Destinatário: Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Ministra da Cultura
A situação que o país e o Mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não poderá servir de argumento dos patrões para o atropelo dos direitos e garantias dos trabalhadores. Não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.
As últimas semanas dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades.
No período que decorre desde a declaração do estado de alerta, foram praticados atos em flagrante violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores designadamente pondo em causa a proibição do despedimento sem justa causa.
No período que se seguiu ao dia 1 de março de 2020 muitas entidades patronais aliciaram e pressionaram trabalhadores a revogar os contratos de trabalho com pretexto de que assim teriam acesso ao subsídio de desemprego em clara violação da lei.
Muitas empresas encerraram a atividade sem terem cumprido qualquer formalidade legal e outras houve que recorreram à suspensão dos contratos de trabalho sem qualquer informação prévia aos representantes dos trabalhadores ou aos trabalhadores.
De acordo com notícias recentes o Grupo Global Media avançou para lay-off, atingindo 538 trabalhadores nos jornais Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo, bem como na rádio TSF. Destes, 88 vão para lay-off com suspensão de contrato, sendo que os restantes 450 têm uma redução do horário de trabalho de diferentes dimensões. Por exemplo, no DN serão aplicadas reduções de horário de trabalho de 50% (salários mais elevados), 30% (salários considerados médios e chefias) e 10% (trabalhadores com salários mais baixos). Na TSF, dos 100 trabalhadores atingidos por esta situação, 4 estão com contrato suspenso e os restantes têm redução de horário numa média de 24,4%. Todos estes 538 trabalhadores perdem salário e outros rendimentos.
Ainda de acordo com notícias vindas a público, o lay-off parece ter sido posto em prática sem cumprir os requisitos legais, nomeadamente não se tendo ouvido os delegados sindicais, e tendo sido o lay-off formalizado umas horas antes da sua aplicação, o que, a confirmar-se, agrava a situação descrita.
O PCP tem questionado o Governo por diversas vezes sobre o Grupo Global Media, designadamente despedimentos coletivos que tiveram lugar em diferentes momentos. Importa a este propósito lembrar que o Grupo Global Media é o grupo económico que vendeu o edifício do Diário de Notícias, em Lisboa, edifício incontornável e de relevante interesse histórico e patrimonial para a cidade, a que acresce a venda do edifício do JN, na cidade do Porto, símbolo icónico da cidade, ao que se sabe para (também) ser transformado em mais um hotel de luxo na cidade – um caminho que descaracteriza a cidade e que retira o Jornal de Notícias de uma zona central da cidade. Importa também lembrar que o Jornal de Notícias é o único jornal de impressão nacional sediado no Norte do País e que dá visibilidade à região.
A toda esta situação acresce ainda a informação de “perdões de dívida” ao Grupo Global Media/Controlinveste e de investimentos avultados no Grupo Global Media nos últimos dois/três anos (pelo menos 15 milhões de euros em 2017).
São várias as empresas que estão a recorrer ao lay-off, sendo evidente a existência de muitos aproveitamentos em todo este processo.
Este recurso tem como claro objetivo colocar nos ombros dos trabalhadores as dificuldades que o país atravessa, de transferir para estes responsabilidades que não são suas, reduzindo salários e rendimentos e passando para a Segurança Social a assunção de encargos significativos enquanto durar esta situação.
A situação que o país enfrenta não poderá, também, ser argumento para que o Estado se demita das suas funções de fiscalização e de garantia do cumprimento e respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, solicita-se ao Governo que, através do Ministério da Cultura, preste os seguintes esclarecimentos:
- Tem o Governo conhecimento do recurso ao lay-off pela Global Media? Quando foi formalizado o mesmo?
- Quais as justificações apresentadas pela empresa para utilizar este mecanismo?
- Confirma o Governo que o lay-off foi implementado sem ouvir os delegados sindicais? Tem o Governo conhecimento de alguma ação inspetiva da Autoridade para as Condições de Trabalho? Se sim, quais as conclusões?
- Que medidas vai o Governo tomar para acompanhar de forma rigorosa a situação desta empresa?
- Que medidas vai tomar o Governo para assegurar o cumprimento dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente a manutenção de todos seus postos de trabalho?