Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Jornadas Parlamentares do PCP no distrito de Portalegre

«É necessário eliminar as normas gravosas do Código do Trabalho para repor direitos e rendimentos»

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Senhoras e senhores jornalistas,

Camaradas,

Realizamos estas Jornadas Parlamentares no distrito de Portalegre, tratando os problemas do investimento público e o desenvolvimento do país.

Nesta batalha que travamos pelo desenvolvimento, a valorização do trabalho e dos trabalhadores assume-se como uma importante prioridade, no quadro de uma situação social que continua marcada por profundas injustiças, desde logo na distribuição do rendimento nacional entre capital e trabalho para o que concorrem, entre outras importantes razões, a política laboral, nomeadamente a manutenção das normas gravosas inscritas no Código de Trabalho.

As alterações às leis laborais promovidas por sucessivos governos nos últimos anos, incluindo pelo anterior Governo PSD/CDS que as tornou a agravar, representaram uma desvalorização acentuada do trabalho e de ataque a direitos fundamentais dos trabalhadores que colocam o imperativo de uma força de esquerda como o PCP assumir com toda a sua determinação a sua inversão.

Alterações que se traduziram na imposição de trabalho forçado e não remunerado, da flexibilização na organização do tempo de trabalho e que tem conduzido à desregulação dos horários de trabalho, no bloqueio generalizado da contratação colectiva, visando a caducidade das convenções colectivas e na eliminação do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, mas também a facilitação dos despedimentos, a par de uma redução acentuada do valor das indemnizações.

Não é suficiente reverter as alterações à legislação laboral introduzidas pelo Governo PSD/CDS, é necessário apontar para a eliminação das normas gravosas do Código do Trabalho. É com esse objectivo e para repor direitos e rendimentos injustamente usurpados que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um conjunto de iniciativas e propostas muito concretas.

Propostas que, além da que levámos à discussão na passada semana para reposição dos montantes e regras de cálculo do pagamento do trabalho extraordinário, trabalho suplementar e em dia feriado, passam pela reposição dos montantes e regras de cálculo nas compensações por cessação e despedimento, tais como a garantia do critério de um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, sem limite máximo de anos.

Pela garantia do período anual de férias para a duração mínima de 25 dias úteis para todos os trabalhadores.

Pela revogação dos mecanismos de adaptabilidade individual e do banco de horas individual e outras formas de desregulação de horários.

Pela reposição do princípio do tratamento mais favorável e a proibição da caducidade dos contratos coletivos de trabalho por via da sua renovação sucessiva até à sua substituição por outro livremente negociado entre as partes.

Propostas de revogação das normas da Lei de Trabalho em Funções Públicas.

Iniciativas que se impunham pela justeza do seu objectivo de simples reposição de um direito, mas que assumem uma ainda maior razão de ser quando se verifica que a evolução do trabalho e do emprego no nosso País, apesar da retoma que se registou no plano económico, revela uma estagnação média dos salários reais e o crescimento da precariedade laboral, como o evidenciam todos os estudos realizados neste período da nova fase da vida política nacional, incluindo os estudos oficiais.

Eles mostram salários reais quase estagnados, em 2015 (0,3%); 2016(0,4%) e até Setembro de 2017 (0,6%). E não fosse o efeito do crescimento do salário mínimo nacional, também ele valorizado aquém do que se impunha e defendíamos e a média dos salários teria caído abaixo do valor real.

Em relação à precariedade que tem aumentado ao longo das duas últimas décadas, bem acima da média europeia, passando no limiar do século de 10% para 22,6% no terceiro trimestre de 2017, acabou por continuar a crescer também nestes últimos dois anos.

Nos trabalhadores mais jovens a incidência dos contratos não permanentes é de dois terços do seu emprego. Fala-se da evolução demográfica negativa do País, mas não é possível fixar jovens, e mais difícil ainda se qualificados, perpetuando políticas de baixos salários e sem direitos.

Também a contratação colectiva, como os dados dos diversos estudos mostram, permanece longe do dinamismo que se impunha, sendo como é, um importante instrumento de valorização salarial, defesa de direitos e de combate às desigualdades.

Uma realidade que confronta o governo do PS com a assumpção de uma opção de desenvolvimento do País que não pode ser a estreita visão de quem o pensa como mero crescimento económico a que tudo se deve sujeitar. Não basta fazer crescer a economia! É preciso colocá-la também ao serviço de todos e não apenas de alguns, daqueles que estão sempre prontos a tomar para si a parte de leão da riqueza criada.

Sabemos da resistência e insistente acção do grande capital para consolidar os recuos impostos por governos determinados em servir os seus interesses. Sabemos das dificuldades que se apresentam para que a legislação de trabalho retome a sua natureza de proteção da parte mais débil – a única que é compatível com uma perspetiva progressista de desenvolvimento e com o projecto que a própria Constituição da República comporta.

A opção do PS, na passada sexta-feira, de juntar o seu voto ao PSD e CDS no chumbo do projecto de Lei do PCP que visava a reposição do pagamento do trabalho extraordinário e o trabalho em dia feriado, mostra que há muito a fazer para remover a velha política que indistintamente governos de uns e de outros levaram à prática no país com consequências desastrosas.

O que a votação convergente da semana passada nos diz é que as tarefas da construção do desenvolvimento, onde o trabalho com direitos não é uma dimensão menor, exige mudanças a sério e não apenas proclamações sobre a importância da qualidade do emprego para que no fim não sobrem apenas promessas! E o tempo urge!

Um tempo que nos exige não abdicarmos de continuar o combate necessário pela política alternativa patriótica e de esquerda, mas que apela também ao contributo da luta dos trabalhadores! Essa luta continua a ser necessária e indispensável para defender direitos e alcançar uma política alternativa em ruptura com a política de direita.

Senhoras e senhores jornalistas,

Camaradas,

Os problemas do «Investimento Público e o Desenvolvimento do País», referenciados nas Jornadas Parlamentares e permanente preocupação da nossa reflexão e iniciativa, assumem uma importância e actualidade redobradas, quando, a cada dia que passa, os portugueses se confrontam com as consequências negativas agravadas em todas as dimensões da sua vida, em resultado da redução drástica do investimento público, mas também privado, nas duas últimas décadas e com particular gravidade nestes anos da segunda década do século.

O investimento público em queda abrupta desde 2010, atingiu o seu nível mais baixo em 2016 e a pequena recuperação iniciada em 2017 que compara com os baixíssimos e muito insuficientes níveis de investimento atingidos nos anos anteriores, pouco altera a gravidade da situação que está criada.

Os reflexos desta evolução negativa do investimento que pôs em causa até a renovação/modernização de infraestruturas vêem-se com mais nitidez no tempo longo e é isso que está cada vez mais presente na realidade da vida nacional e que a não ser invertida se manifestará de forma mais dolorosa no futuro.

O visível agravamento da resposta nos serviços públicos de saúde, nas dificuldades acrescidas no sector da educação, nos equipamentos, infraestruras de desenvolvimento, na economia ou na dimensão que atingiram os trágicos acontecimentos dos fogos florestais se são o resultado das opções e orientações gerais de uma determinada política que tem sido executada no País, enfeudada a critérios que não os do seu desenvolvimento, não podem ser igualmente desligados das desastrosas opções feitas em matéria de investimento público.

Opções de uma política que tem sacrificado o investimento em nome do défice e que o actual governo do PS mantém, amarrado que está aos mesmos compromissos com a União Europeia e de submissão ao Euro, ampliados agora também pela errada opção de canalizar todos os crescentes excedentes primários orçamentais, para uma inexpressiva redução do peso da dívida no PIB, sacrificando o investimento e níveis mais elevados de crescimento que obteria os mesmos resultados e com a vantagem de favorecer o desenvolvimento geral do País.

Opções que se querem justificar com os resultados da evolução económica actual, nomeadamente com o crescimento verificado, que reflecte o impacto da reposição de rendimentos como aspecto central e de uma conjuntura externa favorável que não é controlável, dando como adquirido a sustentabilidade futura do actual quadro de evolução económica, negligenciando uma prolongada trajectória de estagnação desde a entrada do Euro e iludindo a persistência de graves défices estruturais no País que se mantêm em sectores fundamentais para garantir o nosso futuro colectivo.

Graves défice, como são o produtivo, o energético ou o científico e preocupantes problemas de desenvolvimento com particular destaque para a sua dimensão social e que o cenário da conjuntura não pode encobrir.

Défice e preocupantes problemas que exigindo uma outra política para sua superação, não prescindem de um avultado esforço de investimento público para assegurar as múltiplas dimensões do desenvolvimento de um País hoje marcado por enormes atrasos e por profundas desigualdades e desequilíbrios no plano económico, social e do território.

Aumento efectivo do investimento desde logo para assegurar o reforço e dinamização do aparelho produtivo nacional que continua a não ser assumido como prioridade estratégica, com a adopção de uma política de Estado que substitua importações por produção nacional, promova a reindustrialização do país, reestruture a floresta, aproveite e potencie todos os recursos nacionais, nomeadamente mineiros e energéticos, aproveite as potencialidades existentes na agricultura e nas pescas com uma consequente política de combate ao elevado défice alimentar nacional.

Mais investimento para desenvolvimento de actividades de Ciência e Tecnologia, apoiando a investigação nas Universidades e Laboratórios do Estado em estreita ligação e apoio às pequenas e médias empresas existentes e na afirmação de novos sectores de actividade, portadores de processos de inovação de produtos e organização de forma a melhorar a nossa capacidade competitiva.

Reforço do investimento para activar um consistente programa de empreendimentos públicos, nomeadamente de infra-estruturas e equipamentos de transporte, onde estão presentes enormes carências, nomeadamente visando a modernização da ferrovia e do material circulante, mas também na área da energia e obras públicas diversas contribuindo para dinamizar o investimento privado, o desenvolvimento regional e a economia em geral. Investimento em transportes que não pode deixar de dar resposta aos graves problemas que persistem no transporte de passageiros nas áreas metropolitanas, onde a opção do Governo de não romper com o histórico de desinvestimento está a conduzir a uma situação insustentável para quem todos os dias utiliza os transportes públicos para se deslocar, mas que também não pode continuar a ignorar a situação que se vive no interior do país, como é o caso deste distrito de Portalegre, onde muitas vezes o transporte público nem sequer existe para assegurar a mobilidade dos cidadãos.

Mas igualmente investimento para reforço das funções sociais e de resposta aos múltiplos problemas que enfrentam os serviços públicos, onde pesam limitadas e insuficientes opções orçamentais, que se traduzem em falta de trabalhadores, de equipamentos, de investimento na sua manutenção e reforço.

Isso está patente na aérea da saúde. Nas últimas semanas tiveram grande expressão pública algumas situações que evidenciaram dificuldades de resposta por parte do Serviço Nacional de Saúde, em resultado de um conjunto de problemas estruturais que se têm vindo a agudizar e com o sub--financiamento que asfixia as unidades de saúde.

Desorganização dos serviços, uma gestão que nem sempre é reconhecida pelos profissionais, reformas falhadas ou que nem sequer são avaliadas, cerca de um milhão de pessoas que continuam sem médico de família, transferência de responsabilidades da prestação de cuidados para os grandes grupos privados acompanhadas da transferência de milhares de milhões de euros, são algumas das consequências de políticas que visam o desmantelamento do SNS a prazo.

Daqui manifestamos o nosso profundo desacordo com uma política de recursos humanos que trata mal os profissionais de saúde, não respeita os seus direitos, desmotiva-os, tendo como consequência mais visível a fuga para o sector privado e para a emigração. Sem profissionais motivados e valorizados, não é possível manter um Serviço Nacional de Saúde, cuja lógica de funcionamento é a de garantir a saúde aos portugueses e não a doença como um negócio como acontece com os grupos privados.

Na área do ensino, os problemas resultantes do desinvestimento manifestam-se na Escola Pública, não apenas no funcionamento das escolas como acontece devido ao não recrutamento de muitas centenas de assistentes operacionais em falta e de outros técnicos de educação, acabando com a precariedade dos vínculos, mas também na definição de uma política educativa que favoreça a qualidade do processo ensino aprendizagem e a afirmação de uma escola para todos.

O que se está a passar relativamente ao ensino especial, é paradigmático de uma política que, por razões economicistas, sacrifica os interesses de milhares de jovens podendo desta forma hipotecar a vida social e profissional destes, no futuro.

É com preocupação que vamos tendo notícia de que o governo vai arrastando as negociações com os sindicatos da Administração Pública, é isso que se passa com o sindicato dos professores, com o objectivo claro de não lhes contar uma parte muito significativa do tempo de serviço, impedindo desta forma que uma parte deles atinja o topo da carreira e não sejam reposicionados na posição devida de acordo com o seu estatuto remuneratório, mantendo assim uma grande instabilidade no corpo docente.

Também no centro de uma política de desenvolvimento está a existência e salvaguarda do sistema de segurança social público e universal. Um sistema que tem sido alvo sistemático da cobiça dos grupos económicos e financeiros que nunca desistiram de substituir o actual modelo de repartição em que assenta o regime previdencial por um modelo de capitalização.

Um sistema de Segurança Social que tem sido debilitado em resultado dos impactos das políticas económicas, fomentadoras de desemprego e precariedade, por uma gestão financeira do Sistema de Segurança Social contrária aos seus objectivos.

Uma situação que serviu de pretexto para levar a cabo uma significativa redução de direitos dos trabalhadores e do povo português, com a adulteração e subversão dos seus regimes – previdencial, de protecção social e cidadania e da Acção Social. Reduções que se pretendem consolidar e até profundar, nomeadamente fragilizando o direito à reforma e o seu valor.

Temos afirmado que o caminho a seguir que serve os portugueses é o que visa repor direitos confiscados, assegurar mais e melhor protecção social e garantir um sistema financeiro sólido, concretizando o objectivo de alargar e reforçar o actual sistema de financiamento.

Reforço que passa por diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, nomeadamente com um sistema de financiamento baseado na riqueza líquida criada pelas empresas (o Valor Acrescentado Líquido) complementando o actual sistema de cálculo das contribuições das empresas com base nas remunerações, permitindo ampliar e estabilizar a base contributiva das empresas para a Segurança Social.

Esta é uma iniciativa que não podemos deixar de considerar no quadro da nossa intervenção, a juntar a outras exigências a que o governo do PS tem de dar resposta.

Exigências, por exemplo, de urgente concretização dos compromissos assumidos para a valorização das longas carreiras contributivas, concluindo o processo que se iniciou em Outubro passado com uma solução de abrangência muito restrita.

A possibilidade de reforma antecipada para trabalhadores com 48 anos de carreira contributiva ou 46 anos em certas situações, é uma resposta que ficou muito aquém das expectativas criadas aos trabalhadores e muito longe da proposta do PCP que visa garantir o direito à reforma sem penalizações para que todos os trabalhadores com 40 e mais anos de descontos.

A prometida segunda fase, com início no princípio deste ano, e o compromisso da “eliminação do factor de sustentabilidade, para quem pediu a reforma com 63 anos ou mais e aos 60 tinha pelo menos 40 anos de descontos” precisa de ser concretizada com urgência, bem como calendarizada a execução do alargamento aos “Trabalhadores entre os 60 e os 62 anos que aos 60 tinham pelo menos 40 anos de descontos”, de modo a concluir o processo este ano. Na concretização desse objectivo não deixaremos de colocar todo o nosso empenhamento e exigência. O PCP insiste em que quem trabalhou toda a vida tem direito a uma reforma por inteiro e sem penalizações.

Eis pois o sentido e objectivo do PCP, duma vida melhor, encetando o caminho do progresso, da justiça social e do desenvolvimento do país. Sentido e objectivo que convoca os trabalhadores e o povo e a sua própria luta.

Bom trabalho!

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