Portugal vive a maior e mais profunda crise económica de que há memória na história do pós 25 de Abril. Uma crise que o PCP previu com a devida antecedência em sucessivas análises que estão devidamente documentadas quer na actas de diversos congresso realizados ao longo das últimas décadas, quer em encontros específicos que o PCP foi organizando. Esta crise, devidamente antecipada pelo PCP foi e tem sido objecto de uma intervenção constante, seja a nível institucional, seja através de amplas acções de mobilização de massas através das quais o PCP tem procurado alertar o povo português e os trabalhadores para a necessidade urgente de mudanças profundas ao nível das políticas económicas que têm levado países à ruína.
Esta crise não pode ser dissociada de uma deriva neoliberal que se inicia logo a seguir ao 25 de Abril, com o governo socialista de Mário Soares, mas que se acentua nos anos oitenta período em que Portugal se associa ao processo de integração capitalista da União Europeia, então chamada de CEE. Com efeito, pela mão mais uma vez do PS e de Mário Soares, Portugal adere formalmente à CEE em 1987. Com esta adesão, acelera-se de forma significativa o processo contra revolucionário e com ele o retrocesso social e económico. Com esta adesão procura-se ajustar contas com a revolução de Abril, abrindo-se um período de destruição das suas conquistas. Começa o ataque às nacionalizações, à reforma agrária, aos direitos sociais e laborais conquistados duramente, muitos dos quais ainda antes do 25 de Abril. Com adesão ao euro, na sequência da aprovação do tratado de Maastricht pelo PS, PSD e CDS, dá-se o inicio do processo de criação da união monetária que culminará com a introdução do euro em 2002.
Todo este processo foi sistematicamente feito nas costas do povo. Apesar dos apelos e das propostas concretas do PCP, nunca nenhum dos tratados foi objecto de uma discussão séria na sociedade portuguesa. Todas as tentativas de referendar os tratados foram sistematicamente negadas pela maioria do bloco central PS e PSD, com a ajuda do CDS. Em vez disto, foram realizadas amplas campanhas de propaganda, veiculando uma imagem paradisíacas da UE e do Euro. Estas campanhas foram baseadas em mentiras. Assentaram em premissas erradas que mereceriam ser recordadas hoje para se perceber a falta de seriedade daqueles que prometeram mundos e fundos aos portugueses. E para isto nunca faltaram recursos, fossem eles nacionais ou comunitários. Quem não se lembra do pelotão da frente, do impacto do euros na criação de emprego e no crescimento. Dizia até o Cavaco Silva, primeiro ministro da altura que, com a adesão ao euro, a nossa voz teria mais peso da UE. Vejam lá o delírio deste senhor que é hoje o presidente da república de Portugal.
Não é possível realizar um balanço completo do que foi o percurso de Portugal desde a entrada do euro. Quem estiver interessado neste balanço poderá encontrar muitas documentação percorrendo a imprensa e o site do PCP. Em traços gerais, poderemos adiantar que Portugal andou para traz neste período. E falo literalmente para traz. Com efeito, se analisarmos o PIB per capita em paridade de poder compra entre 2001 e 2013, verificamos que esta riqueza por habitante diminui! Esta é a marca do euro. Por outro lado, a desigualdade na distribuição do rendimento aumentou, com os salários a evoluir sistematicamente abaixo da inflação, e até a baixar em termos nominais, e as fortunas a aumentar. Os serviços públicos degradaram-se, seja na saúde, na educação ou nos transportes, com encerramento de milhares de serviços e despedimentos de milhares de técnicos qualificados. Tudo ficou mais caro para os trabalhadores. E com estes cortes que atingiram a generalidade dos sectores da administração pública, será que isto contribui para resolver os problemas do país? Não camaradas, por mais paradoxal que isto pareça, todos estes sacrifícios, como os governantes gostam de dizer, só serviram para encher os bolsos dos mesmos de sempre. O défice continua alto e a dívida cresceu de forma exponencial, atingindo níveis insustentáveis. Portugal vive hoje preso num esquema de extorsão dos seus recursos, em que parte significativa da riqueza criada vai para os bolsos daqueles que sempre engordaram e continuam a engordar com a crise. São juros agiotas que vão para o sector bancário, nunca esquema de completo esbulho dos recursos públicos. Com efeito, é este sector financeiros, principal responsável pela crise, que vai buscar fundos ao BCE a juros quase nulos, para depois emprestar aos governos com margens de intermediação de 300 e 400 porcentos. São empresas vendidas ao desbarato para gáudio dos grandes grupos financeiros internacionais. É o congelamento de salários ao qual se juntam leis que aumentam a exploração bem como as taxas de lucro das grandes empresas. Finalmente é mais um pacote fiscal com isenções atrás de isenções, e com uma bem demonstrativa baixa do IRC quando o IRS sobre para a generalidade dos trabalhadores portugueses.
Tal como PCP advertiu, Portugal nunca deveria ter entrada para o euro. Fê-lo em condições extremamente negativas, adoptando, à revelia das mais elementares regras económicas com uma taxa de conversão muito acima das possibilidades da nossa economia. Com um euro demasiado valorizado face ao estado de desenvolvimento da nossa economia e face aos destinos das nossas exportações, o nosso sector de bens transaccionáveis perdeu imediatamente competitividade. A partir daí Portugal assistiu a um longo processo de aniquilação do seu sistema produtivo. Ao mesmo tempo que se deteriorava a nossa balança comercial, os nossos governos privatizaram-se empresas estratégicas que foram progressivamente passando para as mais do capital estrangeiros. Se já assim a nossa situação era difícil, ainda ficou pior. Sem instrumentos económicos e com uma política de completa subserviência face à UE que preconizada o encerramento de amplos sectores ditos não competitivos, seja na indústria, na agricultura ou nas pescas, Portugal foi empobrecendo e tornando-se cada vez mais dependente. Os parcos recursos da economia foram desviados para o chamado sector de bens não transaccionáveis e em particular para a construção civil, seja nas grandes obras de betão financiadas pela UE seja no imobiliário onde se gerou desde então uma enorme bolha especulativa que viria a rebentar mais tarde dando origem à actual crise cujo fim não está sequer à vista.
Neste período, em função de uma conjuntura nacional e internacional extremamente desfavorável às forças políticas e organizações progressistas, os direitos dos trabalhadores foram alvo de um saque sem precedentes, com o grande capital a tudo fazer para manter as suas taxas de lucro sempre à custa de mais exploração. Estes ataques, devidamente articulados em várias frentes, só encontram paralelo nas chamadas terapias de choque levadas a cabo pelo FMI em diversos países da América do sul durante a década de 70. Os salários foram durante este período praticamente congelados na generalidade dos sectores, com o poder de compra dos portugueses a ser comido progressivamente pela inflação. Com a entrada da troika, o salários da administração publica foram cortados em termos nominais com diminuições que variam entre 10 a 25%. A jornada de trabalho foi aumentada na função pública de 35 para 40 horas. Impuseram-se de forma crescente, esquemas de flexibilização do tempo de trabalho, eliminando assim o pagamento de horas extraordinárias. Minou-se a contratação colectiva, procurando deslocar o centro de gravidade das negociações para dentro das empresas onde o patrão quase sempre pode e manda. Todo este processo não se fez sem grandes lutas que impediram quase sempre o governo e o patronato de ir mais longe. Basta comparar as propostas iniciais com o que foi efectivamente implementado para se perceber a importância da luta, a importante de resistir, por mais adversas que sejam as condições desta mesma luta.
Como é visível em toda a Europa, não é possível dissociar este episódio de uma crise mais geral do sistema capitalista. Uma crise mundial cujos efeitos se fazem sentir em cada país com características específicas mas onde podemos verificar traços comuns. Ainda esta semana, no parlamento europeu, numa iniciativa conjunto entre o AKEL, a esquerda plural e o PCP, tivemos oportunidade de debater os efeitos dos diversos memorandos em cada um daqueles países. Verificamos uma agenda comum. Problemas e orientações comuns, com um quadro de exigências semelhante em função do seu carácter de classe. Tem portanto toda a oportunidade esta meritória iniciativa realizada no quadro do GUE/NGL. É muito importante que possamos debater a situação de cada país e trocar experiências e até respostas possíveis que terão de ser adaptadas naturalmente a cada situação concreta.
Pela nossa parte, o PCP entende por um lado que não há desenvolvimento possível para o nosso país no actual quadro das instituições europeias e designadamente no quadro desta união monetária. E neste sentido que propomos ao país um programa de ruptura com esta política com propostas concretas que visem dar um novo rumo ao país permitindo retomar a via do desenvolvimento social e económico. Não é igualmente possível detalhar o programa do PCP para a saída da crise neste espaço. Os camaradas poderão sempre consultar os muitos documentos do nosso partido sobre esta matéria. Coloco aqui apenas algumas linhas gerais. A primeira medida diz respeito à renegociação da dívida que suga hoje cerca de 4,7% do nosso PIB. Uma renegociação dos montantes, dos juros e dos prazos. A segunda medida prende-se com a necessidade de repor tudo o que foi roubado as portugueses, repondo os salários aos níveis que precederam a entrada da troika e repor os serviços públicos essenciais entretanto encerrados. Numa terceira vertente de enquadramento mais geral, encaramos como fundamental a preparação do país para uma eventual saída do euros. Esta preparação implica trabalharmos em duas frentes. Na frente interna, implica fazer reverter por completo o processo de privatização da nossa economia, trazendo novamente à esfera pública amplos sectores fundamentais da nossa economia como o sector financeiro a energia ou os transportes. Na frente externa, implica encetar de imediato um processo negocial com as instituições europeias que terão de dar conta dos enormes prejuízos que esta integração impôs ao nosso país. Para este processo, contamos obviamente com a possibilidade de constituir uma frente alargada de países da UE que, como nós sofreram na pele os desmandos desta integração capitalista que teve consequências catastróficas em muitos países da periferia.
Camaradas, esta luta que nos une, não é fácil. O tempo e a realidade objectiva que temos à nossa volta jogam, no entanto, a nosso favor. Nunca como hoje foi tão claro o carácter de classe desta política europeia. Temos por isso um terreno fértil à nossa frente, com uma longa e difícil batalha por travar. É para isso que cá estamos, e podem os povos de Portugal e da Europa contar com todo o nosso empenho. Continuaremos por isso a trabalhar em Portugal, mas também na Europa e designadamente no Parlamento Europeu para dar combate a estas políticas procurando a unidade com todas as forças políticas consequentes que queiram associar-se a este combate.