O actual surto epidémico tem de ser enfrentado, prevenido e combatido com determinação, mobilizando os meios e os recursos indispensáveis à defesa da saúde e da vida. Mas não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.
Os últimos dias dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades. Os despedimentos selvagens de centenas de trabalhadores, de que são particular exemplo os que têm vínculos precários, nomeadamente as Empresas de Trabalho Temporário e trabalhadores em período experimental; a colocação de trabalhadores em férias forçadas; a alteração unilateral de horários; a redução de rendimentos por via do Lay-off e também pelo corte de prémios e subsídios, entre os quais o subsídio de refeição, designadamente a quem é colocado em teletrabalho; a recusa do exercício dos direitos parentais; são exemplos que ilustram a ofensiva em curso contra os trabalhadores, os seus salários, os seus direitos e o seu emprego.
Uma ofensiva sustentada na chantagem, na ameaça e na coação sobre trabalhadores, que invade também o campo da liberdade de acção sindical.
Atropelos que se somam a inúmeras situações de incumprimento das regras de higiene, saúde e segurança no trabalho que, nesta fase por maioria de razão, têm de ser rigorosamente respeitadas.
Tais situações, para além do que revelam da natureza do capitalismo enquanto sistema de exploração e de acumulação da riqueza, deixam a nu, com particular crueza, sejam as consequências da precariedade laboral na vida dos trabalhadores, em primeiro lugar dos mais jovens, sejam os resultados, que estão à vista, das normas gravosas da legislação laboral.
Como o PCP tem repetidamente referido, sendo necessário combater e liquidar o vírus, não é aceitável que se aproveite o vírus para liquidar direitos.
Para o PCP, a defesa dos salários e dos direitos é socialmente justa e necessária para os trabalhadores, sobretudo neste momento em que lhes estão colocadas novas exigências e preocupações, como é também a melhor garantia de travar os impactos negativos actuais e de assegurar a retoma da actividade económica no momento em que esta tormenta passar.
Num quadro marcado por uma redução significativa da actividade económica, a redução de salários e rendimentos acrescentará, com a perda de poder de compra, uma retracção do mercado interno que levará a uma dinâmica recessiva que é preciso prevenir. O que se impõe é defender e valorizar os direitos e salários dos trabalhadores e não, pela tentativa da sua liquidação, favorecer quadros recessivos que em primeira instância recairão sobre o povo e o País.
O PCP chama a atenção para a necessidade de assegurar a manutenção desses direitos e rendimentos, designadamente com:
- A garantia da defesa dos postos de trabalho pela proibição dos despedimentos no período em que durar o surto epidémico de trabalhadores com vínculo efectivo ou de trabalhadores com vínculo precário, entre os quais se encontram os falsos recibos verdes.
- A garantia de uma resposta imediata para assegurar o pagamento integral dos salários aos trabalhadores de empresas cuja actividade está suspensa criando mecanismos específicos, incluindo um Fundo com esse objectivo, com meios financeiros a disponibilizar pelo Orçamento do Estado. Para situações excepcionais, medidas excepcionais. Não podem ser as verbas da Segurança Social a responder a esta emergência. A Segurança Social deve ser chamada a assumir as suas responsabilidades próprias, devendo ser ressarcida dos meios entretanto usados para além disso.
- A garantia do cumprimento de todas as regras de higiene, saúde e segurança no trabalho e, desde logo, das directivas emanadas pela Direcção Geral da Saúde. Particular atenção devem merecer os profissionais de saúde, e todos os trabalhadores em funções públicas concentrados no combate ao vírus.
- A garantia, para todos os trabalhadores, da remuneração a 100%, seja em caso de isolamento profiláctico, seja para acompanhamento de menores ou idosos a cargo, seja por alteração da situação de cada um por decisão das empresas ou das autoridades competentes, incluindo o subsídio de refeição.
- A garantia de intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) com um programa especial de urgência relativamente a denúncias de violação de direitos dos trabalhadores, designadamente ilicitude dos despedimentos, o que exige a dotação da ACT com mais meios humanos e técnicos.
- A definição de um quadro legal que torne ilícitos e revogáveis, a qualquer tempo, todos os atropelos à legislação laboral e à contratação colectiva que estão a ser cometidos.
- A aplicação imediata do subsídio de insalubridade, penosidade e risco a todos os trabalhadores dos vários sectores privados e da Administração Pública que exercem funções de risco, exigência há muito colocada e que a actual situação torna inadiável.
- O pagamento do subsídio de doença e de assistência a filho e a neto, alargando-o até aos 16 anos, com 100% da remuneração de referência e a consideração do estatuto de doença profissional aos profissionais de saúde infectados pelo vírus Covid-19, bem como a outros em situação equiparada.
- A adopção como medida especial de um subsídio extraordinário para trabalhadores que, no actual quadro, têm de exercer obrigatoriamente as suas funções em situação de particular exposição.
- A reposição dos montantes de pagamento das horas extraordinárias e a eliminação das restrições existentes nos serviços públicos ao recurso ao trabalho extraordinário indispensável à resposta necessária.
- A valorização do trabalho e dos trabalhadores com o aumento geral de salários e a valorização das carreiras e profissões, bem como a revogação das normas gravosas da legislação laboral e em particular da caducidade da contratação colectiva e da reposição do princípio do tratamento mais favorável.
Num tempo em que, para além da prevenção para evitar a propagação do vírus e do tratamento de quem precisa, se impõe assegurar a manutenção das actividades económicas, desde logo assegurando às populações os serviços e bens essenciais – alimentos, medicamentos, bens de higiene, entre outros – o PCP apela a que ninguém se cale perante quaisquer ofensivas e injustiças e reafirma aos trabalhadores a sua firme disposição e o seu inabalável compromisso de agir na defesa dos seus interesses e direitos.
Já basta o vírus. Combatemos e combateremos a lei da selva nas relações laborais. Os direitos não estão de quarentena, suspensos ou liquidados. Esta é a hora de os defender! Esta é a hora de abrir o caminho à valorização do trabalho e dos trabalhadores, ao Portugal desenvolvido e soberano que havemos de construir.