Intervenção de Álvaro Cunhal, Secretário-Geral, Reunião Plenária do Comité Central do PCP

Intervenção de Álvaro Cunhal na Reunião Plenária do Comité Central do PCP

Camaradas:

Aos organismos executivos do Comité Central pôs-se a questão de ouvir a opinião do Comité Central quanto às decisões que podem ter que tomar a curto prazo em relação à questão do poder político.

Estávamos ante a alternativa: ou adiar a reunião do CC até podermos convocá-la em condições de fazermos um debate em profundidade de toda a situação política, ou convocarmos esta reunião de emergência para discutirmos no fundamental um único ponto: a crise do poder político e a forma de superar essa crise. Foi portanto com este objectivo que se convocou esta reunião de emergência. É necessário que a Comissão Política numa situação tão delicada e tão incerta como aquela que vivemos actualmente esteja habilitada a tomar as decisões necessárias.

Camaradas:

Nas últimas semanas, a Revolução tem atravessado sérios perigos ainda não completamente superados.

Existem forças revolucionárias bastantes (populares e militares) para assegurar o prosseguimento do processo. O nosso Partido, outras organizações progressistas, as organizações de classe, a classe operária, os trabalhadores rurais do Sul, as massas populares, em aliança com a força revolucionária do MFA, estão fazendo corajosamente frente à ofensiva das forças reaccionárias e conservadoras, dão réplica aos avanços dos adversários da Revolução, recuperam e reforçam posições.

O êxito das forças da liberdade e do progresso social exige porém uma ideia muito exacta e realista da situação, uma justa avaliação da arrumação e da correlação de forças, uma orientação que corresponda aos problemas existentes, uma grande flexibilidade e maleabilidade e uma grande firmeza na defesa das posições essenciais.

Continuamos a pensar que, com uma justa orientação, com determinação e unidade, as forças da Revolução estão em condições de superar a crise actual e de assegurar o prosseguimento do processo revolucionário em direcção à construção de um regime democrático e de transformações económicas e sociais profundas abrindo caminho para o socialismo.

A crise actual

A crise que a Revolução Portuguesa atravessa actualmente é a mais complexa e profunda verificada desde o 25 de Abril.

A crise atinge praticamente todos os aspectos e sectores da vida nacional.

É uma crise política, com uma vasta e aberta ofensiva terrorista da contra-revolução, com contradições e conflitos internos nos órgãos do poder, com dissidências nas duas componentes essenciais do processo (no MFA e no movimento popular e democrático), com uma vasta e activa oposição ao processo revolucionário conduzida pelos dirigentes do PS, pelo PPD e pelo CDS, com um ambiente de conspiração podendo conduzir a choques armados.

É uma crise económica, com o agravamento dos défices financeiros, o alargamento dos sectores em dificuldades, a perspectiva do aumento do desemprego, tudo agravado pela sabotagem económica, pelas pressões imperialistas e pelas hesitações, demoras e pausas na política económica.

É uma crise social em que classes e camadas intermédias que não viram ainda resolvidos pela Revolução muitos dos seus problemas se deslocam politicamente no sentido da direita.

É uma crise militar em que o peso do conservantismo ainda existente no vasto corpo da oficialidade das forças armadas aparece a tomar posições, a sanear à esquerda, a querer abafar, a diluir, a dissolver, se possível, a força revolucionária progressista, o MFA.

É uma crise no processo de descolonização, em que não só se amontoam dificuldades em Angola, como elas se repercutem em Portugal, pela necessidade de envio de tropas, pelos encargos financeiros, pelo retorno de milhares e milhares de portugueses com problemas reais e dificuldades de adaptação à nova situação e ao Portugal revolucionário de hoje.

Muitos desses homens vêm desesperados, muitos deles faziam parte de forças de repressão colonialista e por isso estão maduros para constituírem uma base de recrutamento de organizações clandestinas de tipo fascista e fascizante.

Podemos mesmo dizer que os perigos mais imediatos para a Revolução partem do reagrupamento e da acção política dos oficiais conservadores que constituem ainda o maior peso nas forças armadas.

O nosso Partido considerou sempre o MFA, movimento revolucionário progressista, como a melhor garantia armada da defesa da Revolução e do seu prosseguimento em aliança com as forças populares. O maior perigo da situação presente é o enfraquecimento do MFA, a ponto de ser abafado pela massa numérica dos oficiais do quadro. Essa evolução é facilitada pela efectiva cisão e pelas extraordinárias contradições nos organismos superiores do MFA. Um grupo mais moderado procura apoiar-se nessa massa conservadora e recorre ao democratismo para opor as forças armadas ao próprio MFA e no fim de contas conduzir à liquidação ou à reconversão do MFA como um movimento de direita.

Depois da aprovação do documento apresentado pelo grupo Melo Antunes, foi decidida a suspensão dos membros do Conselho da Revolução que o haviam assinado por intervenção de altas instâncias militares, esse documento continua em discussão e em aprovação nas unidades militares. Procura-se fazer uma votação massiva, que depois pode ser concentrada ao nível das mais altas instâncias militares. Procura-se através desse democratismo uma manobra que conta com forças consideráveis e que põe em perigo efectivo a própria existência do MFA e a sua intervenção na vida política nacional. Com esta afirmação, creio que se vê bem o peso da ameaça que pesa sobre a Revolução Portuguesa.

Pela sua parte, os dirigentes do PS, com a sua histeria anticomunista e as suas alianças com a reacção, têm sobre si a pesada responsabilidade de terem aberto as portas às actividades contra-revolucionárias e terem inspirado e estimulado a acção dos bandos fascistas. No caminho do anticomunismo aberto pelo PS, a contra-revolução, mostrando a sua verdadeira cara, passou ao ataque.

O anticomunismo dirige-se primeiro e preferencialmente contra o PCP, mas visa a liquidação das liberdades, não apenas dos comunistas, mas de todo o povo português. O anticomunismo é a bandeira da contra-revolução contra todas as forças revolucionárias, e não apenas contra o PCP.

Os assaltos, pilhagens e incêndios de Centros de Trabalho do PCP e de outros partidos progressistas, assim como de sindicatos, a «caça aos comunistas», as expulsões de empresas, as agressões, as tentativas de linchagem, os atentados terroristas, o saqueio de escritórios, consultórios, e residências pessoais, a destruição de haveres, mostram o banditismo fascista na sua odiosa expressão.

Em algumas localidades e regiões, a contra-revolução consegue liquidar as liberdades e instalar de facto temporariamente um poder local reaccionário. Há já localidades e regiões que podem considerar-se, não como regiões e localidades de um Portugal democrático, mas vivendo efectivamente debaixo de um poder local de tipo reaccionário e fascista, que impõe a sua lei e impede o exercício das liberdades. O problema aí é da restauração e da garantia das liberdades democráticas fundamentais.

Todos nós sabemos que acusam o nosso Partido de querer liquidar as liberdades. Mas vemos que, em numerosas situações e em situações bem concretas, os comunistas uma vez mais estão a lutar em defesa das liberdades contra aqueles que, falando na defesa das liberdades, realmente as querem liquidar.

Defender o exercício das liberdades pelo PCP é defender as liberdades de todo o povo português, é defender a situação democrática contra os perigos de regresso ao fascismo.

O traço mais característico desta complexa crise do processo revolucionário é centrar-se em torno da crise do poder político, designadamente do MFA e do Governo.

Nas últimas semanas, as forças reaccionárias e conservadoras, assim como oportunistas de todos os matizes, tomaram como primeiros e fundamentais objectivos provocar sérias fracturas no MFA, tornar inoperantes os seus órgãos, impedir a formação de um novo Governo de esquerda e conduzir à formação de um Governo de direita.

Diminuída a base política de apoio de um novo Governo pela súbita passagem à oposição do PS e do PPD, depois de terem rompido o Pacto assinado com o MFA, e sendo incerto um firme apoio militar em virtude das contradições existentes no próprio MFA, a crise do poder político atingiu extrema gravidade. Todo o problema do poder político passou a exigir profunda reconsideração.

Há toda uma vida de bastidores, toda uma vida interna do movimento militar que se torna dificilmente perceptível a quem não tenha uma informação muito pormenorizada e muito directa. As posições das várias forças, dos vários chefes militares, são muitíssimo mais complicadas e muitíssimo menos claras do que parecem indicar comunicados, decisões e afirmações que vêm a público. Quer isto dizer que é muito difícil por vezes caracterizar, mesmo quando há um conhecimento directo, o que pretendem tais ou tais organismos, o que pretendem tais ou tais chefes militares.

Houve um momento em que foi anunciado não só o Directório como organismo supremo do MFA, que assumia por delegação os poderes do Conselho da Revolução, mas também que esse Directório visava assegurar a eficiência e a homogeneidade da direcção política do MFA. Mas este Directório está na verdade paralisado por contradições internas e por conflitos internos. O Directório não pode ser um organismo operativo que garanta a direcção do MFA. Mais ainda: este Directório surge quando desaparece o Conselho da Revolução. Praticamente desaparece o Conselho da Revolução no preciso momento em que a Assembleia é contestada por uma fracção importante do MFA.

A constituição do Directório neste momento significa que o MFA está a decapitar-se, que não tem uma direcção homogénea, uma direcção revolucionária. Daí resultam oscilações, indecisões, contradições determinando que, dia a dia, hora a hora, por vezes de minuto a minuto, vejamos decisões que se rectificam umas às outras.

Podemos dizer que o MFA está hoje disposto como que em camadas sedimentares em que uma contradiz a outra. Há uma ordem que vem de um organismo superior que é desmentida ao nível de um organismo inferior que por sua vez é rectificada mais abaixo. São sobreposições de pontos de decisão que se contrariam mutuamente. Há incerteza extraordinária em relação a cada decisão que é tomada. Nos últimos dias, em relação a toda a ofensiva de direita, há constantemente uma resposta imediata e logo depois uma resposta contrária.

A esquerda militar ficou bastante animada (a nosso ver sem razão) com a decisão que foi tomada pelo Directório no sentido de que os conselheiros signatários do documento Melo Antunes fossem afastados do Conselho da Revolução. Parecia para a esquerda uma coisa muitíssimo positiva. Mas imediatamente, em vez da nomeação imediata de oficiais da esquerda que garantissem a defesa do MFA nas várias regiões, vemos os comandantes dos Nove serem confirmados nos seus cargos até nova ordem.

Esse documento é condenado como divisionista. É primeiro Otelo que afirma para logo rectificar e desmentir. Depois é também o Directório que vem criticar o documento.

Mas ulteriormente esse documento é posto obrigatoriamente à discussão e à votação nas unidades. Está-se agora a fazer a contagem dos votos obtidos, por oficiais do quadro, nas unidades, para depois se vir a afirmar que no fim de contas as forças armadas estão com essa fracção.

Isto mostra como a situação é contraditória e como não há neste momento nenhuma garantia efectiva, a não ser na medida em que há forças militares e revolucionárias e forças populares para conseguir conduzir o processo de uma reconstituição do próprio MFA como força revolucionária progressista e à sua associação mais estreita com o movimento popular e democrático. Se o problema já era grave ao nível político, dada a posição contra o processo revolucionário do Partido Socialista e do PPD, se já era grave por isso, a gravidade é ainda maior pela situação interna do MFA onde estão em conflito a esquerda militar e o grupo dos Nove e onde existe um sector esquerdista e anarquizante que dificulta a unidade das forças progressistas. Se se rectificasse essa situação interna do MFA, poderíamos respirar fundo. Mas apesar de todos os esforços, a situação é esta que acabo de dizer.

A constituição do Governo

Uma das causas fundamentais da pouca operatividade dos governos provisórios e da chamada crise de autoridade, resultou da insuficiente coordenação entre o poder do Governo e o poder militar.

O MFA está representado no Governo a partir do II Governo Provisório. Mas nem sempre em casos concretos essa coordenação foi a mais desejável. Ainda que sejam coisas também para não registar, alguns exemplos podem melhor traduzir esta realidade.

Pode haver uma indicação do primeiro-ministro para que as forças armadas entreguem a Rádio Renascença à Igreja Católica e podem depois dessa decisão as forças armadas recusarem-se a entregar a Rádio Renascença à Igreja Católica. Pode haver uma decisão no sentido de que as tropas vão ocupar determinadas instalações e podem as tropas enviadas para essas instalações recusarem-se a aplicar as ordens recebidas do Governo. Estes dois exemplos são dois, mas isto multiplica-se por 10 e por 100. Quer dizer, que nem sempre a coordenação entre Governo e forças armadas se verifica.

Depois da saída do PS e do PPD do Governo, impossibilitada a formação de um Governo de coligação, a constituição de um novo Governo sem representantes de partidos e cuja base de apoio político seria no imediato mais reduzida, colocava com mais agudeza a necessidade de passar a contar com um apoio muito mais efectivo dos órgãos do poder militar.

Uma melhor clarificação da situação interna no MFA teria sido desejável antes da formação do novo Governo, como garantia para a sua eficiência.

Aqui informo que, depois da formação do Directório, depois da discussão sobre a eventual participação de Otelo Saraiva de Carvalho como vice-primeiro-ministro, depois de termos dado o nosso apoio à formação de um Governo sem participação partidária tendo como primeiro-ministro Vasco Gonçalves e como vice-primeiro-ministro Otelo Saraiva de Carvalho, ao sabermos que Otelo se recusava a ser vice-primeiro-ministro, fizemos diligências imediatas, algumas junto do próprio primeiro-ministro, para dizer que púnhamos muitas reservas à formação do novo Governo e que, apesar de toda a complexidade da situação, entendíamos que não devia ser formado nem anunciado esse Governo sem antes estar esclarecida a situação militar.

Tudo indicava que se formava o Governo num dia com o nosso apoio e a nossa participação para cair no outro dia. E a cair no outro porque não tinha qualquer apoio militar, não tinha qualquer possibilidade de fazer executar qualquer das suas decisões. Formava-se um Governo de que se retirava o apoio do COPCON, que não apoiava esse Governo. Não havia um apoio militar definido a nenhum nível das instâncias do MFA, paralisadas pela dissolução do Conselho da Revolução, pela contestação da Assembleia do MFA e por uma «troica» paralisada por conflitos internos. Este Governo formava-se e, contestado, caía em dois tempos.

Por isso diligenciámos, e aqui está uma das tais iniciativas que muitas vezes a Comissão Política tem que tomar em situações novas e que não estão conforme com a perspectiva no CC. Mas tomámos a responsabilidade de comunicar que não apoiávamos a constituição desse Governo com Vasco Gonçalves, se na verdade não houvesse um apoio militar. Púnhamos, portanto, como condição da formação desse Governo a clarificação da situação militar. E diligenciámos, não apenas desta forma, mas por muitas variadas formas, para conseguir uma clarificação militar positiva antes que Vasco Gonçalves anunciasse a formação do novo Governo.

Entretanto, o prolongamento da crise e do vazio do poder criado pela inexistência de um Governo e pela relativa paralisação da máquina do Estado, facilitaram e estimularam a ofensiva da reacção, manobras divisionistas, as conspirações, os planos de assalto ao poder. A manter-se esse vazio político existia o perigo real de um golpe de força contra-revolucionário.

A constituição do Governo, mesmo antes da melhor clarificação da situação interna no MFA e dos seus apoios militares efectivos, mesmo que com uma composição susceptível de ser melhorada, acabou por tornar-se uma absoluta e imediata necessidade.

Tínhamos muitos dados que nos levavam à ideia de que estava em preparação um golpe de direita, um golpe envolvente da direita militar, e que, se se atrasava mais a formação do Governo de Vasco Gonçalves, se corria o risco iminente de um golpe de Estado nas cúpulas do MFA afirmando: Vasco Gonçalves não consegue formar Governo, é necessário entregar a outro.

Existia o perigo sério de um golpe palaciano acompanhado por uma movimentação militar, contando com duas regiões militares, com a maioria das unidades da terceira região, com um golpe eventual que tudo indicava estar em preparação nos Açores e com situações graves em algumas unidades da região militar de Lisboa.

Considerámos que se poderia evitar o avolumar dessa ofensiva reaccionária das Forças Armadas, precipitando nessa altura o anúncio da formação do Governo, quebrando as pernas à ofensiva política, que era então muito intensa para exigir a demissão de Vasco Gonçalves. Daí o termos apoiado a formação do novo Governo e termos estado de acordo não só em que não houvesse uma representação partidária, como mesmo que não continuasse Veiga de Oliveira como ministro dos Transportes.

Tomámos essa decisão para não comprometermos com uma representação partidária uma solução muitíssimo incerta. E também, para não nos arriscarmos a cair como força política com a queda do próprio governo formado por Vasco Gonçalves sem um apoio militar. Temos a percepção de que alguns elementos da direita militar facilitaram nesse momento que se formasse este governo num dia com o apoio dos comunistas, para afirmarem tratar-se do governo dos comunistas, e para no dia seguinte o deixar cair, arrastando, com a derrota do governo, a derrota do Partido.

Pensámos já nesse momento guardar um campo de manobra política para o nosso Partido que não nos atrelasse necessariamente a uma previsível queda do Governo de Vasco Gonçalves, uma vez que não tinha apoio militar, e nos desse margem para reconsiderar a composição do Governo e a sua própria chefia.

A grande ofensiva militar e política da direita concentra os seus esforços num objectivo: o afastamento de Vasco Gonçalves, vendo nesse objectivo como que a abertura numa barragem de areia. Quer dizer, a água não passa, não passa até que num sítio consegue abrir caminho por um pequeno rompimento. E então a brecha alarga-se e a areia vai toda atrás. Todo o esquema das forças conservadoras e reaccionárias era mostrar este Governo como o Governo dos comunistas, sem apoio militar e deixá-lo cair depois. O fracasso deste Governo seria o fracasso do Partido Comunista, que seria arrastado nessa derrota com todas as suas consequências.

Daí já termos afirmado também, no último documento da Comissão Política, que, a nosso ver, a solução encontrada não exclui possibilidades de recomposições, reajustamentos e reconsiderações que possam aumentar a eficiência do Governo e alargar a sua base de apoio social e política.

Da parte da esquerda militar, sem exclusão de ninguém, vemos muito sectarismo. Não dá qualquer abertura e isso pode precipitar a sua queda.

Por isso esta solução governamental não pode ser tida por rígida. Ao contrário. Devem procurar-se ajustamentos, devem procurar-se modificações que respondam à actual situação. A médio prazo as soluções podem ser outras.

O problema do poder político

A formação do novo Governo do General Vasco Gonçalves, embora respondendo a uma necessidade inadiável, não pode por isso resolver todos os aspectos da crise.

Fica de pé, tal como antes, o problema geral do poder político no seu conjunto. A crise persistirá e tenderá a agravar-se rapidamente se não são reforçadas e se não se tornam verdadeiramente operativas as estruturas de direcção do MFA e o MFA no seu conjunto, como movimento progressista revolucionário.

Um MFA dividido por conflitos internos a caminho de diluição no quadro geral das forças armadas ficaria incapacitado de cumprir a sua tarefa de vanguarda, acabaria por dissolver-se e deixaria campo aberto às forças reaccionárias.

Para uma vanguarda revolucionária são perigos reais tanto o enfraquecimento da ligação da vanguarda com as massas como a dissolução da vanguarda nas massas. A vanguarda revolucionária tem de estar intimamente ligada às massas, contar com o seu apoio activo, aprender com elas, estimular a sua iniciativa e a sua acção criadora. Mas, sob o risco de deixar de ser uma vanguarda, de perder a sua capacidade mobilizadora e dirigente, não pode diluir-se nas massas, perdendo as suas características próprias de organização, de quadros, de direcção.

Isto é válido para todas as vanguardas, seja da classe operária, seja militar.

Sob o pretexto do respeito pela vontade das massas, o basismo e o democratismo, a submissão das decisões da vanguarda a votações manipuladas, procuram enfraquecer, desorganizar e finalmente liquidar a vanguarda. Trata-se também de uma situação geral, válida tanto para a vanguarda operária e popular como para a vanguarda militar.

Hoje mais do que nunca, para fazer frente à reacção, para garantir as liberdades, para assegurar uma política de progresso social, é indispensável a intervenção do MFA como vanguarda e movimento revolucionário progressista e com os seus órgãos de poder.

Desde o 25 de Abril o grande esforço das forças reaccionárias, das forças conservadoras, no que respeita ao MFA, foi procurar diluir o MFA nas Forças Armadas. Foi o esquema de Spínola desde o 25 de Abril até ao 28 de Setembro e mesmo depois do seu afastamento da Presidência da República, ainda por entrepostas pessoas até ao 11 de Março procurou através de um democratismo nas Forças Armadas, da consulta «democrática» nas unidades, da remodelação das estruturas militares nas unidades, num sentido falsamente chamado democrático, levar à diluição do MFA no grande corpo do quadro permanente de tendências conservadoras.

A campanha de assinaturas, quando da estada de Spínola no Buçaco, foi uma tentativa séria para afogar o movimento das Forças Armadas no grande peso da opinião dos oficiais conservadores.

Uma Assembleia do MFA, que estava para ter lugar em Lisboa, esteve ameaçada pela mobilização de oficiais feita por Spínola e pela sua gente que queriam exigir a participação de oficiais que não eram do MFA nessa assembleia para afogar pelo número os quadros revolucionários do próprio MFA.

Tentativas dessas foram muitas no tempo de Spínola, que visava precisamente, através do democratismo, mostrar que o MFA era um grupo isolado que não tinha apoio nas Forças Armadas e portanto excluir o MFA do comando militar e da vida política portuguesa.

Hoje novamente se assiste a uma ofensiva desse tipo e aquilo que não conseguiu Spínola corre-se o risco de hoje ser conseguido sob a direcção de oficiais (e alguns dos mais destacados) do Movimento das Forças Armadas, que estão a estimular apuramentos de votos nas unidades militares fora dos quadros do MFA, em assembleias em que predominam elementos conservadores e reaccionários. Já há muitos apuramentos de votações que mostram que há amplos sectores de oficiais que estão contra o Governo actual, como resultado da campanha anti-Vasco Gonçalves.

As votações acusam resultados favoráveis para a plataforma Melo Antunes. A campanha de assinaturas que está a ser feita e todo este democratismo conduzem àquele fim que Spínola se propôs durante tanto tempo: a diluição e o desaparecimento do MFA.

Governo e órgãos superiores do MFA têm de ser complementares e cooperantes no poder político. Sem isso não só seria difícil como a curto prazo se tornaria impossível governar.

É evidente, camaradas, que, se eu apresento estes dados negativos, estes dados perigosos, isto não quer dizer que não haja forças revolucionárias sãs dentro do MFA que batalham para restituir ao MFA a sua capacidade de intervenção e os seus órgãos dirigentes revolucionários.

Há ainda uma força revolucionária que se chama MFA e que tem força material, que tem força militar. A divisão do MFA e a ofensiva da reacção são entretanto muito perigosas e devemos por isso considerar as alternativas. Um dos males é que a esquerda militar sobrestima a sua força e não considera devidamente estes perigos.

O imediato e a perspectiva

O reforço do poder passa pela definição e a aplicação de medidas que respondam aos problemas mais prementes de ordem política, económica, social, assim como os decorrentes do processo de descolonização e das relações internacionais.

Para aplicar uma tal política, o poder precisa de ser forte. Mas uma parte da sua força virá da aplicação de uma tal política.

A política da conjuntura para resolver problemas de carácter imediato e de emergência tem de compreender-se dentro da grande perspectiva de desenvolvimento do processo revolucionário. De forma alguma as medidas de emergência poderiam pôr em causa as nacionalizações, a criação de um grande e dinâmico sector estatal e a reforma agrária.

O PCP insiste em lutar pela instauração de um regime caracterizado pelas mais amplas liberdades (incluindo a liberdade de imprensa e de formação e actividade dos partidos políticos) e por transformações económicas e sociais profundas abrindo caminho para o socialismo. Insiste no esforço para assegurar um curso revolucionário tanto quanto possível pacífico.

É necessário insistir publicamente e com força nesta perspectiva, por parte do nosso Partido, desmentindo as deturpações e falsificações da linha do PCP feitas pela propaganda reaccionária e divisionista, que procura desinformar a opinião pública acusando o PCP de querer suprimir as liberdades e instaurar uma ditadura.

Dentro da grande e exaltante perspectiva da Revolução Portuguesa, caminhando para o socialismo num regime de amplas liberdades, o poder e as forças revolucionárias no seu conjunto têm diante de si, no imediato, algumas tarefas prioritárias inadiáveis. Da sua realização depende em larga medida o próprio prosseguimento do processo revolucionário.

Na batalha ideológica, a luta contra esta desinformação e contra esta deformação da nossa linha tem um papel de primeiro relevo. Devemos insistir sempre, através de definições de princípio e através da actividade prática, em que o nosso Partido continua fiel ao projecto político que definiu, de um Portugal democrático onde existam amplas liberdades democráticas incluindo a de imprensa, incluindo a de formação de partidos políticos, e transformações económicas e sociais profundas abrindo caminho para o socialismo.

Tarefas políticas prioritárias e urgentes

Na presente situação, colocam-se ante o poder e as forças revolucionárias três tarefas políticas prioritárias e urgentes.

A primeira é assegurar com a máxima firmeza o respeito pela ordem democrática e o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos em todo o território nacional.

Ao mesmo tempo que é necessário grande compreensão para com populações que, em alguns casos e por virtude de situações concretas e falta de informação, influência dos caciques, dependência económica, dependência moral, influência religiosa, se deixam enganar pela propaganda reaccionária, impõe-se extrema firmeza para com bandos fascistas responsáveis por assaltos, agressões, pilhagens, incêndios, atentados terroristas e outros actos de violência.

Também aqui, camaradas, não deixa de se verificar contradições nas forças militares.

Nós sabemos toda a vergonhosa atitude do PS a respeito destes actos de banditismo fascista, mas mesmo nas forças militares há quem pretenda atribuir a responsabilidade dos assaltos aos centros de trabalho do Partido à política do próprio Partido Comunista. A teoria da «rejeição» do Partido Comunista pelo corpo populacional, que é a teoria reaccionária de Mário Soares, encontra certos ecos em altos níveis militares (234). Dizendo que, no fim de contas, se isso se passa é porque a população está contra o comunismo, é porque o Partido Comunista não responde aos seus interesses, é porque a política do Partido Comunista não tem uma base real nos problemas do nosso povo, explicam que o povo, muito legitimamente, afasta os comunistas do seu seio. Há quem explique isto ao nível de altas instâncias militares. E isto reflecte-se depois nas instruções, na tolerância, na condescendência, na passividade e por vezes até na colaboração de certos destacamentos militares com os fascistas, com os reaccionários, nos assaltos às sedes do Partido.

Como nós sabemos, em muitos casos os militares facilitaram a entrada dos fascistas nos centros de trabalho. Em muitos casos, tiraram as espingardas de caça aos nossos camaradas para que depois o assalto tivesse lugar, quando em alguns centros seria bem fácil aos nossos camaradas, ou, se não fácil, possível, defender os centros de trabalho e não deixar lá pôr o pé aos fascistas. Se essa atitude se pode nuns casos atribuir à própria composição dos destacamentos enviados, à participação eventual de tal ou tal oficial reaccionário ou esquerdista pseudo-revolucionário na força que foi enviada para a defesa dos centros de trabalho, noutros casos isso corresponde a instruções e a uma opinião que vem de cima. Que é: deixar arder, é dos comunistas.

Portanto há mesmo em altas instâncias militares quem pense que isto não é um mal, mas um bem, essa violência que apresentam como a rejeição dos comunistas pelo corpo populacional.

Naturalmente que há também dentro do aparelho militar homens que não são de nenhuma forma simpatizantes com o Partido, mas que entretanto põem a questão da defesa da ordem democrática, a necessidade de uma acção enérgica contra os actos de pilhagem, os saqueios, os incêndios. E isto é positivo e joga em nosso favor na medida em que certos órgãos e certos chefes militares, ainda que não estejam muito voltados para a cooperação com o Partido, estão voltados para uma repressão da contra-revolução e para a tomada de medidas enérgicas para impedir estas acções contra-revolucionárias.

A segunda tarefa é reorganizar e sanear devidamente o aparelho do Estado (incluindo os sectores militares e militarizados, os tribunais, o aparelho diplomático, o funcionalismo) de forma a poder, pela sua estrutura, funcionamento e quadros, servir com segurança e fidelidade a Revolução Portuguesa.
Aqui também, camaradas, como nós temos observado, dentro deste processo contraditório, se em alguns casos há melhoramento da situação ao nível das unidades e mesmo ao nível de certas regiões, noutros casos vemos a depuração à esquerda. É evidente que o caso dos Comandos da Amadora é um caso muito particular (235). É um caso em que há uma revolta dos soldados que pegam nas armas e que prendem oficiais. Portanto é um caso de revolta que, a não ter uma protecção superior, sujeita os autores ao Código de Justiça Militar. Só numa dinâmica revolucionária é que se pode aceitar que os soldados peguem em armas, cerquem, prendam os oficiais e digam: «Vocês vão para a rua que nós aqui elegemos quem são os nossos oficiais.»

Se à frente do COPCON estivesse um verdadeiro e consequente revolucionário aquilo que disse na primeira hora era aquilo que mantinha depois. Quer dizer, mantinha a situação de facto, ainda que eventualmente tomasse medidas disciplinares em relação a um ou outro. Mas não. Como sabemos, houve uma recomposição da situação e o saneamento de quatro oficiais, salvo erro, e de vinte furriéis e soldados. O saneamento à esquerda mostra bem que aquela unidade, ainda que não esteja agora muito operacional, está outra vez em vias de se transformar num instrumento potencial da direita conservadora.

Os saneamentos à esquerda dão-se desde Lamego até Évora. É de norte a sul. Em Lamego é um oficial progressista que seria preso ou será ainda preso se se dirigir à própria unidade. O homem mais progressista que havia nessa unidade [Um camarada diz: «Já está rectificado.»]. Já está rectificado, magnífico. Mas ainda há dias a situação era esta: ele não se podia dirigir à unidade se não seria preso.

Em Évora é o capitão Andrade e Silva, representante do MFA na região. Foi saneado, ele e um furriel. Sabemos o movimento que houve, e já disse o camarada Gervásio hoje de manhã (é uma grande notícia para nós) que está na sua unidade. Lá está ele na sua unidade em Évora. Mas o facto é que foi saneado.

Até aqui está connosco um camarada que também foi saneado. Por processos indirectos. Também é militar e também foi saneado. Quer dizer, arranjaram uma questão de licença para o afastarem porque é um camarada que pertence a certas estruturas de base do MFA. Também foi saneado. Há todo esse esforço de saneamento à esquerda. Há outros casos.

Deve sublinhar-se, porém, que também tem havido capacidade de recuperação em alguns casos. E se estas recuperações se dão é porque na verdade há força revolucionária nas Forças Armadas e há força no movimento popular.

A terceira tarefa é a formação de um sistema de poder que garanta centralização das decisões de capital importância, eficiência e capacidade operativa, autoridade e apoio popular.

A execução destas três tarefas prioritárias é indispensável para fazer frente à reacção, para defender a nossa jovem democracia, para pôr fim à grande instabilidade política, para assegurar o prosseguimento do processo revolucionário.

Esta é uma questão central cuja solução será particularmente difícil a curto prazo mas sem resolver a qual não podemos ter garantida a vitória final da Revolução.

Enquanto não houver um poder com o mínimo de homogeneidade, com um mínimo de capacidade de decisão e de autoridade, um poder unificado, um poder político nas suas duas componentes que continuamos a considerar essenciais, popular e militar, não teremos garantias suficientes de que levaremos à vitória final a Revolução Portuguesa. É uma tarefa de primeira grandeza que temos que resolver e para resolver a qual temos que concentrar muitos esforços, muitas energias em todos os domínios da nossa actividade.

Outras tarefas urgentes

Também no domínio económico, no domínio social, no processo de descolonização e na política externa se colocam ao poder e às forças revolucionárias tarefas inadiáveis dentro das grandes linhas da Revolução Portuguesa.

Deveriam neste momento sublinhar-se algumas das direcções que no entender do Partido Comunista Português se devem seguir nestes vários domínios de actividade a fim de confirmar a política do Partido e quebrar toda a especulação que se faz acerca de uma suposta radicalização ou apressamento do ritmo de evolução que é atribuído ao nosso Partido.

Nós somos acusados de querer uma aceleração do processo revolucionário, de defendermos em todos os aspectos medidas radicais, imediatas, de transformação da nossa sociedade numa sociedade socialista.

Por isso a reafirmação de certos objectivos de carácter económico, social e outros é indispensável neste momento para lutarmos contra essa desinformação que afasta do Partido certos sectores sociais da média e da pequena burguesia, da pequena burguesia urbana, do campesinato, dos comerciantes e outros sectores da população (e mesmo sectores da média burguesia) que estão interessadas numa política antimonopolista, antilatifundista, e no fim de contas uma política progressiva conduzindo ao socialismo.

No domínio económico cada dia que passe sem medidas urgentes representa o agravamento dos encargos nacionais em 100 000 contos, portanto isto por dia, acentuando a degradação da situação económica geral. O problema maior em que se centram os restantes é a redução do défice global de 50 milhões de contos da economia portuguesa. Torna-se indispensável e urgente a contenção severa de despesas públicas de importância secundária; uma política de austeridade com reduções nos altos consumos; a restrição das importações e aumento de exportações; a segurança dada aos emigrantes para as suas remessas de fundos; a promoção de um novo turismo de massas; o desenvolvimento da batalha da produção; o ataque frontal às dificuldades dos sectores industriais em crise e dos sectores de pequenos e médios agricultores, industriais e comerciantes.

No domínio social é indispensável, dentro de uma política de austeridade e de reivindicações comportáveis para a economia nacional, fazer actualizações acompanhando o aumento do custo de vida e atender preferencialmente os problemas mais urgentes das camadas desfavorecidas.

No processo de descolonização é indispensável a prossecução corajosa da política que prestigiou Portugal aos olhos do mundo, distinguindo os patriotas angolanos, e particularmente o MPLA, das forças de intervenção externa e ajudando o povo angolano a alcançar a independência nacional, libertando-se do colonialismo e do neocolonialismo.

Ao mesmo tempo, é necessário contribuir para assegurar em Angola condições que travem o chamado «retorno» em massa dos portugueses lá residentes e para acolher e ajudar a resolver as dificuldades aos que voltam.

Este é um problema particularmente delicado porque, se tem aspectos políticos que há pouco foram considerados, tem também aspectos de carácter social que devemos considerar com bastante realismo e com bastante maleabilidade. Não devemos deixar apenas às forças reaccionárias (que hoje caçam nos retornados de Angola uma base de apoio político e até apoio para acções contra-revolucionárias) as iniciativas de acolhimento e as iniciativas de compreensão dos problemas respectivos. Se esta massa constitui no fundamental uma massa de recrutamento reaccionário, uma política mais hábil da nossa parte pode em muitos casos neutralizar uma parte dos retornados de Angola ou pelo menos contribuir para não exacerbar o seu espírito anticomunista e a sua vontade de intervenção na política nacional num sentido contra-revolucionário. A esse respeito muitas vezes declarações globais que se possam fazer acerca dos retornados de Angola podem não facilitar o nosso trabalho ao nível regional e ao nível de algumas terras onde os retornados são muito numerosos.

Não sei se os camaradas têm uma ideia de qual é o ritmo de transporte actual. Mas são milhares que desembarcam diariamente em Portugal. Milhares. Dois mil, dois mil e quinhentos, atirando para os três mil diários. É um pouco isto a corrente dos retornados de Angola. É uma massa considerável que vem com espírito de desespero. Homens que foram para Angola com uma mentalidade colonialista ou de enriquecimento. Outros que não. De qualquer forma empregados que tinham a sua vida, as suas casas, o seu automóvel, viviam bem assentes na exploração colonial. Se não há da nossa parte, ao nível pelo menos regional e local e mesmo no plano nacional, a definição de uma política, se não há uma palavra para a compreensão do problema, esta massa desloca-se toda no sentido da contra-revolução. Podemos em alguns casos neutralizar uma parte e até encontrar entre esta gente, gente que não está contra o processo revolucionário em Portugal. Aliás creio que o nosso próprio Partido tem sido aqui e acolá procurado por retornados de Angola.

Ainda, camaradas, em relação a este problema creio que os camaradas acompanharam o namoro descarado que é feito aos retornados pelos socialistas e reaccionários, isto deve ser tido em atenção.

Na política externa é indispensável insistir numa política de amizade e cooperação com todos os países, na continuação das boas relações com os países capitalistas, designadamente com os do Mercado Comum, na continuação das relações de boa vizinhança com Espanha, no respeito dos compromissos internacionais, na expansão das relações com os países socialistas e com os países do Terceiro Mundo.

Em relação à política externa quer-nos parecer que em algumas esferas responsáveis, incluindo no Governo actual e nas esferas de esquerda do movimento militar, tem havido um certo radicalismo verbal em relação à política externa que não facilita a política externa que mais convém neste momento ao nosso país. Afirmações como: «Portugal de hoje está em guerra com o capitalismo internacional», afirmações destas, além de não serem exactas, são susceptíveis de prejudicarem, quando feitas por entidades muitíssimo responsáveis, as nossas relações diplomáticas e as nossas relações com outros países.

A política externa deve estar em mãos de gente hábil, de gente capaz de manobrar, de gente capaz de ter linguagens diferentes conforme o sítio onde fala, gente que compreenda que diplomacia não é bem uma sessão interna de um órgão revolucionário, que diplomacia de um país revolucionário que vive uma conjuntura internacional determinada e uma situação geográfica como nós vivemos, exige muita maleabilidade e em alguns casos muita ronha. Quando da formação deste Governo, em determinada altura fomos ouvidos quanto a uma pessoa que eventualmente podia desempenhar esse cargo e, dado que era uma pessoa muito rígida, uma pessoa com opiniões de esquerda muito nítidas, muito claras, com muito pouca flexibilidade, na medida em que pudemos dar a nossa opinião, demos uma opinião desfavorável, apesar de ser muitíssimo boa pessoa, uma pessoa muito bem orientada. Mas quer-nos parecer que o Ministério dos Negócios Estrangeiros deveria estar nas mãos de pessoa hábil, com maleabilidade, capaz de manobrar, quando trata com um aparelho tão pérfido como é a diplomacia dos países capitalistas.

Propondo sumariamente algumas linhas gerais da política imediata, o PCP marca a sua posição e desfaz equívocos provocados pela propaganda reaccionária e pelos detractores da linha do Partido.

A invencibilidade do poder revolucionário e o prosseguimento do processo obtêm-se, não por uma progressiva radicalização verbal, nem através de uma preocupação de aceleração progressiva, mas através da solução eficiente de problemas imediatos e da justa e segura demarcação das tarefas a médio prazo na perspectiva do socialismo. Uma tal orientação pode exigir consolidação de posições antes de novos avanços e mesmo eventualmente recuos em tais ou tais sectores onde se tornem necessários.

Todas as revoluções têm um processo irregular e acidentado. A maleabilidade, a capacidade para reexaminar e rectificar, a coragem autocrítica, a constante preocupação de aferir as decisões pelos seus resultados, a preocupação de execução real e bem sucedida de cada medida adoptada, são condições essenciais de uma política verdadeiramente revolucionária.

Os camaradas sabem que somos acusados de querermos a aceleração progressiva do processo revolucionário. É uma acusação que constantemente nos é feita. Não só em termos gerais, mas nas soluções práticas dadas aos problemas, devemos desmentir essa acusação, que no fim de contas tornaria o nosso Partido, se fosse exacta, num Partido de soluções primitivas, que não seria orientado pela dialéctica dos princípios do marxismo-leninismo. Nós não defendemos uma aceleração progressiva do processo, defendemos que o processo é muito irregular, é muito incerto. Tem avanços, tem recuos, é todo ziguezagueante, como dizia Lénine (236). As nossas soluções não são soluções rígidas. Em muitos casos, teremos que rectificar, teremos que recuar, teremos que preparar novos avanços, teremos que consolidar. É essa a nossa orientação. Neste momento interessa que seja explicitada, uma vez que a direita militar, as forças conservadoras militares, mesmo Melo Antunes com toda a sua influência, entre as grandes acusações que fazem ao Partido, fazem a acusação de ser o Partido o inspirador dessa corrida para a frente ou dessa fuga para a frente, como alguns dizem. E isso é completamente falso.

Isto é válido no processo de nacionalizações, é válido na Reforma Agrária também. Temos de aferir os resultados pela própria prática, e numa reunião última que tive com os camaradas em Évora já os próprios camaradas dos sindicatos, que algum tempo atrás se pronunciavam por uma aceleração progressiva do processo, já punham algumas dúvidas quanto a essa aceleração progressiva compreendida como uma ocupação progressiva de mais áreas, de mais terras e viam a necessidade de consolidar melhor as posições, de consolidar melhor os resultados já alcançados de Reforma Agrária, antes de se lançarem à ocupação indiscriminada de mais terras. Isto é um exemplo, mas há muitos outros no domínio das nacionalizações e noutros domínios do progresso económico e social.

Por um esforço de unificação

Clarificada a situação militar, os órgãos de poder do MFA e o governo, apoiados pela acção, iniciativa, cooperação criadora da classe operária e das massas trabalhadoras, estão em condições de dar resposta eficiente, pronta e operativa aos grandes problemas imediatos e assegurar o prosseguimento da revolução.

A superação completa da crise exige porém que a atitude revolucionária das forças armadas, a acção governativa e a acção popular se desenvolvam, não na cristalização de posições e numa rígida demarcação dos que estão pela revolução e contra a revolução, mas na perspectiva de alargamento e reforço de cooperação de todas as correntes políticas e de todas as forças interessadas no processo.

Um dos aspectos característicos da degradação da situação que nos conduziu à situação actual foi a progressiva fragmentação e centrifugação das forças que estavam com o processo revolucionário.

No que respeita ao poder político, verificou-se a criação de um número cada vez maior de centros de decisão a todos os níveis da máquina estatal.

No que respeita ao MFA, são hoje públicas dificuldades internas e uma certa polarização de grupos e personalidades.

No que respeita às forças democráticas, a viragem à direita do PS alterou profundamente o quadro unitário.

Mesmo no movimento popular se manifestam iniciativas divisionistas.

Multiplicam-se grupos e sectores com pretensões hegemónicas a partir da sobrestimação das próprias forças. A pretensão à hegemonia conduz à rigidez de posições, à quebra do espírito de cooperação e de aliança, ao efectivo divisionismo.

Para defender a revolução e assegurar o seu curso, a noção da responsabilidade perante o povo português tem de sobrepor-se ao sectarismo partidário ou de grupo. É necessário distinguir entre as forças reaccionárias fascistas e fascizantes, que constituem o inimigo principal e cujo objectivo é a instauração de uma nova ditadura, e as forças hesitantes acerca do processo revolucionário e do caminho para o socialismo.

Insistindo-se firmemente nas grandes opções da Revolução Portuguesa, urge realizar um grande esforço de unificação de todas as forças interessadas no processo.

Pela sua parte, o PCP está pronto a examinar em comum a situação e formas de cooperação com todos os que estão com o processo revolucionário e dispostos a cooperar com os comunistas. Sob estas condições básicas, não fazemos quaisquer discriminações.

Este, camaradas, é um problema neste momento de capital importância e sobre o qual temos que ouvir o nosso Comité Central.

A balança de forças não está nítida. Não está. Pode haver força bastante para ir para uma solução em que o poder político continua nas mãos da força militar de esquerda compreendida como a parte do MFA mais consequente e das forças progressistas compreendendo o nosso Partido. Mas pode admitir-se que a força não baste para manter uma tal situação. Seja com o risco de um golpe militar, com possibilidades reais de triunfo, seja com o risco do triunfo de uma operação política mesmo sem ter necessidade de um golpe militar mas com o apoio das forças armadas.

Isto não está excluído e nas últimas semanas temos muitas vezes estado perto de situações que se nos afiguram aproximar-se duma tal situação em que possa haver um desequilíbrio de forças favorável à direita. Portanto não é de excluir uma tal situação. E quando digo à direita, não digo tanto à direita reaccionária, embora possa ser com o apoio dessa direita reaccionária fascizante, mas à direita do que tem sido até hoje uma parte do MFA, com o apoio político do PS e outros. Não é de excluir que possa haver um desequilíbrio nesse sentido.

Portanto pode surgir uma situação em que haja a possibilidade, seja de um golpe militar desse lado donde resulte uma solução política, seja uma solução política sem golpe militar mas apoiado num fundo militar que possa estar em condições de garantir no terreno de força a solução que apareça ao nível de cúpula.

Admitindo tal eventualidade, pensamos que não nos devemos deixar encostar ao muro. Que devemos conservar margem de iniciativa, inclusivamente de negociações. Que devemos conservar a possibilidade de lançar pontes que parece que já estão quebradas e que não nos devemos deixar arrastar para uma solução de desespero que leve eventualmente a golpes precipitados de resistência já sem forças para a fazer e possa levar a um esmagamento militar e a um esmagamento político do nosso Partido e das forças de esquerda.

Esta é uma questão de fundo, de princípio, mas que pomos ao CC, uma vez que por vezes as decisões não podem esperar reuniões. Tem que ser na hora. É uma questão que se pode colocar. Esperemos que não se coloque. Esperemos que tudo se desenvolva no sentido em que as forças revolucionárias tenham possibilidades de garantir o curso revolucionário como até hoje, na tónica, na direcção fundamental que até hoje tem tido. Mas a experiência das últimas semanas leva-nos à ideia de que a situação pode ser diversa.

Portanto os órgãos dirigentes do nosso Partido, os órgãos executivos do nosso CC devem ter, por decisão do Comité Central, capacidade de iniciativa que lhes dê margem de manobra política para evitar sermos encostados ao muro e cairmos em qualquer aventura que leve a uma repressão violenta contra o nosso Partido, contra as forças militares e portanto a uma derrota profunda do movimento popular e democrático.

Isto significa a hipótese, cuja necessidade pode não se confirmar, mas uma hipótese de lançamento de certas pontes com forças ou elementos que estão colocados hoje num sector que contraria o processo. Isto ao nível civil e ao nível militar.

Desde já sem esclarecer publicamente esta ideia, devíamos falar em termos que nos deixassem esse campo de manobra. O risco a nosso ver, além doutros, é que o Partido seja lançado à confrontação política não apenas com as forças reaccionárias de direita, mas com todas essas forças que aparecem com a pretensão de ser uma terceira força como certos sectores militares e certos sectores do PS. O perigo é que o Partido seja lançado na confrontação política, mas que depois seja abandonado no terreno militar por alguns que no momento podem incitar a essa confrontação política.

E acontece mesmo que certa parte militar, que podemos ter como progressista, se volte contra o Partido ou deixe o Partido isolado.

Devemos ter o campo de manobra necessário para que não sejamos encurralados por todas as forças aliadas numa política anticomunista, e forçados, seja a uma atitude desesperada de confronto, seja a um protesto platónico de carácter político.

Devemos reservar a capacidade de iniciativa política para, no caso de não se conseguir acentuar este curso actual, podermos ir para soluções de compromisso, quer dizer, buscar e até propor eventualmente um encontro de forças que hoje possam estar divididas a fim de se discutir e estabelecer um compromisso para resolver a crise da Revolução Portuguesa. Isto porque há riscos sérios de confrontos armados, de confrontos militares e podem eventualmente não ser na melhor correlação de forças.

Pensamos que ainda há condições no fundamental para manter a direcção essencial do processo. Mas, mesmo na melhor das hipóteses, mesmo mantendo-se o poder político com o melhor que há nos militares e o melhor que há no movimento popular e democrático, mesmo assim não deve fechar-se no que é. Tem obrigatoriamente necessidade de alargar a base de apoio social e político. E mais a base de apoio militar. Uma política, tal como hoje é definida pelo governo actual, não tem base de apoio suficiente e necessita de alargar essa base de apoio. Temos a classe operária, é certo, mas a classe operária de alguns sectores. Temos o campesinato de algumas regiões mas não temos em muitas regiões a capacidade de resposta, a força organizada que nos permita só por nós dar a base de apoio a uma tal política. Precisa de ser alargada.

A nosso ver as forças revolucionárias não devem fechar-se na sua concha mas ao contrário adoptar uma política que leve ao alargamento das suas bases de apoio social, político e militar. Isto está ligado, a nosso ver, à luta de muitas das nossas organizações, de muitos dos nossos quadros.

Não é nesta reunião do CC, certamente, que vamos discutir o sectarismo e as manifestações de sectarismo, mas em muitos casos as nossas organizações fecharam-se dentro de si próprias. Os comunistas em muitos casos convivem com os comunistas. Há muitíssimos exemplos em festas de confraternização. Não é nem num local nem noutro. É em várias regiões.

Os comunistas fazem a sua festa em dia de festa das populações e vão fazer a sua festa à parte. A sua festa no Centro de Trabalho, a sua festa num outro campo. E há sítios onde se vai a uma festa de comunistas, uma grande festa de confraternização, com «comes e bebes», com bailes, danças e cantos, e diz-se às pessoas que se pensa que não são só comunistas e a resposta orgulhosa dos comunistas é que ali só há comunistas. Os comunistas estão satisfeitos por fazerem a sua festa e não terem ali ninguém que não seja comunista. Esse sectarismo manifesta-se em várias regiões. Os exemplos são muitos e não apenas este que é um exemplo de convívio. Em muitos aspectos o nosso sectarismo é tal que em grande parte pode ter contribuído para um certo isolamento social e político. As lições, naturalmente, de tudo quanto se tem passado nas zonas onde há uma grande ofensiva contra-revolucionária não serão agora tiradas, mas teremos certamente que tirar as lições de todo um período de actividade.

Um outro exemplo é dado por uma pessoa que à chegada de Otelo Saraiva de Carvalho, vindo de Cuba, desfraldou uma bandeira do PCP sobre o automóvel. Talvez se trate de um camarada sem nenhuma sensibilidade política, prejudicando muito mais do que nós podemos pensar a nossa actividade em relação às forças militares e à nossa aliança com elas.

Já vistes a interpretação que pode ser dada? O comandante do COPCON chegado de Cuba, etc., a ver-se enquadrado em toda a imprensa mundial, em todas as televisões do Mundo, pela bandeira do Partido Comunista Português com a foice e o martelo!

É evidente que, se dissesse «isto não era um comunista, era um agente da CIA», eu acreditava que um agente da CIA o fizesse. Mas quase certamente, quase certamente, era um militante do Partido Comunista Português, mas um militante com falta de sensibilidade e profundamente sectário. Mais ainda: estando rodeado de militantes do Partido Comunista Português, porque eram militantes que ali estavam, nenhum teve a sensibilidade necessária para tirar essa bandeira. Apesar de que a bandeira estava lá, era vista de longe e esteve lá suficientes minutos para que um camarada que tivesse sensibilidade política compreendesse a situação e dissesse: tira daí essa bandeira, essa bandeira não deve estar aí. Isto é um exemplo, é uma ilustração, mas bem típica do sectarismo, duma jactância sectária de Partido que muitas vezes grita «PCP» onde não deve gritar, que muitas vezes põe as bandeiras onde não deve pôr as bandeiras, e que não tem na verdade a educação política e a educação unitária que leve à aproximação com outras classes, com outros sectores, às soluções de fusão, de unificação de esforços na luta pelos grandes objectivos da Revolução Portuguesa.

Se era perigoso e se tem sido perigoso até hoje o sectarismo, mais perigoso é neste momento em que qualquer pedrinha que se desloca dum prato da balança para o outro prato pode desequilibrar, a nosso favor ou em nosso desfavor, as forças da Revolução Portuguesa.

Espírito de abertura e de atracção

As medidas propostas e as grandes linhas indicadas podem permitir sair da profunda crise surgida no processo revolucionário.

Mas é necessário ter presente que o adiamento na tomada de medidas essenciais poderia ser fatal para a revolução.

A solução de muitos dos problemas colocados terá de ser assegurada ou apontada no essencial no espaço de poucos dias, talvez mesmo menos. A não serem rapidamente diminuídas perigosas tensões, a não se dar uma rápida recuperação da dinâmica revolucionária do MFA e dos seus organismos de direcção, a não se afastarem reaccionários de certos pontos-chave, a não se confirmar uma estreita cooperação entre o governo e o poder militar, persistirá em suspenso a questão central do poder político e a situação pode continuar a degradar-se.

Refiro-me particularmente às vacilações ao nível do Poder e ao nível das altas instâncias militares. Pensamos que cabe ao MFA definir a orientação e dar a solução concreta. Mas se o MFA não resolve o problema das suas estruturas superiores de direcção diferentemente do que estão, ou seja com o Directório, se não resolve a constituição de um organismo operativo com autoridade revolucionária de topo, podemos ir para um impasse a curto prazo. De qualquer forma é indispensável ou um organismo mais amplo do que este, do que o Directório, ou o Conselho da Revolução renovado, beneficiando ainda do seu prestígio como organismo revolucionário e de soberania, ou a Assembleia do MFA.

Se nada disto for feito, continuaremos a ter uma dinâmica interna de força que vai resolvendo os problemas sem se saber bem porquê. E é por isso que há tão grande surpresa às vezes por decisões contraditórias. Não se percebe porque é que isto foi resolvido duma forma e logo a seguir é resolvido ao contrário. É que há uma dinâmica interna de forças em movimento e não um organismo colegial responsável. Porque há uma tão grande polarização e diversificação de centros de decisão que essa dinâmica aparece num constante jogo de força interna.

Uma tal incerteza, uma tal instabilidade interna dentro das próprias forças armadas e no Movimento das Forças Armadas, se não se clarifica a situação no MFA com a criação efectiva duma direcção revolucionária, institucionalizada e oficial, pode conduzir à continuação de uma perigosa degradação. É uma questão de dias e em alguns casos de horas.

Em tal caso, encaminhar-nos-íamos para violentos confrontos armados.

A conspiração abertamente reaccionária e fascizante apoiada em organizações clandestinas e anunciada por intensa propaganda desenvolve-se com arrogância. A degradação da situação política, social e militar faz surgir o perigo real de uma tentativa de tomada de poder pelas forças reaccionárias que continuam a dispor de lugares de chefia e fortes protecções em todo o aparelho do Estado.

As forças revolucionárias, populares e militares, estão em condições de esmagar exemplarmente qualquer tentativa de um golpe da direita reaccionária. Mas para isso precisam de ter um poder revolucionário actuante e de estar unidas, e não mergulhadas em conflitos internos ao nível das unidades e dos órgãos de decisão.

A degradação da situação nas últimas semanas e tendências golpistas manifestadas em certos sectores criam o perigo, não apenas de um confronto violento com a contra-revolução fascista, mas de um confronto entre sectores que, embora com divergências, concepções e perspectivas diferenciadas, têm estado com o processo revolucionário. Um tal confronto poderia ferir irremediavelmente as próprias liberdades e a própria revolução. É necessário evitá-lo. Com medidas seguras de defesa do poder revolucionário. E ao mesmo tempo com uma audaciosa e segura política unificadora.

Referimo-nos particularmente a sectores que, por comodidade, se têm chamado do grupo dos Nove. Existe o perigo não apenas de um confronto violento com a contra-revolução fascista, mas de um confronto com forças que podem ser recuperadas para o processo revolucionário. Nós não pensamos que o grupo dos Nove e toda a gente que tem manifestado apoio ao seu documento seja gente perdida para o processo revolucionário.

A nosso ver, ainda que pensemos que a tentativa de golpe, que pode partir desse lado, vai favorecer a reacção, vai favorecer as forças contra-revolucionárias, o nosso Partido devia apontar para a necessidade de evitar um confronto entre forças que irá enfraquecer no conjunto o movimento revolucionário português. Devíamos na nossa política e na nossa diplomacia (porque há uma diplomacia na nossa política unitária com essas forças) afirmar que um confronto nessa base pode ser a morte da Revolução Portuguesa.

Numa situação tão complexa como é a actual, podendo não ser possível uma reunião do Comité Central sobre a hora, propomos que a Comissão Política do Comité Central tenha o poder de tomar iniciativas para afastar a possibilidade de um tal golpe no caso da ameaça se vir a precisar, no sentido de uma reconsideração de todo o problema da Revolução Portuguesa através de negociações.

Quer dizer, os organismos executivos do Comité Central devem ter margem suficiente, numa situação muito aguda, para poderem propor soluções que sejam soluções de compromisso, com inclusivamente e naturalmente o nosso Partido no processo e a ala mais consequente do MFA. Em relação a este ponto, que é um dos pontos mais importantes do momento actual, necessitamos de ter uma opinião do Comité Central.

A complexidade da situação torna indispensável o reexame das orientações, experiências, êxitos, insucessos das forças revolucionárias.

Ao mesmo tempo que é necessário combater firmemente as actividades contra-revolucionárias, as acções criminosas dos bandos fascistas, a conspiração e o divisionismo e reforçar as estruturas do poder político, designadamente do MFA e do governo, é também necessário um esforço real e imediato em busca de soluções entre as principais forças e sectores interessados no processo revolucionário.

A consolidação do poder político revolucionário exige, não que o poder se retraia na sua própria couraça, mas que mostre confiante um espírito de abertura e de atracção.

O PCP, vanguarda revolucionária

Não é por acaso que os bandos fascistas e todos os inimigos do processo revolucionário tomam o PCP como alvo fundamental dos seus ataques. A razão reside no facto de que o PCP é a vanguarda revolucionária da classe operária, é o partido dos trabalhadores, é, de todas as forças políticas portuguesas, a mais consequente, firme e dedicada na defesa das conquistas da revolução e no seu prosseguimento. Essas características são particularmente válidas no complexo momento de crise que atravessamos.

O PCP tem representado desde o 25 de Abril e continua a representar um papel insubstituível na revolução. E isto não é uma afirmação que nós façamos por excesso de orgulho, mas sentimos na própria vida política de todos os dias o papel que o nosso Partido está desempenhando em todos os aspectos da crise e em todos os aspectos da solução das dificuldades.

Nas condições portuguesas, não é possível defender as liberdades, nem levar a cabo uma política antimonopolista e antilatifundista, nem construir um regime democrático a caminho do socialismo, sem a participação activa, construtiva e criadora do PCP, a todos os níveis da actividade nacional, incluindo a governativa.

Mesmo em forças de direita que têm estado com o processo se respira a preocupação de também não perderem uma ponte com o nosso Partido. Vemos vários índices mostrando que elas procuram, por seu lado, guardar um campo de manobra que possa levar à reconsideração do problema no sentido duma revisão do sistema de alianças. Esta realidade confirma a possibilidade da utilização do campo de manobra que há pouco referi e que, a nosso ver, o nosso Partido deve manter na situação actual. Não devemos sobrestimar as nossas forças. Devemos pensar que sozinhos não faremos a Revolução nem poderemos assegurar a sua vitória. Necessitamos de alianças.

As alianças ao nível das massas em si são fundamentais mas não resolvem todos os problemas. As alianças ao nível político e as alianças com o MFA são essenciais para que possamos garantir a defesa das liberdades e o prosseguimento do processo revolucionário. Uma política unitária a todos os níveis da nossa actuação, a busca ao nível local, regional, de empresa, de sindicatos, a todos os níveis. A busca de soluções unitárias, de acordos unitários, particularmente onde seja possível com militantes do Partido Socialista, particularmente onde seja possível nas forças armadas, com homens influenciados por esta corrente dos Nove do Conselho da Revolução. Essa política unitária, essa orientação unitária é essencial para conseguirmos com sucesso superar a crise presente e fazer prosseguir o processo revolucionário dentro das grandes linhas já definidas, ou seja, da construção de um regime democrático com amplas liberdades e com reformas sociais e económicas profundas que encaminhem o nosso país para o socialismo.

Confiante na sua força, o PCP não a sobrestima entretanto. Sabe ser necessário à revolução, mas sabe que outros também o são. Junta os seus esforços aos esforços de todas as forças que estão com o processo revolucionário, a começar pelo MFA. Está pronto a estreitar mais a cooperação com os partidos e organizações progressistas. Está pronto a examinar com todos os que estejam dispostos a cooperar com os comunistas as possibilidades de acção comum. Está pronto numa situação tão complexa e perigosa como a actual a examinar as soluções possíveis para fazer frente à reacção de direita e encontrar uma plataforma ou plataformas de acção comum de todos os que estão, no essencial, de acordo com o processo revolucionário.

O sectarismo conduz a reservas, desconfianças e recriminações entre forças políticas que poderiam e deviam cooperar estreitamente. O sectarismo é particularmente nefasto na conjuntura política que vivemos. O PCP combate nas próprias fileiras o espírito de grupo, a estreiteza e rigidez política que em muitos casos se manifestam no trato com outros sectores políticos e no trato com as massas.

O PCP prossegue sem desfalecimentos uma política de unidade nas fábricas, nas empresas, nos portos, nos campos, nos sindicatos, nas ligas de pequenos e médios agricultores, em todos os locais de trabalho, de estudo, de recreio, nas comissões de moradores, comissões de empresa, comissões de controlo, assembleias populares e outras formas de organização unitária de base. Em toda a parte, os militantes comunistas têm indicação expressa de procurar contactar e estabelecer formas de cooperação com membros de partidos revolucionários, com membros do PS e de outras formações.

A força motora da Revolução Portuguesa é a aliança Povo-MFA. A defesa e prosseguimento da revolução exige, a par da consolidação e da acção revolucionária do MFA, a organização, a acção independente e a iniciativa das massas populares.

Ante as ameaças que pesam sobre as liberdades, ante as ameaças que pesam sobre a revolução, o PCP apela para o entendimento, a cooperação e a unidade de acção de todas as forças progressistas, apela para o reforço da unidade dos trabalhadores e das massas populares e para o fortalecimento da aliança Povo-MFA, condição indispensável para fazer frente ao terrorismo fascista desencadeado, para superar a complexa crise actual, para resolver os ingentes problemas imediatos e assegurar a vitória final da Revolução Portuguesa.

  • 25 de Novembro de 1975
  • Central
  • Álvaro Cunhal