de 1975, seria Cabo Verde a tornar-se independente.
Ao assinalar o centenário de Amílcar Cabral estamos a cumprir um dever de memória, mas acima de tudo estamos voltados para o presente e para o futuro.
Retiramos do passado experiências e ensinamentos para essa luta que continua pelo supremo objectivo da libertação de todas as formas de exploração e opressão. Experiências e ensinamentos e também motivos de confiança que, num tempo marcado por grandes incertezas e perigos, contribuam para combater a poderosa ofensiva ideológica das classes dominantes do chamado “mundo ocidental” e contrariem a ideia de que não é possível uma alternativa ao domínio do colonialismo e do imperialismo.
O que a experiência histórica nos revela é que aqueles que se apresentavam e pareciam dominadores eternos acabaram derrotados. Foi assim com a derrota do fascismo e as grandes conquistas de Abril alcançadas pela força de um poderoso levantamento popular, foi assim na Guiné e Cabo Verde (e demais colónias portuguesas de África) com a liquidação do colonialismo e a conquista da sua independência. Foi e será assim.
A obra e o pensamento de Amílcar Cabral é de flagrante actualidade ou como nos disse recentemente Pedro Pires, ex-Presidente de Cabo Verde, “o importante legado de Amílcar Cabral está dirigido aos povos em luta”. Um legado que projecta e transporta os caminhos da verdadeira independência, do desenvolvimento soberano a favor dos povos e em defesa dos seus recursos e riquezas, da justiça social e da paz.
Um legado que está vivo e vive, apesar de se manterem muitos dos obstáculos e debilidades em relação aos quais Amílcar Cabral alertara, tanto quanto às gigantescas tarefas de consolidação da independência, como ao perigo de afastamento dos generosos ideais revolucionários.
Mas se é verdade que os poderes colonialistas e imperialistas procuram recuperar posições e prosseguir o domínio e a exploração das imensas riquezas do continente africano, desde logo a partir do sistema de trocas desiguais, imposições do FMI, garrote da dívida, bases militares e outras formas de ingerência externa não é menos verdade que na diversidade das suas realidades e condições e por caminhos e formas diversas em direcção a esses objectivos, os povos africanos ousam afirmar e continuar o seu caminho soberano. Sinais de esperança que dão corpo aos ideais libertadores de soberania, progresso e justiça social pelos quais Amílcar Cabral deu a vida.
Essa luta, com essa esperança e confiança, que também travamos aqui em Portugal, por uma política patriótica e soberana, por uma política de esquerda com o trabalho e os trabalhadores no centro da sua acção.
Uma luta em que estamos empenhados e que entendemos, tal como Amílcar Cabral, não como uma “corrida de velocidade, mas como uma corrida de fundo”, onde está presente a perseverança, a determinação e coragem do povo que luta, pelo direito a projectar e construir o seu futuro.
Hoje, como no passado, o PCP está solidário com os povos africanos na sua difícil caminhada pela libertação
Cabral vive, em cada luta contra a injustiça, em cada luta contra a desigualdade, em cada luta pelos direitos e anseios dos povos, Cabral vive e continua a abrir as portas a um futuro mais promissor para os povos.