Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão evocativa do 112.º aniversário de Álvaro Cunhal «Revolução de Abril. Transformações profundas e resistência ao processo contra-revolucionário»

Evocação do 112.º aniversário de Álvaro Cunhal «Revolução de Abril. Transformações profundas e resistência ao processo contra-revolucionário»

Uma grande saudação a todos os que marcam presença nesta sessão, onde assinalamos os 112 anos do nascimento do camarada Álvaro Cunhal.

Essa personalidade ímpar do nosso Portugal contemporâneo, combatente pela liberdade, pela democracia e uma referência na luta pelos valores da emancipação social e humana no nosso País e no mundo. 

Álvaro Cunhal dedicou toda a sua vida, como dirigente do PCP e lutador antifascista, à causa dos trabalhadores, do seu povo e do seu País. 

Álvaro Cunhal desempenhou um papel incontornável, e desde muito jovem, na resistência ao fascismo e na luta pela liberdade e a democracia.  

O seu relatório “Rumo à Vitória”, apresentado no VI Congresso, em 1965, constituiu um contributo inestimável para a definição do Programa, da estratégia e da táctica do Partido Comunista Português e da luta dos trabalhadores e do povo pela sua libertação.

Aí ficaram as linhas fundamentais para os grandes objectivos da Revolução Democrática e Nacional, que vieram a revelar-se certeiras, desde logo pelo caminho que traçou.

Foi de facto o desenvolvimento da luta da classe operária e das massas populares, bem como o fortalecimento e unidade das forças democráticas de oposição ao regime, que criaram as condições para o derrube pelo MFA da ditadura em 25 de Abril de 1974, e que o simultâneo levantamento popular transformou em Revolução.

A Revolução de Abril, nas palavras do próprio Álvaro Cunhal, foi: “um dos momentos mais altos da vida e da história do povo português e de Portugal”, como acto e processo que foi de libertação e democratização da sociedade portuguesa e de profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais. 

Num País onde grassava a miséria e a desigualdade, Abril consagrou o salário mínimo nacional, ligado às necessidades dos trabalhadores e ao aumento do custo de vida.

Num País marcado pela total ausência de direitos laborais, Abril concretizou o direito ao trabalho e ao trabalho com direitos, o direito ao repouso e ao lazer, o limite máximo da jornada de trabalho, o descanso semanal, férias periódicas pagas, segurança no emprego, proibição dos despedimentos sem justa causa, liberdade sindical, o direito à greve.

Abril abriu portas aos direitos de maternidade e paternidade, aos direitos das crianças e dos jovens, das pessoas com deficiência, dos idosos, dos emigrantes e dos imigrantes.

Abril foi a construção da Segurança Social e da protecção dos cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

Num País onde faltavam as condições mais básicas à vida de milhões de pessoas, Abril abriu as portas ao direito à habitação condigna, ao direito à saúde e a esse Serviço Nacional de Saúde.

Num País onde imperava o analfabetismo, Abril foi educação e cultura.

Num País sangrado pelas prisões e assassinatos políticos, torturas, colonialismo e guerra, com a cumplicidade dos EUA, da NATO e daqueles que ainda hoje se proclamam os faróis dos direitos humanos mas que são os maiores carrascos dos povos, Abril afirmou e concretizou o reconhecimento e a efectiva garantia do exercício das liberdades e direitos de todos, incluindo dos trabalhadores e das suas organizações representativas.

Abril foi descolonização, os valores da paz, da solidariedade, da cooperação, de amizade para com todos os povos do mundo.

Num País profundamente empobrecido, atrasado, dependente, onde sete monopólios concentravam e acumulavam a riqueza criada pelos trabalhadores que se mantinham na pobreza, 

Abril levou por diante a nacionalização dos sectores chave da economia nacional, a liquidação do latifúndio e a Reforma Agrária, com magníficos e indesmentíveis resultados.

Abril foi tão longe na vida dos trabalhadores, das populações e da juventude, foram tantas as transformações, que se colocou desde a primeira hora a necessidade de as defender perante uma contra-revolução que se iniciou, também ela, desde a primeira hora. 

Como fica bem claro em «A Verdade e a mentira na Revolução de Abril, a contra-revolução confessa-se», uma obra fundamental de Álvaro Cunhal para o estudo e o conhecimento deste tema e de todo o processo revolucionário de Abril.

Um apurado trabalho que põe a nu as falsidades daqueles que tentam virar os acontecimentos ao contrário. 

Uma obra que demonstra, através das confissões dos próprios protagonistas da época, a falência da tese daqueles que acusam o PCP de ameaçar a democracia, enquanto eles próprios a golpeavam.

Foram e são vários os golpes da contra-revolução. 

Foi assim desde o golpe palaciano de Palma Carlos, em Julho de 1974, até ao típico golpe militar como aconteceu em 11 de Março de 1975. 

Tudo valeu e vale ainda hoje, todos os métodos e instrumentos de acção e intervenção, para essa gente, se justificam. 

Não olhar a meios era a palavra de ordem da contra-revolução!

No plano político, é preciso destacar e não esquecer a acção de um PS que, após as eleições de Abril para a Assembleia Constituinte, assume a liderança de oposição às conquistas da revolução, aliando-se ao PPD e às forças da reacção e fascistas do regime acabado de derrubar.

Recorreram a tudo numa frenética actividade desestabilizadora de difusão de mentiras e calúnias contra as forças democráticas mais consequentes e progressistas, particularmente contra o PCP.

Entre atentados bombistas, assaltos, saques, espancamentos e outros tipos de violência, em cerca de dois anos registaram-se perto de 600 acções terroristas, de que é exemplo, um de entre muitos, mas este particularmente expressivo, o assalto ao Centro de Trabalho do PCP aqui mesmo em Braga. Ocasião em que Ary dos Santos aproveitou para recordar que «a cada novo assalto / cada escalada fascista / subirá sempre mais alto / a bandeira comunista».»

Por mil vezes que se repitam as mentiras, por mais intensa e desavergonhada que seja a reescrita da História, e nos últimos dias há quem tenha utilizado todo o muito espaço que lhe deram para mentir e fazer falsas acusações pela quais vai ter de responder, mas é que vai mesmo ter de responder e provar as calúnias e as mentiras que anda a propagar por aí.

O que é facto é que os principais visados da violência terrorista fascista depois do 25 de Abril, foram o PCP e outras forças democráticas e progressistas, como já o tinham sido, aliás, durante o fascismo.

E é revelador que os maiores entusiastas da promoção hoje do 25 de Novembro sejam, na verdade, os herdeiros dos fascistas, militares reaccionários, bombistas do MDLP, do Maria da Fonte, do ELP e seus lacaios.

Como esclarece Álvaro Cunhal em «A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro»: «Se o 25 de Novembro prova alguma coisa acerca da preparação anterior para uma acção militar de âmbito nacional, não foi da parte da Esquerda militar (…), mas da parte de forças e sectores aliados contra a Esquerda militar.»

Na verdade, desde o falhado golpe do 11 de Março, que essas forças tomaram em mãos a elaboração de um plano contra-revolucionário.

Nem tudo está ainda claro, mas é hoje uma evidência que o Grupo dos Nove se havia constituído e organizado política e militarmente para pôr fim ao processo revolucionário. 

Aliás, Melo Antunes o afirmou e confirmou, muitos meses antes do 25 de Novembro: “tinham uma organização militar em marcha”. 

Aliás, como hoje é do conhecimento público, o presidente da comissão recém criada pelo Governo da AD, para comemorar o 25 de Novembro, foi quem sete meses antes tomou, com outros oficiais superiores, a iniciativa de pôr em marcha a contra revolução no plano militar. 

Bem podem continuar a reescrever a história e a falar do golpe comunista e no assalto do PCP ao poder, mas o golpe foi dado pelos que dizem isso, os tais que dizem que o PCP foi derrotado nesse dia que uns poucos pretendem celebrar, dentro de quatro paredes e longe do povo.

Mas ao contrário do que alguns desejariam, o PCP não é ilegalizado, mantém-se no governo, com um Ministro e seis secretários de Estado, o País não vai para uma guerra civil, as liberdades e a democracia são salvaguardadas, e meses mais tarde, muito a contragosto das forças contra-revolucionárias, é aprovada a Constituição da República Portuguesa.

Sim, o 25 de Novembro: «representou uma grande derrota da Esquerda militar, a sua desarticulação e desagregação e o desaparecimento (…) do MFA como movimento militar revolucionário organizado. Mas não representou a derrota definitiva da Revolução, como alguns se apressaram a concluir.»

Aqueles que hoje enchem a boca contra o 25 de Abril são os principais agentes da contra-revolução e da continuada política de recuperação capitalista e restauração monopolista, de privatização dos recursos.

Foram os partidos protagonistas da contra-revolução da política de direita, e não outros, que impuseram uma política contrária a Abril e que trouxeram o País e a vida de cada um à actual situação. 

Deterioração das condições de trabalho e desigualdades, concentração de riqueza nas mãos de uns poucos, baixos salários e pensões que não dão para aguentar o aumento do custo de vida, aumento da dependência externa, destruição do aparelho produtivo nacional, soberania nacional posta em causa.

É este o rumo da contra-revolução, é este o caminho com que urge romper, a bem da vida da maioria dos que cá vivem e trabalham.

Abril é o trabalho com direitos e salários justos, Abril não é dois milhões e meio de trabalhadores receberem um salário de mil euros e mais de um milhão de reformados receberem pensões abaixo do limiar de pobreza,

Abril é o poder político a determinar o rumo e não é, ter hoje, novamente um poder subordinado ao poder económico e uma concentração de riqueza cada vez maior nas mãos de uns poucos.

Abril foi e é o fim da precariedade do trabalho e da vida, não é nem pode ser a realidade de mais de um milhão de trabalhadores.

Abril é direitos e tempo para viver, Abril não é haver mais de 2,7 milhões de trabalhadores sujeitos a uma desregulação dos horários de trabalho, sendo mesmo Portugal um dos países da União Europeia onde se trabalha em média mais horas.

Abril é soberania e defesa dos interesses nacionais. Abril não é, é que não é mesmo, o militarismo, a corrida aos armamentos, a guerra e a submissão às ordens e vontades da União Europeia, da NATO e dos EUA.

A actual política do Governo PSD/CDS, entusiasta deste mesmo rumo contra revolucionário conta, para lá desta ou daquela inventada discordância táctica, com o apoio do Chega e da Iniciativa Liberal, com a viabilização, não inédita, do PS.

Ao mesmo tempo que o Governo avança com propaganda, no concreto o que está em curso é, como sempre denunciámos, uma submissão aos grupos económicos, desde logo com mais uma baixa dos impostos sobre os lucros dos grandes, e a vida apertada para a maioria.

Um ataque a todos, desde logo aos trabalhadores e em particular aos mais jovens e às mulheres.

Apesar de tudo, Abril vive.

Apesar da contra-revolução, uma série de conquistas, direitos, liberdades e garantias resistem.

O SNS, a escola pública, a Segurança Social, com todas as ameaças que pairam sobre estas importantes conquistas, resistem.

Assim como resiste a Constituição, que daqui a poucos meses cumprirá os 50 anos desde a sua promulgação.

Uma Constituição já bastante golpeada, mas que ainda assim é preciso defender, mas para a defender é preciso que seja cumprida e que os direitos aí vertidos sejam uma realidade na vida de todos os que aqui trabalham e vivem.

Resistir e não ficar à espera, é este o desafio que se coloca a todos, a todos os trabalhadores, ao povo, à juventude. 

Uma resistência e uma luta que teve no sábado passado um momento alto com a Marcha Nacional convocada pela CGTP-IN que encheu ruas, avenidas e praças do centro de Lisboa. 

Essa luta que terá de continuar a desenvolver-se na luta reivindicativa de todos os dias e na Greve Geral de 11 de Dezembro contra o Pacote Laboral, pelos salários, os direitos e os serviços públicos.

A correlação de forças institucional é, como sabemos, desfavorável.

O quadro em que intervimos é difícil e complexo, desde logo na batalha ideológica com a promoção de concepções reaccionárias, do medo, do individualismo, do conformismo e do ódio.

Sabemos bem que teses são difundidas até ao limite e que dão espaço ilimitado a protagonistas que representam o pior que o sistema e a contra revolução criaram até agora, desde logo ao partido Chega, a expressão mais ruidosa deste processo mas longe de ser a única.

Este é um instrumento do sistema, que pretende a acentuação do regime de corrupção e compadrio que diz combater, e que vai assumindo dia a dia, com maior desfaçatez, o fascismo e o seu legado de miséria, desigualdade e crimes.

É hoje uma peça determinante do sistema, financiado e promovido por quem quer que se desviem as atenções das verdadeiras causas e responsáveis da actual situação.

A táctica é velha e conhecida, atacar os mais próximos, os mais desfavorecidos, atacar o vizinho, o outro da outra cor ou religião, atacar todos e com toda a força para desviar da responsabilidade quem nos oprime e verdadeiramente nos rouba o presente e o futuro. 

O desafio para o qual todos estão confrontados é partir da realidade de hoje e voltar a tomar nas mãos os valores da justiça social, da economia ao serviço do povo. 

Regresso às palavras de Álvaro Cunhal:

«Uma Revolução de Abril não se repete. Conquistas fundamentais foram liquidadas. Mas muitos dos seus valores não estão mortos. Muito dela ainda está presente na sociedade e na consciência, hoje abalada mas latente, que a revolução deu aos portugueses. Consciência do que a liberdade vale. Consciência dos direitos do ser humano.

A história das realizações, conquistas, valores e lições da Revolução de Abril contém elementos fundamentais da experiência necessária para, na situação actual, optar por um caminho do futuro e confiar naqueles que, falando verdade ao povo, têm mostrado ser capazes de cumprir aquilo que anunciam e prometem. (…)

Os povos necessitam de partidos firmes, convictos, corajosos e confiantes. Só tais partidos estão em condições de fazer frente ao capitalismo no mundo actual.»

Aqui estamos, aqui está o PCP, esse Partido firme, convicto, corajoso e confiante.

Este Partido que não abdica do seu projecto, que não abdica dos seus princípios, que não se dilui e que sabe que é na sua matriz, coerência, ideal e projecto que reside a sua força única.

O Partido da luta anti-fascista, o Partido de Abril, o Partido da resistência e da luta contra a reacção, o Partido do futuro.

Este Partido de sempre e para sempre de Álvaro Cunhal.

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