Intervenção de António Filipe na Assembleia de República, Fixação da Ordem do Dia, requerida pelo PCP

PCP propõe a adoção de um programa de emergência para a regularização dos processos de autorização de residência pendentes na AIMA

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O Senhor Ministro da Presidência não está cá hoje, e o Regimento não o obriga a estar, mas esteve cá ontem, na 1.ª Comissão, a dar conta das agruras da AIMA, com mais de 400.000 processos por resolver.

Não vale agora a pena discutir as causas de se ter chegado a esta situação. Elas são conhecidas.

O PCP alertou em devido tempo para as consequências da desastrada extinção do SEF e para a situação explosiva que se estaria a criar com o longo processo de inoperância dos serviços que se seguiu à criação da AIMA. O PCP nunca criticou a opção de separar os processos de regularização administrativa dos processos de natureza policial, mas sim a falta de resposta aos processos administrativos que resultou do facto de, durante demasiado tempo, o SEF ter sido substituído por coisa nenhuma.

A situação que se criou em matéria de imigração, com centenas de milhares de processos de autorização de residência pendentes na AIMA sem obter qualquer resposta, é calamitosa a vários títulos.

É calamitosa para os cidadãos imigrantes que cá vivem e trabalham, e que cá entraram nos termos admitidos na lei e não conseguem sequer ser atendidos pelo serviço competente para proceder à sua regularização, ficando assim condenados a uma situação de irregularidade com todas as consequências daí decorrentes. 

É calamitosa para a sociedade portuguesa no seu conjunto, porque a falta de mão de obra em diversos setores de atividade que recorre ao trabalho de imigrantes, num quadro de baixos salários e de uma dramática crise no acesso à habitação, é agravada pela falta de resposta dos serviços que têm por missão garantir a possibilidade de os imigrantes trabalharem em Portugal em condições de legalidade.

Se a desregulação das condições de trabalho é um problema nacional que afeta todos os trabalhadores, é ainda mais grave quando a ela se junta a irregularidade da permanência em Portugal de muitos milhares de trabalhadores imigrantes.

No Plano de Ação para as Migrações anunciado em 3 de junho o Governo reconheceu a gravidade da situação resultante dos mais de 400.000 processos pendentes de regularização por parte da AIMA, mas não avançou com as medidas necessárias para a resolução desse grave problema.

Note-se que não estamos a falar de pessoas que tenham entrado em Portugal em condições de ilegalidade, mas de pessoas que vieram ao abrigo das disposições da “lei de estrangeiros” que permitiam aceder ao nosso país legalmente e obter autorizações de residência através de manifestações de interesse para o exercício de atividades profissionais subordinadas ou independentes.

E foi a paralisia que se seguiu à extinção do SEF fez com que centenas de milhares desses trabalhadores ficassem sem autorizações de residência. Entraram em Portugal legalmente e ficaram ilegais por responsabilidade exclusiva do Estado Português.

Perante esta situação, calamitosa para os cidadãos imigrantes que já vivem e trabalham ou pretendem trabalhar e para a sociedade portuguesa no seu conjunto, não é de esperar que a AIMA, com os escassos recursos humanos de que dispõe, esteja em condições de resolver este problema no curto prazo. Todavia, é um imperativo legal e de decência que ele seja rapidamente resolvido.

Sucede que as medidas anunciadas pelo Governo não só não resolvem os problemas existentes como podem ter consequências negativas no futuro.

O Governo, não só não resolve os processos pendentes, mantendo em situação irregular pessoas que entraram legalmente em Portugal, como, ao ignorar as necessidades do mercado de trabalho e restringir o acesso de imigrantes em condições de legalidade, arrisca-se a promover a imigração ilegal com todas as consequências nefastas daí decorrentes, nomeadamente o favorecimento do tráfico de seres humanos e das máfias que o promovem.

Em todo o caso, e reconhecendo as dificuldades que a AIMA enfrenta com os 400.000 processos a que chamou “a mochila” da AIMA, o Sr. Ministro da Presidência anunciou o recrutamento de 300 pessoas e a criação de uma unidade de missão.

Quanto a isso fez muito bem. Essas 300 pessoas são necessárias. Bom seria se não fossem contratações precárias e melhor seria que os mediadores culturais que estão já ao serviço da AIMA fossem reconhecidos como trabalhadores permanentes, que é o que efectivamente são, e fossem admitidos no quadro da AIMA com contratos por tempo indeterminado.

Contudo, quando estamos perante 400.000 processos em atraso, que têm de ser tratados de forma individualizada, porque implicam a recolha de dados biométricos, a análise de documentação e processos de decisão individuais, não são os 300 novos recrutados que vão permitir resolver o problema da “mochila” no curto prazo que seria necessário.

É inquestionavelmente necessário reforçar os recursos humanos da AIMA e eliminar as situações de precariedade que afetam mais de uma centena de mediadores culturais, integrando-os nos quadros, mas isso não basta, dado o número impressionante de processos de autorizações de residência em atraso e dado que a AIMA tem outras atribuições, designadamente em matéria de asilo, que não pode alienar.

O Governo anunciou a criação de uma estrutura de missão no âmbito da AIMA. O problema é que as coisas não se fazem substituindo o fazer por dizer que se faz.

O anúncio da criação da estrutura de missão não pode ser algo de semelhante ao que foi o anúncio da criação da AIMA. O anúncio tem de ser acompanhado de algo mais: quem integra a estrutura de missão, o que vai fazer, com quem vai fazer, quando vai fazer e como vai fazer.

Sobre isso o Governo nada anuncia. É sobre isso que o PCP apresenta a proposta que consta do projeto que temos hoje em discussão. 

O Governo que crie a unidade de missão e leve à prática o que hoje propomos, ou algo que resulte da discussão que hoje propomos. Não temos a pretensão de ter a proposta perfeita, mas temos a convicção de que, perante a acumulação de processos que existe, é necessário tomar medidas excepcionais e urgentes para garantir, no mais curto espaço de tempo possível, o atendimento das centenas de milhares de pessoas que precisam de regularizar a sua situação.

O que o PCP propõe é a adoção de um programa de emergência para a regularização dos processos de autorização de residência pendentes na AIMA ao abrigo do regime das manifestações de interesse que passe por uma mobilização transitória e excepcional de recursos humanos, espaços físicos e meios logísticos para, num período de seis meses, entre outubro de 2024 e março de 2025 proceder à regularização dos processos pendentes.

A unidade de missão promoveria a contratação de cidadãos com formação superior que se disponibilizassem a participar no programa, conferindo-lhes a formação necessária para o efeito, equiparando-os remuneratoriamente à carreira de técnicos superiores durante esse período e garantindo-lhes posteriormente condições preferenciais de ingresso em serviços da Administração Pública de acordo com a suas habilitações.

Esses cidadãos garantiriam, de acordo com as suas disponibilidades, o atendimento dos requerentes em espaços físicos descentralizados, a disponibilizar mediante protocolos com entidades públicas ou sociais que se disponham a colaborar e equipados com os meios logísticos e tecnológicos necessários. 

A solução proposta, pela sua transitoriedade e excepcionalidade, é fácil de criticar. Terá certamente muitos defeitos, mas o pior de tudo será manter a situação atual à espera de um qualquer milagre que resolva os problemas sem que sejam tomadas medidas capazes de os resolver.

Este projeto do PCP pode ter muitos defeitos, mas ainda ninguém apresentou qualquer alternativa para enfrentar um problema do modo que ele tem de ser enfrentado: com os meios, os espaços e as pessoas capazes de o resolver no curto prazo que se exige, para que a AIMA possa finalmente funcionar em condições de alguma normalidade.

O PCP tem aqui uma proposta concreta. Quem tiver proposta melhor, que a apresente. Os problemas já temos, só faltam as soluções.

Disse.