Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República

Nas margens de lucro da banca o PS, PSD, Chega e IL não acham que se tem de conter a espiral inflacionista

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Os lucros da banca são hoje praticamente o dobro do que eram no ano anterior, e em 2022 chegaram a mais de 2.500 milhões de euros.

Não há nenhuma circunstância que justifique, em nenhum sector da economia, aumentos de 70% a 90% dos lucros – algo que não aconteceu em mais nenhum sector, e muito menos nas micro pequenas e médias empresas, e muito menos ainda nos salários e nas pensões.

Mas como é que a banca fez este milagre da multiplicação dos lucros?

Não tem nada de metafísico.

O que a banca fez foi simples: com o aumento de juros decretado pelo BCE, fez refletir esse aumento de forma imediata nas prestações do crédito à habitação; ao mesmo tempo, manteve níveis baixíssimos de remuneração da poupança. 

As prestações subiram, mas os depósitos continuam com taxas de juro próximas de zero. Os bancos ganham dos dois lados, aumentam a margem financeira, nas barbas do Banco de Portugal.

E as comissões bancárias, que aumentaram nos últimos anos com o argumento dos juros negativos, agora que os juros aumentam, afinal continuam a aumentar.

Tudo isto acontece com a complacência do Banco de Portugal, que ainda hoje reconheceu que os aumentos das margens de lucro explicam 2/3 da inflação.

O Banco de Portugal tem sido um mero observatório de mercado, procurando sempre justificar os lucros desproporcionais da banca, em vez de, uma vez que fosse, defender os clientes bancários face aos abusos da banca. 

Tudo isto acontece também com a complacência do Governo, que rejeita quaisquer medidas que ponham em causa os interesses dos grupos económicos, em particular da banca.

Quando se fala em salários, o Governo diz que temos de evitar a espiral inflacionista. 

Quando se fala da não-execução do investimento público, o Governo diz que temos de ter uma política “anti-cíclica”. 

Mas nas margens de lucro – que toda a gente reconhece, do BCE ao Banco de Portugal, que é o principal motor da inflação – aí o Governo não tem políticas anti-cíclicas. 

Aí o Governo não acha que tem de se conter a espiral inflacionista. 

Aí o PS e a direita toda, incluindo o Chega, dizem que não se pode tocar e rejeitam todas as propostas que vão buscar aos lucros o que falta nas condições de vida da população. 

O PIB cresce – ou seja, o trabalho (porque só o trabalho cria riqueza) está a produzir mais. Os trabalhadores portugueses, todos os que trabalham em Portugal, produzem mais riqueza, mas continuam a empobrecer a trabalhar. 

Os salários e as pensões continuam a perder poder de compra, porque o Governo e a direita recusaram medidas para um aumento geral de salários, e de controlo de preços sobre bens essenciais. 

E na Habitação, as prestações aumentam de forma incomportável, com graves consequências sociais e económicas. Também porque foram rejeitadas propostas do PCP, quer no crédito à habitação, quer no arrendamento, quer na necessidade de aumentar a habitação pública.

Vem agora o Chega virar o bico ao prego em relação ao que sempre disse e ao que sempre votou. 

Diz agora que os lucros da banca devem contribuir para baixar as prestações, mas quando o PCP propôs, no Orçamento do Estado para 2023, na proposta 1385C, que previa precisamente que os lucros da banca fossem chamados a contribuir para aliviar o esforço das famílias, o CH votou contra, tal como o PS, o PSD e a IL.

Só que o Chega vira o bico ao prego nas palavras, mas não naquilo que de concreto propõe. 

É que se olharmos para a proposta do Chega, com alguma atenção, o que é que o Chega propõe?

Diz o Chega que os bancos – e passo a citar – “podem igualmente propor ao mutuário a aplicação de um valor residual correspondente até ao máximo de 5% do montante inicialmente contratualizado, sempre que o valor do indexante exceda os 2,5%.”

“Podem”, senhores deputados? 

Mas é que poder, já podem!

O que é preciso não é dizer aos bancos que podem propor melhorar a taxa. Mas o Chega acredita na boa-vontade da banca… que agora a banca vai tomar a opção de baixar os seus lucros, se não for obrigada a isso?!

O Chega não consegue disfarçar, mesmo quando tenta, que nunca é capaz propor qualquer medida que enfrente os grandes interesses para ajudar as pessoas. 

Não é capaz, porque não é da sua natureza.

Senhoras e senhores deputados,

O que é preciso é aplicar medidas como as que o PCP colocou em cima da mesa no agendamento do passado dia 15 de fevereiro, e como trará amanhã a debate em confronto com as propostas do Governo.

Medidas que impeçam este abuso – e que obriguem a uma redução da margem financeira da banca para aliviar as prestações, nomeadamente através da devolução de comissões que são cobradas no início e ao longo do contrato de crédito, e que num quadro de aumento dos lucros, podem e devem ser devolvidas. 

Medidas que deem força negocial aos consumidores nas renegociações de créditos, como a dação em cumprimento, a conversão temporária de créditos em arrendamento para salvaguardar a habitação própria, ou a mediação do Banco de Portugal destes processos de renegociação.

Medidas que passam também pela mobilização do banco público, da Caixa Geral de Depósitos, para reduzir os spreads e assim influenciar todo o mercado no sentido da redução dos spreads e outros encargos.

Senhoras e senhores deputados,

O Chega traz ainda duas outras iniciativas sobre outro tema, que é sobre o processo do BES/Novo Banco e a situação dos lesados. 

A proposta do Chega não resolve nenhum dos problemas dos lesados da banca. E, quanto ao ponto 2, não podemos acompanhar a proposta do Chega para isentar de custas judiciais os lesados da banca, porque tal constituiria uma discriminação face a outros cidadãos, que também recorrem à Justiça para fazer valer os seus direitos. 

O que é preciso é melhorar – de forma geral – as condições de acesso à Justiça, baixando as custas judiciais para todos os cidadãos. 

O outro projeto diz, e passo a citar, que o Estado deve uma promover uma “renegociação do empréstimo destinado a financiar a resolução do BES Novo Banco” “de molde a obter-se um reembolso mais célere, e mais vantajoso, dos fundos públicos disponibilizados (…)”

É preciso dar-vos uma novidade: é que não houve nenhum empréstimo para o Novo Banco. 

O Estado entregou dinheiro para limpar o desastre da gestão privada da banca, por opção de dois governos. 

Primeiro, 4,9 mil milhões de euros, na resolução fraudulenta decidida pelo Governo PSD/CDS; e depois mais 3,9 mil milhões de euros na privatização ruinosa decidida pelo Governo PS, numa soma de quase 9 mil milhões de euros. 

Só há – e sempre houve – uma forma de recuperar esse valor que os portugueses colocaram no BES e no Novo Banco.

É assegurar o controlo público sobre o banco. 

É que, já que pagámos a conta da limpeza, ao menos que fiquemos com o banco e que o coloquemos ao serviço do país, em vez de o entregar ao capital estrangeiro.

E é isso que o PCP tem proposto e que o Chega tem sempre rejeitado, votando contra as propostas, nomeadamente no OE 2021, que diziam que qualquer entrega de mais verbas para o Novo Banco tinha de significar o início do procedimento para assegurar o seu controlo público. Só assim se pode recuperar o que lá foi posto!

Senhoras e senhores deputados,

Este debate foi marcado para o Chega fazer de conta que tem alguma proposta para resolver os problemas das pessoas. 

Não só não tem nada a apresentar, como o seu histórico é o de rejeitar todas as medidas que colocavam os lucros da banca a suportar o esforço das famílias com o crédito à habitação. 

Amanhã cá estaremos, de novo com as propostas do PCP. 

Propostas sérias, que enfrentam verdadeiramente os interesses da banca, e que ao contrário das medidas do Governo que aprofundam borlas fiscais, servem mesmo para resolver os problemas e corrigir os desequilíbrios que levam a que a banca apresente lucros milionários à custa dos sacrifícios da maioria. 

Cá estaremos, a mostrar que a alternativa à política de direita do PS não é a direita, nem a extrema-direita. 

A alternativa é à esquerda. 

É com o regresso da discussão da política que resolve os problemas, e não da política dos casos. 

É com políticas que não subjuguem o direito universal à habitação aos interesses, nem da banca, nem da especulação imobiliária. 

Políticas corajosas e determinadas, que assegurem a habitação como direito, e não como mercadoria.

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