A diferença entre a escola do 1.º ciclo e os restantes ciclos, num passado próximo, era marcada proximidade com a comunidade educativa, pela interdisciplinaridade curricular e pelo regime de monodocência que permitia/permite o estabelecimento de uma relação mais próxima e mesmo mais afectiva com os alunos – crianças entre os 6 os 10 anos.
A criação dos agrupamentos teve por base a estrutura, as dinâmicas e a cultura escolar das escolas dos 2.º, 3.º ciclo e do secundário, às quais as escolas do 1.º ciclo se teve de (mal)adaptar. Ao invés da então apregoada continuidade e articulação pedagógica, acompanhamento do percurso escolar do aluno, ou da partilha de recursos, iniciou-se um processo de descaracterização da escola do 1.º ciclo, que tem permitido os mais diversos atropelos aos interesses das crianças, as mais inexplicáveis opções pedagógicas, os mais diversos ataques aos direitos dos professores.
No quadro das instalações escolares, as escolas do 1.º ciclo continuam na sua maioria a ser edifícios apenas com salas de aulas e cantinas e refeitórios adaptados e onde continuam a faltar os espaços polivalentes para o desenvolvimento das mais diversas actividades, desde a educação física à pintura, da brincadeira livre ao jogo orientado ou tão simplesmente para recreio em dias de chuva.
A reorganização da rede escolar durante o governo PS/Sócrates responde às dificuldades existentes no 1.º ciclo com o encerramento de muitas escolas, acenando com melhores instalações e equipamentos, desvalorizando o papel da escola de proximidade e afastando-a do meio familiar que diz querer valorizar, optando por centros escolares centralizados, numa perspectiva apenas ditada por razões económicas. Os centros escolares não responderam a estas necessidades e criaram novos problemas: dimensão desadequada a este nível etário, deslocação de alunos, afastamento da comunidade educativa, para além dos problemas de ordem social, cultural e de desertificação de povoações.
Ainda que integradas num agrupamento, o governo das escolas do 1.º ciclo fica entre entre o director desse agrupamento e a Câmara Municipal de quem continua a depender para a manutenção do edifício, para os equipamentos, ou até mesmo para a atribuição de verbas da ASE aos alunos para visitas de estudos. À escola o 1.º ciclo não é atribuída nenhuma verba orçamento estado. O governo da escola, agora com exigências de articulação e interdependência entre escolas e sede do agrupamento, entre este e o município é um exercício cada vez mais desgastante, realizado por professores a quem não é atribuído numa redução da componente lectiva e tantas vezes acumulado com a leccionação de uma turma.
A implementação das AEC e da escola a tempo inteiro, veio somar a esta situação das escolas do 1.º ciclo a indefinição entre tempo lectivo e tempo de resposta social às famílias, acrescentou problemas de funcionamento à escola, empobreceu o currículo na sua componente de expressões artística e físico-motora, acrescentou trabalho aos docentes já desgastados e sem reforçar o pessoal não docente, alarga o tempo de abertura da escola reduzindo de forma significativa as disponibilidades de atendimento às crianças. Longe de corresponder às necessidades dos alunos, estas medidas visam responder às necessidades das empresas, sendo impostos aos trabalhadores horários de trabalho cada vez mais desregulados e a quem são reconhecidos cada vez menos direitos no acompanhamento aos filhos.
É ainda no governo PS/Sócrates que, através da alteração da carga horária da componente curricular, o 1.º ciclo, até aí assente num trabalho interdisciplinar, sofre uma forte disciplinarização, rapidamente operacionalizada pelos directores, em horários semanais de distribuição disciplinar rígida, desadequados a este nível etário.
A esta escola burocratizada, perdida entre o tempo escolar e a rede de apoio social à família, com o governo do PSD/CDS, desta vez pela mão de Nuno Crato, somam-se as medidas tendentes à elitização precoce no sistema educativo, quer pelo ênfase dados às chamadas “disciplinas estruturantes”, português e matemática, quer pela imposição do exame no 4.º ano de escolaridade, quer ainda pela introdução das famigeradas metas curriculares nestas duas disciplinas.
De facto, as alterações curriculares impostas ao 1º ciclo pela sua dificuldade e desadequação e também pela sua extensão deixam claras as intenções da direita de na linha do “de pequenino é que se torce o pepino” cedo promover a selecção dos alunos criando mesmo oportunidade para as chamadas e perversas turmas de nível, quando em simultâneo aumenta o número de alunos por turma, diminuem os recursos docentes para as medidas de apoio educativo, se limita o acesso dos alunos com necessidades educativas especiais.
No processo de avaliação dos alunos é imposta a obrigação de atribuição de menção classificativa, dando também aqui expressão às intenções de seriação e elitização do sistema educativo desde muito cedo. Esta imposição de classificação, numa fase inicial da escolaridade, desloca a avaliação contínua que deveria estar centrada nos processos de aprendizagem para a avaliação de resultados desvalorizando mais uma vez a formação integral do indivíduo.
No quadro da nova maioria parlamentar o actual governo, apesar de estancar o processo de ataque à escola pública, não mostra vontade política de atacar os verdadeiros problemas do 1.º ciclo. Apesar das críticas generalizadas às AEC mantém-se o seu funcionamento, apesar de se acabar com o exame do 4.º ano, cria-se uma prova de aferição no 2.º ano de objectivos pouco claros, mantém-se o modelo de avaliação, mantém-se em vigor as metas curriculares e a desadequada disciplinarização do 1.º ciclo, mantém-se a intenção de encerramento de escolas, a dependência financeiras, mantém-se a falta de pessoal não docente, mantêm-se turmas com um elevado número de alunos. A pequena redução do número de alunos por turma no ano inicial do ciclo, ou a reposição do tempo de intervalo como tempo lectivo, sendo avanços positivos, para os quais o PCP deu o contributo essencial, estão longe de corresponder às necessidades da escola pública, de qualidade e para todos, neste nível de ensino.
Tendo em conta especificamente o 1.º ciclo, e a sua desconfiguração, dando continuidade à luta por uma escola pública, democrática, de qualidade e para todos, é essencial o envolvimento dos comunistas:
- na reestruturação do funcionamento do 1.º ciclo desde logo no regime de docência equacionando a criação de equipas educativas, o recurso a coadjuvação e outras formas de organização pedagógica que responda às necessidades de desenvolvimento integral dos alunos;
- continuar a lutar pela diminuição do número de alunos por turma;
- pela uniformização da carga lectiva nos quatro anos de escolaridade do 1.º ciclo;
- valorização do trabalho interdisciplinar no 1.º ciclo, com o fim da disciplinarização do trabalho pedagógico e lectivo expresso os actuais horários semanais;
- pela revogação das metas curriculares e pelo fim das provas de aferição no 2.º ano de escolaridade e valorização da avaliação contínua e formativa com fim da obrigatoriedade de atribuição de menção classificativa neste ciclo;
-pelo fim das AEC e da escola a tempo inteiro;
- pela definição clara das funções da escola, do tempo lectivo e das medidas de apoio socio-familiar, e no caso da implementação desta última o seu desenvolvimento deve necessariamente acontecer fora do espaço de sala de aula;
- organização de horários lectivos que, tendo como base o período da manhã, permitam o trabalho colaborativo entre professores;
-pelo financiamento, através do orçamento de estado, das verbas necessárias ao funcionamento, manutenção e equipamento das escolas do 1.º ciclo;
- devolução da gestão das cantinas escolares e ASE no 1.º ciclo às escolas/agrupamentos;
Este encontro do partido e o trabalho desenvolvido na sua preparação é já um importante contributo para a reflexão, acção e luta que importa continuar na defesa da escola pública, democrática, de qualidade e para todos que defendemos.
Viva o PCP