Intervenção de Alma Rivera na Assembleia de República

Não há justiça se não é garantido a todos o seu acesso

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Estamos a pouco mais de um mês de comemorar mais um aniversário sobre a revolução de abril, momento que transformou Portugal, em que se abriu caminho à liberdade e se construiu o edificado de direitos que ficaram plasmados na Constituição da República Portuguesa.

Quando dizemos, e o PCP tem-no dito, que o que falta a este país não é destruir ou adulterar o seu património constitucional, mas sim cumprir os comandos constitucionais e aprofundá-los, temos em matéria de Justiça demonstração disso mesmo.

Diz o n.º 1 do 20º artigo da Constituição que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Esta é uma disposição fundamental numa democracia e num estado de direito digno desse nome, só que precisa de ser levada à prática e não atacada

Precisa de ser verdade, na vida de toda e qualquer pessoa neste país, quer tenha um salário baixo, como a generalidade da população tem, quer tenha rendimentos mais elevados.

Mas também para todos aqueles que, não sendo suficientemente carenciados para ter acesso ao apoio judiciário (e é preciso ser praticamente indigente para o ter!), deixam de defender os seus interesses porque não se podem dar ao luxo de iniciar um processo.

A maioria da população não tem meios económicos para suportar os custos e a demora de um processo judicial.

Mas se a todos não é garantido o acesso à justiça então não há uma verdadeira realização da justiça.

É verdade que existem duas justiças, uma para cidadãos ou empresas com elevados recursos económicos e outra para o comum cidadão, que vive do seu trabalho e que tantas vezes deixa de fazer valer os seus interesses e direitos simplesmente porque não tem dinheiro.

Se juntarmos a morosidade do funcionamento dos tribunais, a ainda reduzida dimensão dos julgados de paz, o escassíssimo alcance social dos mecanismos de apoio judiciário, os custos com honorários de advogados, e o que aqui hoje discutimos, o elevado valor das custas a suportar pelo recurso aos tribunais, é fácil perceber que não há justiça para todos.

Esta é uma justiça de classe.

Uma justiça de classe que ao não ser célere, ao não ser acessível, ao não ser igual para todos, como ninguém pode negar, não é Justiça.

Do incomportável custo do acesso aos tribunais, até à falta de meios humanos e tecnológicos para o combate à alta criminalidade, passando pelas precárias condições do parque judiciário e prisional, pela carência de recursos humanos em todas as áreas, ou pela situação socioprofissional indigna dos diversos operadores judiciários, tudo isto existe e tudo isto é triste, tudo isto faz parte de uma justiça a dois tempos.

 

O que propomos é urgente: que a Assembleia dê o tão necessário impulso para a revisão do regime legal das custas judiciais, com a criação de uma unidade de missão que dada a complexidade e implicações da matéria esteja habilitada para se debruçar sobre o assunto nos próximos 6 meses.

Esta proposta que aqui trazemos é absolutamente fundamental para que se avance para uma justiça realizada, que só o pode ser pela garantia do acesso de todos ao direito e aos tribunais.

Não é tolerável um país em que a justiça só é acessível a quem a pode pagar. É preciso dar efetivo cumprimento ao direito constitucional de todos os cidadãos de acesso ao direito e à tutela jurisdicional.

A Justiça é mesmo uma trave mestra do Estado de Direito Democrático e deixá-la degradar é por em risco a própria democracia.

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