Diversos sectores, incluindo muitas formações políticas, desde o CDS e o PPD a outras de extrema‑esquerda ou esquerdistas, têm apontado o PCP como um dos principais responsáveis pelo golpe de 25 de Novembro e praticamente de modo unânime tem‑se salientado que pelo menos algumas suas células e alguns quadros intermédios (nas Forças Armadas, na Rádio e na TV, de certas comissões de trabalhadores, etc.) o promoveram ou colaboraram nele. Que nos pode dizer sobre isto? Como explica a intervenção neste golpe de muitos dos militares que o PC qualificava de «esquerda» ou «revolucionários»?
A primeira coisa a dizer é que, na base dos elementos disponíveis, os acontecimentos do 25 de Novembro não se podem considerar um «golpe» ou uma «insurreição», como se diz, mas a convergência de várias sublevações militares, cada qual com o seu processo próprio e os seus objectivos próprios e imediatos. Os acontecimentos devem ser compreendidos no quadro de uma luta muito cerrada que vinha de longe por lugares de chefia e comando entre os vários sectores militares. Nessa luta ninguém se pode gabar de não ter infringido a disciplina e o respeito devido à hierarquia. As sublevações do dia 25 punham explicitamente como objectivo a contestação de chefes hierárquicos num caso e a contestação da sua substituição noutros.
Não nos consta que houvesse um plano de tomada de poder. Nem plataforma política. Nem comando centralizado. Nem objectivos políticos relativos à constituição de um novo governo.
As acusações de que o PCP é responsável por um «golpe» é, desde o 25 de Abril de 1974, acusação clássica dos sectores anticomunistas. Com tal acusação infundada (em Julho e Setembro de 1974 e em Março de 1975) procuraram encobrir‑se e justificar‑se tentativas de golpes efectivos da direita.
Em relação aos recentes acontecimentos, a melhor resposta do PCP a tais acusações é a sua orientação política expressa em todos os documentos da sua direcção central, em declarações de dirigentes do partido, na sua actividade, nas numerosas diligências realizadas junto dos mais variados sectores políticos e militares.
O PCP opôs‑se com firmeza a soluções de força e de guerra civil para a crise política. No seu trabalho de massas, assim como junto dos órgãos do Poder, junto das forças da esquerda, dos sectores moderados, e mesmo de elementos esquerdistas, o PCP defendeu sempre uma solução política global através da reaproximação da negociação entre as várias tendências do MFA e entre o MFA e as forças políticas democráticas.
O PCP opôs‑se com tenacidade à pressão esquerdista e aventureirista de certos sectores que se opunham à solução política proposta, que procuraram sabotá‑la, que procuraram empurrar sistematicamente a esquerda militar e o movimento popular para choques e confrontos que (como o PCP numerosas vezes preveniu e advertiu) acabariam por aproveitar à direita reaccionária.
Quanto às reacções no meio operário e popular ante os acontecimentos, devem compreender‑se no quadro de uma intensa e aguda luta política contra uma viragem à direita e da estreita ligação que existia entre o movimento popular e unidades que representavam a autoridade militar. É neste quadro que se tem de compreender atitudes de solidariedade popular para com militares sublevados, sendo quase certo que, a título individual, há membros do PCP que tomaram tais atitudes. Não se deve esquecer que o PCP conta com mais de 100 000 membros.
Para qualquer pessoa com um mínimo de objectividade e conhecedora da actividade, da força, da influência e da capacidade de mobilização do PCP é evidente que o PCP não esteve em qualquer «golpe», ou «insurreição» como outros lhe chamam.
Podemos mesmo afirmar que a firme orientação do PCP por uma solução política e contra aventuras e golpes contribuiu poderosamente para que as sublevações militares do 25 de Novembro não tivessem contagiado sublevações de massas que alguns aventureiros pseudo‑revolucionários pretendiam provocar e que teriam tido trágicas e sangrentas consequências para o movimento operário e popular.
Por outro lado, os órgãos de comunicação social também unanimemente considerados afectos ao (ou dominados pelo) PC desde há semanas vinham colaborando numa escalada, ou mais ainda: promovendo‑a, que levou ao golpe — como logo se acentuou num dos primeiros comunicados do Presidente da República —, apoiando as forças que o fizeram e combatendo violentamente as outras, nomeadamente os militares da chamada linha dos «Nove». Mesmo estes, apesar de serem todos homens do 25 de Abril e alguns deles até sempre considerados da esquerda ou extrema‑esquerda do MFA, eram já acusados como de «direita» ou «reaccionários» e até alguns de estarem a planear um golpe para restabelecer em Portugal «uma ditadura à Pinochet». Como explica estes factos (articulando‑os nomeadamente com as declarações mais recentes do major Melo Antunes que já depois do golpe continuou a defender a participação no processo do PC, o que lhe valeu já diversas críticas) e como prevê as consequências que deles podem resultar?
Não consideramos unânime a opinião segundo a qual os órgãos de comunicação social eram afectos ou dominados pelo PCP. Quanto mais não seja, não é unânime, porque não é a nossa. Nos últimos tempos, alguns órgãos de comunicação social tinham sido arrastados para uma propaganda sectária e esquerdista para a qual numerosas vezes chamámos a atenção incluindo de camaradas nossos que trabalhavam em alguns deles.
Para conhecer as apreciação e as posições do PCP é naturalmente melhor ler o Avante! do que órgãos de comunicação social nos quais, ao contrário do que acusa a campanha anticomunista, o PCP não assegurava a direcção e a orientação. Várias vezes afirmámos que, se acaso o PCP dirigisse órgãos de comunicação social, a informação de alguns deles seria mais serena e mais objectiva.
Na defesa duma solução política para a crise, o PCP foi sempre particularmente cuidadoso na classificação das posições das várias tendências do MFA. Há numerosos testemunhos públicos dessa nossa posição, mesmo em momentos em que defender uma solução negociada valeu ao PCP críticas e acusações por vezes extremamente violentas de sectores e elementos que não compreendiam o risco que resultaria para a revolução da fractura, divisão e confronto entre tendências diversas do MFA.
A orientação política do PCP não é de oportunidade nem de oportunismo. Temos uma só política quaisquer que sejam os lugares e as circunstâncias em que a defendemos.
Como vê, em geral, o actual momento político? Pensa o PC que o VI Governo se deve manter com a sua actual composição ou que deve ter alterações atendendo à mudança da correlação de forças?
O futuro do VI Governo Provisório e, de uma maneira geral, a composição e a política do Governo vão depender de um melhor esclarecimento da situação militar.
Vemos com muita apreensão para a nossa democracia não apenas o alargamento do âmbito das prisões, como das depurações tanto no aparelho militar como civil. Confiamos em que os sentimentos antifascistas e a vontade de garantir as liberdades e a construção dum regime democrático prevalecerão nas forças armadas e nas suas decisões. Mas depende muito dos equilíbrios ou desequilíbrios políticos que se venham a verificar nos tempos próximos nas Forças Armadas a solução do problema do Governo.
No nosso entender, o avanço reaccionário faz perigar seriamente as liberdades. Se o avanço da direita reaccionária não é estancado corre‑se o risco de instauração de uma nova ditadura.
O anticomunismo das forças da reacção é natural. Mas o anticomunismo cego, violento e primário em que insistem os dirigentes do PS tem aberto e continua abrindo o caminho à reacção e ao fascismo. Que os socialistas meditem na grande responsabilidade em que incorrem e dêem a sua contribuição, não para uma vitória da contra‑revolução, mas para uma vitória da liberdade e da democracia em Portugal.
É tempo de que todos os que desejam evitar a sangrenta tragédia para o nosso povo, que representaria a instauração de uma nova ditadura fascista, sejam civis ou militares, pertençam ou não ao MFA, pertençam a que partido pertençam, compreendam finalmente o perigo que Portugal defronta, ponham de parte ideias feitas e ressentimentos, façam um grande esforço de aproximação e conjuguem os seus esforços para possibilitar a defesa das liberdades e das outras conquistas da revolução e a construção e a defesa dum regime democrático que corresponda aos interesses, às aspirações e aos objectivos do povo português.
Pela nossa parte, a este objectivo subordinamos todos os outros.