Destinatário: Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
A situação que o país e o Mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não poderá servir de argumento dos patrões para o atropelo dos direitos e garantias dos trabalhadores. Não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.
As últimas semanas dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades.
Chegou ao conhecimento do Grupo Parlamentar do PCP que o grupo hoteleiro Altis Hotels, divulgou um comunicado, junto dos seus trabalhadores, impondo o gozo, a todos os trabalhadores, de 10 dias úteis de férias “de acordo com as conveniências e conforme as chefias de cada departamento”. Em alternativa o grupo hoteleiro sugeriu aos trabalhadores que solicitassem uma licença sem vencimento, informando que, caso o fizessem, lhe seria atribuído um prémio correspondente a 10% do salário bruto. Informou ainda que, por decisão unilateral da empresa, seriam organizadas dispensas de serviço, ficando a crédito da empresa as respetivas horas de trabalho. Finalmente o Grupo Hoteleiro pede, ainda, a colaboração e compreensão de todos os trabalhadores, para as medidas que tencionava impor.
Em primeiro lugar, o direito a férias dos trabalhadores tem subjacentes os direitos ao descanso e ao lazer, o que, convenhamos, não é possível concretizar numa situação em que, por determinação legal, os trabalhadores devem estar recolhidos nas suas residências, só devendo sair para deslocações consideradas essenciais. Para mais, o artigo 241.º do Código do Trabalho determina que as férias devem ser marcadas por acordo entre o empregador e o trabalhador, e caso esse acordo não seja alcançado pode o empregador marcar as férias, de forma unilateral, entre os dias 1 de maio e 31 de outubro. Como será fácil de apreender, no caso em análise, nenhuma destas situações se verifica, pelo que estamos perante uma imposição de marcação de férias, perante um gozo de férias forçadas.
Em segundo lugar e como forma de chantagem e pressão sobre os seus trabalhadores a empresa “oferece” a alternativa de poderem requerer uma licença sem vencimento. Mas notese, a empresa ainda atribui um prémio de 10% do salário bruto aos trabalhadores que a solicitem. Como próprio nome indica, a licença sem vencimento implica a perda da totalidade da retribuição e a suspensão do contrato de trabalho. Assim, o que a empresa está a sugerir aos trabalhadores é que durante a duração da licença sobrevivam com 10% do seu salário. Como se não bastasse ainda impõem aos trabalhadores uma dispensa com compensação posterior. Se a entidade empregadora entende, unilateralmente, dispensar os seus trabalhadores, tem de garantir o direito à totalidade da sua retribuição nesses dias, sem necessidade de quaisquer compensações. Tratando-se apenas e só de uma dispensa do dever de assiduidade nesses dias. Impor os chamados bancos de horas ou bolsas de horas negativos, de forma unilateral, não e condizente com a legislação em vigor nem com a contratação coletiva aplicável.
Finalmente, a empresa pede a compreensão dos trabalhadores para as medidas que vai tomar e que, na prática, implicam a subtração de direitos e rendimentos. Onde estava a compreensão desta empresa e todas as empresas do setor do turismo para com os seus trabalhadores quando se deparavam, ano após ano, com crescimentos exponencias dos seus resultados, sempre na ordem dos dois dígitos? Quando obrigavam os seus trabalhadores a praticar horários infindáveis, sem respeito pelas pausas, pelo direito ao descanso? Quando pagavam salários extremamente baixos, apesar dos lucros que obtinham todos os anos?
A situação que o país enfrenta não poderá, também, ser argumento para que o Estado se demita das suas funções de fiscalização e de garantia do cumprimento e respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, solicito ao Governo que, através do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, preste os seguintes esclarecimentos:
- Tem o Governo conhecimento da situação acima descrita de desrespeito pelos direitos dos trabalhadores?
- Tem conhecimento de alguma ação inspetiva da Autoridade para as Condições de Trabalho? Se sim, quais as conclusões?
- Que medidas vai tomar o Governo para assegurar o cumprimento dos direitos dos trabalhadores?