Áudio
Permitam-me começar por saudar e valorizar a presença e os contributos de todos para esta iniciativa do Grupo Unitário da Esquerda / Esquerda Verde Nórdica e do PCP e agradecer, em particular, aos camaradas que acederam ao convite para se deslocarem a Portugal e participarem nesta reflexão.
Entendemos a vossa presença não apenas como uma expressão da cooperação que os nossos Partidos mantêm no seio do Grupo Parlamentar do Parlamento Europeu - e para a qual o PCP tem dado e irá continuar a dar o seu contributo - mas também como uma demonstração de solidariedade para com a luta do nosso povo e para com o nosso Partido. Solidariedade que - num momento de especial exigência e complexidade para a luta dos trabalhadores e povos e para o movimento operário, os comunistas e outras forças progressistas da Europa - queremos retribuir.
Camaradas,
Já hoje aqui muito foi dito sobre a natureza, os reais objectivos e os conteúdos da Estratégia 2020. Trata-se de um documento estratégico para o grande capital europeu, que escamoteando as nefastas consequências da sua predecessora – a Estratégia de Lisboa – reafirma e aprofunda o rumo neoliberal das políticas da União Europeia nos mais diversos campos e insiste na estratégia chamada “de saída da crise” por via do aumento da exploração e dos apoios ao grande capital. Uma Estratégia que aprofundará - se posta em prática - todas as raízes e causas da profunda crise que estamos a viver.
Vários camaradas referiram-se aqui ao falhanço da Estratégia de Lisboa e têm razões para o fazer. Aqui mesmo, em Lisboa, aquando do Conselho Europeu de Março de 2000, alertámos que a Estratégia de Lisboa não criaria mais emprego com direitos, não erradicaria a pobreza e a exclusão social e dificilmente asseguraria um forte crescimento que fizesse da Europa – e passo a citar –“a economia do conhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo, caracterizada por um crescimento económico durável, pleno emprego e uma maior coesão económica e social”.
Hoje, sempre que recordamos esta sonante frase de propaganda, uns esboçam sorrisos e outros disfarçam a sua responsabilidade assobiando para o lado. É natural. É hoje a própria Comissão Europeia que afirma que a produção industrial está ao nível dos anos 90; que o desemprego afecta 10% da população activa ou seja 23 milhões de pessoas; que 21% dos jovens não têm direito ao trabalho; que existem 85 milhões de pobres na União Europeia e que o PIB do conjunto dos Estados membros da União Europeia caiu 4% só no último ano.
Há de facto razões de sobra para afirmar que a Estratégia de Lisboa falhou. Falhou nos seus proclamados objectivos, embora saibamos que não falhou na concretização dos seus objectivos de classe, como afirmou o camarada do Die Linke. É que a Estratégia de Lisboa tinha, de facto, outros objectivos. Objectivos de classe, de uma classe e que denunciámos na altura: aumentar a exploração dos trabalhadores adoptando as exigências do patronato europeu; reduzir aquilo a que chamam “custos do trabalho” legalizando e generalizando a desregulamentação, a precariedade e a mobilidade laboral; garantir chorudos lucros aos grandes grupos económicos (nomeadamente na área das novas tecnologias e dos serviços) e ao capital financeiro; entregar ao capital privado sectores estratégicos da economia e avançar na sua desregulamentação; atacar seriamente os serviços públicos que interessam ao capital em áreas como a saúde, segurança social, educação, cultura e justiça e avançar na liberalização do comércio em nome da sacrossanta competitividade e livre concorrência.
É então fácil de concluir que, desse ponto de vista - de classe, insisto - a Estratégia de Lisboa foi um sucesso. Bastaria, para tal, passar em revista o que foi a evolução dos lucros dos grandes grupos económicos em sectores como o financeiro, o energético, dos transportes, das novas tecnologias e comunicação e dos serviços. Bastaria ver como as directivas Bolkenstein e do tempo de trabalho (apenas para referir dois exemplos) foram ao encontro dos interesses do patronato europeu, ou ainda ver como evoluiu a redistribuição da riqueza com clara e constante vantagem para o capital em detrimento dos rendimentos do trabalho.
E é igualmente fácil concluir que, se não for derrotada pela luta, a Estratégia 2020 significará ainda mais sucessos para o capital à custa da destruição do que resta das funções sociais dos Estados, à custa da destruição dos aparelhos produtivos da economias mais fragilizadas pela dependência económica, à custa de mais desemprego, mais baixos salários, menos direitos sociais e laborais, mais pobreza e outras chagas sociais que alastram por esta Europa fora como a fome.
Estamos portanto no terreno da antiga e tão actual luta de classes na Europa. E estando nesse campo não podemos, obviamente, isolar este ou aquele aspecto das políticas e orientações que presidem ao processo de integração capitalista europeia. Se se justifica a pergunta “para que serve e a quem serve” a Estratégia 2020, a mesma pergunta se impõe também relativamente ao Pacto de Estabilidade, à União Económica e Monetária, ao Euro, ao BCE, à chamada política externa da União Europeia e aos Tratados – como o de Maasctricht ou de Lisboa. Em suma, a pergunta impõe-se relativamente a esta União Europeia neoliberal, federalista e militarista. E a resposta encontramo-la também nesta Estratégia 2020: serve cada vez mais interesses alheios aos trabalhadores e povos da Europa
A situação que estamos a viver demonstra muito bem aquilo que acabámos de afirmar. Um a um, os dogmas da União Europeia e os instrumentos destinados a impor a acelerada integração capitalista na Europa são postos em causa pela realidade dos factos. Os mais recentes acontecimentos revelam bem o grau de falsidade dos discursos da solidariedade, da coesão e da “Europa social” e põem em evidência para que servem de facto os instrumentos contidos nos tratados, nas políticas comuns e nas Estratégias.
Que o digam os trabalhadores vítimas do autêntico terrorismo social resultante da fuga para a frente do grande capital, da União Europeia e da esmagadora maioria dos Governos, face à crise do capitalismo que se aprofunda.
Que o digam os povos de vários países europeus confrontados com a especulação dirigida a partir dos centros de decisão do grande capital. O mesmo capital financeiro que recebeu dos governos milhões de milhões de euros. Os mesmos governos e Partidos que agora perante a especulação não escondem a sua natureza de classe e estendem o tapete ao saque, transferindo para os trabalhadores a factura do roubo.
Que o digam os trabalhadores e o povo da Grécia. Infelizmente as cinzas vulcânicas impediram que o representante do Partido Comunista da Grécia aterrasse ontem à noite em Lisboa. Mas não deixaremos de saudar muito fraternalmente os comunistas gregos e expressar a nossa firme solidariedade para com a luta que, lado a lado com as massas trabalhadoras e populares e com movimento sindical de classe estão corajosamente a travar.
Um povo inteiro vítima da chantagem do FMI, da Comissão, do Conselho, do BCE, das grandes potências como a Alemanha e do seu próprio governo, mas que não se verga. Um povo que percebeu o real significado de umas mal chamadas “ajudas”, pagas com mão de ferro e que irão direitinhas para os cofres do grande capital. É caso para dizer: ajudas destas, os trabalhadores e o povo grego rejeitam! E foi por solidariedade com o povo da Grécia que o PCP, juntamente com o Partido Ecologista os Verdes, foram as únicas duas forças políticas a votar contra a proposta de Lei que irá desencadear a mal chamada “ajuda à Grécia”.
A realidade, e estes “empréstimos” comprovam-no, é que os povos desta Europa estão a ser vítimas de uma política de concentração e centralização do poder económico e político, origem da dependência e fragilidade económica dos seus países. A verdade é que estão a ser vítimas da política de competição entre as grandes potências europeias e os EUA, nomeadamente em torno da questão monetária, uma expressão muito concreta do aprofundamento das contradições e rivalidades inter-imperialistas quer entre União Europeia e EUA, quer dentro da própria União Europeia.
Estão a ser vítimas da clássica saída do capitalismo para a sua crise, ou seja: aumento da taxa de exploração; mais desigualdades, mais e profundos ataques à soberania dos países; crescentes ameaças e provocações à democracia e às forças que resistem à voragem da exploração capitalista. A realidade é que, neste quadro, a União Europeia com as suas políticas, instrumentos e instituições está mais uma vez a funcionar como um instrumento de opressão das classes dominantes.
Vários tentam atirar-nos areia para os olhos com os discursos da necessidade de sacrifícios para dar combate à crise e para salvar o Euro, a União Económica e Monetária, salvar a União Europeia!
A esses respondemos em primeiro lugar que no que toca a sacrifícios, os trabalhadores e os povos conhecem-nos melhor que ninguém. São-nos pedidos para evitar a crise, são-nos pedidos para pagar a crise e já nos estão a ser pedidos para “recuperar da crise”.
Em segundo lugar respondemos que sabemos que esses tais sacrifícios não são inevitáveis, pelo contrário, são uma premeditada e consciente opção de classe, estratégica do ponto de vista dos interesses do capital, para assegurar os lucros no presente e garantir no futuro - com a chamada estratégia de saída para a crise - uma ainda mais grave correlação entre capital e trabalho.
Em terceiro lugar retorquimos com uma pergunta: Sacrifícios para salvar o quê e quem? Para salvar os grandes grupos económicos que continuam a registar lucros obscenos? Para salvar o capital financeiro que está a lucrar rios de dinheiro com esta crise? Para salvar as políticas de retirada de direitos, de diminuição das condições de vida dos trabalhadores e dos povos e de destruição dos aparelhos produtivos de países como Portugal? Para isso não contem connosco! Era a mesma coisa que pedir ao condenado para salvar o carrasco.
E, em quarto lugar respondemos que - por sabermos bem onde está a origem desta profunda crise que afecta todo o mundo - temos ideias bem claras e propostas muito concretas para a combater.
Respondemos que combater a crise na União Europeia passa pela ruptura com o seu rumo neoliberal e federalista, pela ruptura com as orientações da sua política económica e monetária e pelo fim do mal chamado “Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Combater a crise passa pela total inversão das políticas anti-sociais da União Europeia bem patentes nesta proposta de Estratégia 2020. Combater a crise passa por respeitar a democracia, aprofundar os direitos laborais e sociais e incentivar a acção e luta dos movimentos dos trabalhadores, nomeadamente do movimento sindical de classe e não combatê-lo. Combater a crise passa por defender uma real convergência e cooperação. Uma cooperação fundada no progresso social, no apoio à produção nacional, no investimento público, no reforço dos serviços públicos, no emprego com direitos. Uma cooperação que acabe com a chamada “livre” circulação de capitais, decida do fim dos paraísos fiscais e dos produtos financeiros derivados e assuma, de uma vez por todas, uma real linha de combate à especulação financeira e bolsista.
Se este for o caminho, então aí sim estaremos no caminho do combate à crise.
Crise que se manifesta em Portugal de forma dramática, ampliando todos os principais problemas com que o nosso país já se vinha confrontado. Crise que encontrou um país altamente debilitado em resultado de anos e anos de políticas de direita. Crise que irrompeu quando Portugal caminhava, desde 2002, em acelerada divergência económica e social em relação à média europeia, enfrentando a mais prolongada estagnação económica das últimas décadas e assistia a um dramático agravamento das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações laboriosas.
Em nome da Estratégia de Lisboa e da competitividade da economia promoveu-se a mais brutal ofensiva contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores. Com a adesão à moeda única, a economia portuguesa foi não só confrontada com um novo factor de redução da sua capacidade competitiva, pela vinculação ao Pacto de Estabilidade e Crescimento e aos seus critérios de convergência nominal, como se congelaram as políticas de crescimento económico e o desenvolvimento.
Em nome do equilíbrio das contas públicas deram-se passos, como antes não se não tinham dado, no ataque ao direito dos portugueses à saúde, à segurança social, à educação e à cultura e lançou-se uma brutal ofensiva global contra aspectos essenciais do nosso regime democrático.
Estes últimos dois anos de aguda crise do capitalismo global e a acção destruidora que a acompanha traduziram-se, assim, num acrescentar de crise à crise interna que se vinha desenvolvendo e que conduziu a uma explosiva destruição do aparelho produtivo do país, à degradação das condições de trabalho de largas massas, particularmente com o agravamento brutal do desemprego.
São hoje bem visíveis no nosso país as consequências das políticas que promoveram a desregulamentação financeira e a economia de casino, as privatizações e a liberalização dos mercados, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos.
Portugal é hoje um país não só mais injusto e desigual no plano social e no desenvolvimento do território, mas também um país mais dependente, mais endividado, mais deficitário e mais vulnerável.
Este é o resultado de uma prolongada acção política orientada para promover uma escandalosa centralização e concentração da riqueza a favor do grande capital monopolista. Política que se preparam para continuar depois da farsa montada à volta das condenações e da demarcação em relação ao neoliberalismo e ao mercado “em roda livre” no auge dos escândalos do sistema financeiro, dos discursos da “regulação”, do combate aos off-shores e às actividades financeiras especulativas, quando se tornou necessário justificar o abrir dos cordões à bolsa das finanças públicas para salvar os especuladores e o capital financeiro.
Quem se lembra da famosa reunião do G-20 a exigir supervisão, regulação e fim dos off-shores? Não passou duma manobra de diversão e propaganda! Já passou tempo suficiente para se ver que nada de novo ou diferente nasceu ou ocorreu sob o domínio do mesmo poder político que conduziu à crise e deu cobertura, aqui e no resto da Europa, aos interesses dos grandes monopólios financeiros. E não foi preciso esperar muito tempo para ver aqueles que absorveram incomensuráveis recursos públicos a “soltar os cães” da especulação financeira e da chantagem e a atirarem-se como predadores implacáveis aos recursos dos povos.
Portugal vive, neste momento, sobre uma intensa e perigosa operação de carácter especulativo e é objecto de verdadeiro roubo, tal como outros países, mas a única saída que os poderes políticos dominantes apresentam é o da exigência de mais sacrifícios aos povos.
Poderes que não se limitam a aceitar a chantagem. Usam-na de forma concertada e coordenada para dobrar a parada na exigência de sacrifícios. Isso está bem patente no Programa de Estabilidade e Crescimento elaborado pelo Governo português e que foi presente a Bruxelas, viabilizado com a aprovação de uma resolução negociada entre os dois partidos que têm liderado os governos do país nos últimos anos. Trata-se de um novo ataque que se prepara aos rendimentos do trabalho, pelo corte dos salários e o aumentos dos impostos, mas também a todas as principais prestações sociais, aos serviços e empresas públicas e participadas, com novas privatizações e um inaceitável congelamento do crescimento económico e do emprego, acentuando e agravando ainda mais o atraso relativo do país.
Um Programa que é simultaneamente a rendição sem condições aos ditames dos mercados financeiros e uma repetição de agravadas receitas, medidas e orientações que tantos sacrifícios, desigualdades, injustiças, têm imposto à maioria do povo português.
No momento em que se impunha dar prioridade às políticas de promoção do crescimento económico e do emprego o que se vê é a completa claudicação e de um Governo que se diz socialista face às exigências do grande capital nacional e internacional.
Ei-los, Governo/PS e PSD, em privado, a acertarem os passos para dar novos golpes no investimento público, no imposto mais cego - o IVA - e nos salários!
Ei-los, a fazer regressar a ditadura do défice das contas públicas e sua redução a mata-cavalos, pondo de lado o crescimento económico e o emprego, secundarizando a resposta aquilo que é a questão central - o défice externo global (público e privado), a necessidade de crescer, de criar riqueza, de desenvolver o aparelho produtivo e a produção nacional!
Não é preciso ser sábio ou perceber de economia para saber qual vai ser o resultado! Quem vai pagar a factura, quem nada paga e a quem nada se exige!
Vão perder os trabalhadores, os reformados, os pequenos empresários. Vai perder o país. Vão ganhar os que muito ganham e ganharam ligados ao sistema que provocou a crise.
Uma claudicação muitas vezes justificada com o lamento “isto é assim, não há nada a fazer”. Perante a história, eis que se repete o vergar de cerviz das classes dominantes e governantes sem qualquer rasgo patriótico!
Nós respondemos que sim, que há muito, que há tanto para fazer! Não nos deixamos derrotar sejam quais forem as circunstâncias em que desenvolvemos a nossa luta. Afirmamo-lo porque temos profunda confiança nos trabalhadores, no nosso povo e na sua luta.
Também na nossa história secular muitas vezes o povo foi enganado e por vezes também se enganou. Mas foi sempre o povo que reagiu, lutou e encetou um caminho novo.
Confiança sempre presente nas várias gerações de lutadores. Nos que derrotaram o nazi-fascismo há 65 anos; nos que há 120 anos, desafiando a criminosa repressão inauguraram essa jornada histórica mundial do 1º de Maio; nos que no nosso país resistiram meio século ao fascismo e fizeram do 25 de Abril a mais bela data da nossa História e, finalmente, confiança presente naqueles que nos últimos anos vemos encher as ruas e avenidas das nossas cidades e vilas. Gente, povo, trabalhadores, dispostos a dizer sim. Gente, povo, trabalhadores que vão estar nas ruas de Lisboa no dia 29 de Maio. Sim a um futuro de progresso, de igualdade, de justiça, paz e cooperação.
Esses podem contar com este Partido Comunista e com todas as suas forças. Assim como podem contar com este Partido os povos aqui representados neste nosso debate e especialmente os Partidos comunistas e progressistas aqui presentes. Transmitam aos vossos militantes e activistas uma mensagem de confiança dos comunistas portugueses e a solidariedade do Partido Comunista Português.