Exposição de Motivos
Enfrentamos um momento de grande complexidade e incerteza, considerando a evidência científica existente, mas tendo consciência de tudo o que ainda é desconhecido da comunidade científica sobre o coronavírus. Um momento que exige que tudo seja feito para combater o COVID 19, minimizando os seus impactos na saúde e na vida dos portugueses.
A situação que o país e o Mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não poderá servir de argumento dos patrões para o atropelo dos direitos e garantias dos trabalhadores. Não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.
A multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades nos últimos dias dão um perigoso sinal de até onde certos sectores patronais estão dispostos a ir, espezinhando os direitos dos trabalhadores, indiciando um percurso que, a não ser travado urgentemente, lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”.
Já basta o vírus. Os direitos não estão de quarentena, suspensos ou liquidados.
No período que decorre desde a declaração do estado de alerta, foram praticados actos em flagrante violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores designadamente pondo em causa a proibição do despedimento sem justa causa.
No período que se seguiu ao dia 1 de março de 2020 muitas entidades patronais aliciaram e pressionaram trabalhadores a revogar os contratos de trabalho com pretexto de que assim teriam acesso ao subsídio de desemprego em clara violação da lei.
Muitas empresas encerraram a actividade sem terem cumprido qualquer formalidade legal e outras houve que recorreram à suspensão dos contratos de trabalho sem qualquer informação prévia aos representantes dos trabalhadores ou aos trabalhadores.
Nas empresas de trabalho temporário os trabalhadores viram os seus contratos de trabalho cessar por simples fundamento de que o trabalho prestado a utilizadores não era mais necessário, fazendo deste modo recair sobre os trabalhadores o ónus da crise da situação que todos vivem no País.
As suspensões dos contratos de trabalho em muitas empresas foram feitas sem o cumprimento legal dos prazos fixados na lei.
Também se verificou a cessação da actividade de prestações de serviços por não haver possibilidade de se continuar prestar a actividade que a maior parte de situações se caracterizam por serem contratos de trabalho subordinado.
Em muitas das empresas encerraram as portas e fizeram pressão para os trabalhadores se despedirem, com o pretexto que no final do mês não lhes pagariam o salário.
É, por isso, necessária uma atuação determinante e proactiva do Estado no sancionamento destas situações, para evitar enormes prejuízos para os trabalhadores e para as suas vidas e para a economia nacional. Importa, por isso, tornar nulos ou anuláveis os factos que foram praticados por entidades empregadoras e que violam direitos fundamentais dos trabalhadores, essencial para repor a ordem jurídica violada.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece a nulidade dos fatos praticados, em violação das normas do Código do Trabalho ou outra legislação especial de trabalho, entre o período compreendido entre 1 de Março e 31 de Julho, assim como a anulabilidade dos factos sujeitos a prazo para serem exercidos.
Artigo 2.º
Âmbito
A presente lei aplica-se aos atos jurídicos praticados no âmbito das relações de trabalho e de prestação de serviços no período em que vigorarem as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia por COVID 19.
Artigo 3.º
Nulidade dos atos praticados
São nulos e de nenhum efeito os atos praticados pelas entidades empregadoras no âmbito das relações de trabalho no período referido no artigo anterior, nomeadamente despedimentos, imposição de gozo de férias e de licenças sem vencimento, cortes na retribuição e noutras prestações pecuniárias, que tenham sido praticados em violação das normas do Código de Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro, na sua redação atual.
Artigo 4.º
Atos anuláveis
- São anuláveis os atos abrangidos pela presente lei cuja impugnação dependa de prazo para ser exercida.
- O direito a arguir a anulabilidade dos atos referidos no número anterior deve ser exercido no prazo de 6 meses após a cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia por COVID 19.
Artigo 5º
Prestações de serviços
O regime de invalidade dos atos determinado pela presente lei é aplicável às relações contratuais que tenham por fundamento atividades em regime de prestação de serviços.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Artigo 7.º
Produção de efeitos
A presente lei produz efeitos a partir de 1 de março de 2020.